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‘Criando Saúde vocês geram felicidade’

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- Francisco Yukio | IT Mídia
Os amigos Domenico De Masi e Oliviero Toscani encantaram o público do SBF 2014 em divertido talk show. Saudade, felicidade e relacionamentos na Era Digital pautaram o bate-papo

O que é a felicidade? Como ser feliz em um mundo cujas regras sociais, comportamentos individuais e formas de relacionamento estão sendo tão profundamente alterados? São algumas das perguntas que foram respondidas pelos amigos e pensadores italianos Domenico De Masi e Oliviero Toscani. O primeiro filósofo, o segundo fotógrafo, amigos de longa data e autores do livro A Felicidade, subiram ao palco na sexta-feira (19) para uma conversa descontraída que encantou os participantes do Saúde Business Forum – bate-papo que bem poderia ter se passado no sítio de Toscani, regado a vinho artesanal e azeite fresco. Confira os melhores momentos do talk show!

EM VÍDEO: Um bate papo com Domenico de Masi e Oliviero Toscani

Maria Carolina Buriti: De onde veio a ideia de fazer um livro sobre a felicidade?
Domenico De Masi:
É muito simples. Alguns anos atrás, três ou quatro, um banco me chamou e disse que queria dar um presente para os colaboradores e clientes, e que esse presente tinha que ser um livro sobre a felicidade no qual eu faria os textos. E um fotógrafo deles tiraria as fotos. Eu disse que estava disponível mas que queria o fotógrafo, e que queria fazer com o Oliviero. Disseram que o Toscani era caro demais. Eu disse que eu também. Falei para eles que estabelecessem a quantia e nós certamente faríamos o trabalho. Liguei para o Oliviero e contei a história. Nos encontramos e decidimos algumas coisas. Primeiro, que a felicidade é colorida e por isso o livro tinha que ser colorido. Eu disse que a felicidade era um conceito abstrato, e ele tinha que fazer fotos abstratas, embora sempre fizesse fotos concretas.
Oliviero Toscani: A felicidade é realmente abstrata, mas nunca podemos falar de abstrato nas fotos. A fotografia é a tradução de coisas tridimensionais que se tornam bidimensionais e podem utilizar abstração, mas essa é uma palavra muito vaga. Eu queria uma abstração que pudesse levar à felicidade, que nos levasse a uma dimensão de felicidade. O que vocês veem no entanto são coisas concretas, cada objeto escolhido e pensado para trazer esse meio claro e escuro, metade luz e metade escuridão.

Maria Carolina Buriti: De manhã [na sexta-feira, 19 de setembro] o Oliviero nos emocionou muito. Queria ouvir um pouco do professor Domenico sobre a palestra.
De Masi:
Eu aprendo muitas coisas com o Oliviero sobre imagens. Ele tem um arquivo imenso. E toda vez vejo fotos que nunca tinha visto antes, e cada vez se trata de uma descoberta para mim do ponto de vista sociológico, pois sou um sociólogo. A meu ver as fotos do Oliviero tem uma grande força de caráter sociológico. O conjunto dos rostos e aquela pesquisa que vimos [conjunto de retratos de pessoas de todo mundo, mostrada por Toscani em sua palestra individual durante o SBF], e eu já vi centenas em mostras em Milão e Firenze, se olharmos cada um desses rostos, percebemos algumas coisas. Primeiro que somos todos diferentes, o que é lindo. E segundo que somos todos iguais. E também que há uma enorme sinergia entre homens e animais. Ele [Toscani] vive em uma fazenda, e as coisas mais bonitas que ele faz não são as fotos, mas o vinho e o azeite. E também criar cavalos. (...) É muito interessante como ele realiza as reuniões com clientes importantes. Uma vez a Fiat nos chamou para uma campanha. E nós fizemos a reunião com o diretor de marketing da Fiat no estábulo, um enorme edifício, muito longo. De um lado e de outro há burros e cavalos, e no centro a mesa de reuniões. Enquanto discutíamos os burros e cavalos relinchavam, e depois os executivos obviamente conversam. É tudo muito sinfônico nessa reunião. Essa é a sala de reuniões de Oliveiro.

