Solidariedade não é uma questão de altruísmo e sim de sobrevivência. Fazer o bem é melhorar o mundo ao nosso redor para deixá-lo aos nossos filhos,?  diz Ricardo Afonso Ferreira, fundador dos Expedicionários da Saúde.
Vindo de uma família onde a medicina é uma tradição passada de pai para filho, Ferreira, 55 anos, é médico ortopedista, especializado em prótese de quadril e joelho. Fundador da organização não governamental cuja missão é levar medicina especializada para regiões isoladas do Brasil, favorecendo, principalmente, populações indígenas, Ferreira estudou medicina na PUC-SP, e se formou pela universidade de Memphis, no Tennessee (EUA), por meio de um convênio entre as duas instituições.
Depois de formado, o médico viajou pelo mundo durante quatro anos, colecionando histórias e adquirindo conhecimento sobre culturas totalmente diferentes. ?Durante esses anos trabalhei em uma companhia de reflorestamento no Deserto do Saara, fui de carona de Paris (França) à Dakar (Senegal), e estava no Afeganistão, em 1978, durante o primeiro golpe de Estado promovido por militares pró-soviéticos, antes da invasão em 1979.?
A ideia de fundar os Expedicionários da Saúde surgiu em novembro de 2002, quando Ferreira e um grupo de médicos que sempre faziam caminhadas por todo o Brasil e pelo mundo, visitaram o Pico da Neblina, na Região Norte do Amazonas. ?Lá deparamos com a realidade da saúde indígena e vimos que com pouco poderíamos fazer muito por essa população que vive geograficamente isolada?, explica o ortopedista.
A partir dessa viagem, o grupo começou a discutir a situação da saúde indígena e a criação de uma organização para prover atendimento de maneira objetiva para evitar que eles tivessem que sair de suas aldeias. ?Vimos muitos casos de catarata e hérnia. A catarata por causa da intensidade da luz equatorial, que é muito mais forte, e as hérnias pelo excesso de peso que esses índios carregam?, completa ferreira.
Durante o ano de 2003, Ferreira reuniu alguns amigos de infância, empresários, executivos e advogados e começaram a estruturar uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Em abril de 2004 foi realizada a primeira expedição, que continha quatro médicos, um profissional de logística e 150 quilos de equipamento. ?Fomos à região da Cabeça do Cachorro, próximo à fronteira com a Colômbia.
Chegamos a São Gabriel da Cachoeira e lá subimos o Rio Negro de voadeira (lancha usada na região). Esta viagem demorou cerca de dois dias.?
No começo dos trabalhos eram realizadas expedições pontuais, duas vezes por ano, com um número restrito de especialidades. Atualmente, são feitas quatro viagens por ano, todas com