Maria Carolina Buriti: E sua opinião, Oliviero, sobre a palestra do professor De Masi?
Oliviero:
O professor De Masi é muito bom, muito profundo, fala a verdade por que bebe meu vinho e come meu azeite. Isso faz muito bem para a saúde dele. O que ele disse, tenho que dizer, é normal, portanto se normal é perfeito. O futuro será dividido, como ele disse, entre quem será criativo e toda a escala descendente. Acredito que hoje, também com minha conferência, tenha ficado claro, e que quem tem bom senso já percebeu esta condição. De qualquer forma vamos falar dos cavalos, que não são nada mal como azeite e vinho, já que falamos de saúde. Para mim tudo é trabalho, não tenho hobbies. Eu crio cavalos, para mim é um trabalho sério, fazer azeite e vinho também, fotografar... Eu percebo que podemos fazer diversas coisas. Quem diz “eu não tenho tempo” são aqueles que fazem muito pouco. Aqueles que fazem muito sempre tem muito tempo. Basta decidir o seu tempo! Portanto tenho o meu tempo e faço o que gosto de fazer, o que não gosto eu não faço bem feito. Eu não sou perfeccionista quando não faço o que eu não gosto.

Pergunta da plateia: O que vocês entendem como felicidade e como aplicam isso em suas vidas?
De Masi:
Podemos fazer um pequeno resumo do nosso livro. Organizamos o livro dessa forma: antes uma pequena história e depois os amigos e inimigos da felicidade. A história é simples. Tivemos a sorte de ter um povo que foi o mais extraordinário que apareceu na terra, que foram os gregos, que durante seis séculos fizeram uma única pesquisa: o que é a felicidade? Esta é a síntese de toda filosofia grega, todo teatro e poesia grega, toda arquitetura. O que era felicidade para os gregos? Era equilíbrio entre várias partes da existência. Esse é um elemento importante na vida de hoje pois frequentemente nos falta equilíbrio. Alguns tem excesso de trabalho, de sexualidade, de reflexão, de preocupação financeira. Para os gregos era o equilíbrio. Outro elemento importante é o que nós podemos chamar de dar sentido para algo. Para os gregos não era importante ter muitas coisas. As casas gregas tinham pouquíssimas coisas supérfluas, as ruas tinham pouca decoração. Eles não desejavam ter muitas coisas, mas sim dar sentido às coisas que possuíam. Isso é muito importante. (...) Cada um de nós tem livros que não leu, discos que não ouviu, quadros que não admirou. Cada um de nós tem coisas que não saboreou. Podemos saborear um quadro, uma nuvem. Da Vinci se considerava um cientista, não um pintor. Pintou muito pouco. Para a Monalisa levou 13 anos. Enquanto outros pintores desenham a mão, redesenham, Leonardo nunca modificava suas pinturas. Na Monalisa ele só repintou um dedinho de uma mão, foi tudo feito de uma única vez, mas levou 13 anos! Passava anos observando uma nuvem para pintá-la. E esperava. Deixava o quadro no quarto de dormir. Uma bela manhã acordava e pintava a nuvem, e ela permanecia intacta para sempre. Ou seja, ele dava sentido às coisas. E tenho certeza que Leonardo se sentia feliz. Para mim essa é a felicidade.
Toscani: A felicidade, não sei se para mim é o equilíbrio. De todas as formas é uma consequência de um desejo, uma vontade, algo que eu aspiro. Talvez a felicidade seja um desejo de liberdade, se sou livre sou feliz. Como consequência da minha liberdade posso ser feliz. Mas agora passou pela minha cabeça... Outro dia de manhã estava em um táxi em Milão. Era cedo, 7h30, e eu estava indo para o aeroporto. Para isso tive que atravessar a cidade. Olhava os rostos das pessoas que esperam os meios de transporte para ir trabalhar e fiquei impressionado com os olhares e atitudes dramáticos de infelicidade. Essas pessoas que esperam na calçada como se fossem para o matadouro, para o açougue, e essa visão me impressionou muito. Experimentem vocês também olhar. Não olhem, mas vejam essa situação. Vivemos em um estado de medo, temos medo até de ser felizes. Se alguém liga em casa as pessoas pensam “tomara que não tenha acontecido nada.” Do que provem tudo isso? Talvez estejamos errando no nosso ritmo de vida. Eu acredito que a Itália era muito mais feliz quando tínhamos um pouco menos. Eu nunca vi uma pessoa rica verdadeiramente feliz. Sempre tem esse ar apavorado, espantado, sempre medo que algo possa acontecer. Portanto a felicidade é um equilíbrio, é verdade, que é muito difícil de alcançar. Mas já pensamos que podemos ser felizes na procura da felicidade. A procura produz felicidade.

Pergunta da plateia: Por que a Itália se tornou um berço renascentista e influenciou tanto a cultura ocidental?
Toscani:
Antes de mais nada, não era a Itália, era o Grão-Ducado da Toscana. Não era a Itália. No norte estavam os alemães, austríacos, embaixo as duas Sicílias. E a Renascença nasce em Florença - eles eram ricos e tinham essa excentricidade. É uma magia em que muitas cabeças se unem em um momento de excelência. Só acho que o professor pode falar melhor. Eu ando sempre com ele porque ele pode falar mais sobre isso.
De Masi: Não, eu acredito que era Itália. Não Grão-Ducado, porque aconteceu em Florença, Napoli etc. E todas essas cidades falavam italiano. A língua é importante. Esse é um dos mistérios do Brasil, que fala uma língua geral. Incrível que os índios já falavam uma língua geral, e foi impressionante para os portugueses encontrarem indígenas que falavam uma mesma língua. Depois virou português, mas sempre um idioma único. Ontem [na palestra do dia 18 de setembro] mencionei que houve na história humana alternâncias entre épocas de desenvolvimento técnico e humanista. Um aconteceu na Mesopotâmia quando foi inventada a moeda, a escrita etc. Em Roma, houve um grande desenvolvimento de caráter religioso com a chegada do Cristianismo e o nascimento do Sagrado Império Romano. Em poucos anos do século XII foi inventada a imprensa, o moinho de água, os óculos etc. A partir do cristianismo até a idade média o destino humano depende de Deus, e de cada coisa que nos acontece. Uma transformação extraordinária, pois até os gregos e romanos a felicidade estava na terra. Aí vem o Cristianismo e inverte tudo, dizendo que nesta terra não há felicidade. No século XII é realizada a maior descoberta empresarial de todos os tempos. Vocês são todos grandes empresários, mas nenhum tão grande quanto os padres do século XII, com a descoberta do Purgatório. Antes todas as religiões tinham ou paraíso ou inferno. No século XII a Igreja Católica passava por uma crise terrível. Aí nasceu uma ideia extraordinária: além do inferno e paraíso havia uma área em que se podia negociar. No purgatório havia todas as penas do inferno, porém por um tempo determinado. Não eram mais uma área de negociação entre céu e inferno. Se morresse meu avô eu não imaginava que ele ia pro inferno, por que ele era um sujeito ruim, mas não tão ruim. Onde poderia estar meu avô? No purgatório! Era dado o dinheiro pra igreja que rezava e dava indulgências. Para gerenciar todo o dinheiro arrecadado nasceram os bancos. A Toscana é importante, pois ali nasceram os primeiros bancos. Os Médici por exemplo era uma família de banqueiros. O dinheiro depois era emprestado aos reis. Os primeiros bancos têm nomes religiosos, de santos. O dinheiro e as descobertas tecnológicas vão dar ao homem uma nova força, e a felicidade volta a ser terrestre. É possível ser feliz nesta terra, e se recupera o conceito de felicidade que havia sido dos gregos.

Pergunta da plateia: “Se amas a solidão, casa-te”, disse Oscar Wilde. “É impossível ser feliz sozinho”, cantou Tom Jobim. Em um evento que propõe o relacionamento, é impossível ser feliz sozinho?
Toscani:
Eu viajo com o professor que explica Renascimento e todas as vezes aprendo alguma coisa. Eu acredito que nós somos sós. E isso não é ruim. Nós temos isso que eu chamo de pulso da nossa personalidade. Temos dificuldade de olhar para o interior, por que quanto mais profundo vamos mais criamos problemas. Mas também são aqueles que nos dão felicidade quando os resolvemos. Acredito que seja um falso problema, nós não somos sozinhos, mas somos. Claro que quando eu morrer acredito que não haverá mais nada. Algumas pessoas talvez se sintam felizes quando estão sós e outras infelizes. Para mim é difícil, não acho que pode ser generalizado. Ele [Domencio] é professor. Quantos alunos ele lembra que teve?
De Masi: Estou de acordo com o que [Toscani] diz. Nelson Rodrigues diz que “a pior forma de solidão é a amizade e a companhia de um paulista”. E Carl Gauss diz que “ao monólogo com minha esposa prefiro o diálogo comigo mesmo”. Mas acredito que a situação melhor é a de quem consegue ficar muito bem sozinho e muito bem acompanhado. Necessito dos meus momentos de solidão, no qual sinto com vontade de ficar comigo mesmo. Quando não tenho com quem falar em Roma ligo pro Oliviero. Felizmente temos os meios de comunicação e podemos ter vários níveis. Um nível de companhia com o telefone, com Facebook, pessoalmente... É maravilhoso. A maturidade consiste em saber utilizar todos os níveis de relacionamento.
Toscani: Nunca como hoje estivemos tão conectados e, também, tão sozinhos. Em casa o pai vê a TV, a mãe ouve música no iPod, o filho no computador... Talvez assistamos todos a mesma coisa na televisão, mas em quartos separados. Talvez estejamos conectados, mas creio que há uma grande solidão.
De Masi: Não sei se é assim. Cada um está em um quarto e tem um celular. Eu acho que isso é bonito por que cada um deles está com a pessoa que prefere.
Toscani: Como assim? Ele tá com o telefone, não com a pessoa! Ele é daqueles jovens de hoje que fazem amor com o celular na mão?
De Mais: Se não tivesse telefone, o filho teria que escutar o pai e a mãe... Cada um fica com a pessoa preferida, o que é ótimo.
Toscani: A tecnologia cria solidão.
De Masi: A meu ver cria interação. Tanto Oliviero como eu temos uma certa idade e vivemos muito tempo antes do iPad, do iPhone... Até a masturbação hoje é melhor do que era anos atrás!
Toscani: Bom, é melhor vocês fazerem outra pergunta por que estamos saindo dos trilhos...

Pergunta da plateia: A felicidade traz a saudade, que gera tristeza, que é difícil de ter um fim...
Toscani:
O senhor tem uma visão bastante especial. Quem vive vai em busca do que já viu, visões, situações passadas que foram belas, e procura se voltar para aqueles espaços de memória. Mas quando fazemos isso perdemos a oportunidade de olhar a imaginação, pois para olhar pra trás não há necessidade de imaginação. A imaginação é o futuro. Depende de nós que futuro desejamos. A imaginação criou a Renascença. Sou muito ligado ao meu passado, mas não sou saudosista. Incomoda-me um pouco porque faz com que eu perca a energia da imaginação... Como eu disse, para mim a coisa mais importante é a liberdade.
De Masi: [Se dirigindo à plateia] Acredito que seja importante o trabalho que vocês realizam, pois cria esta atmosfera que encontramos. Aqui existe uma atmosfera deliciosa. Quando vou para o escritório de manhã minha secretária me fala dos pedidos e convites que chegam para conferências e aulas. Pergunto quem enviou e escolho algumas. Quando minha secretaria me disse que havia um convite para esta convenção, perguntei quem estaria lá, ele disse que seriam pessoas da área da saúde. Aceitei logo porque é muito diferente de uma assembleia de executivos que produzem armas, por exemplo. Seria terrível. Criando saúde vocês criam felicidade. Como Marx disse “somente o homem que torna os outros felizes pode se permitir ser feliz”. Quanto mais tornamos os outros felizes mais temos o direito de ser felizes.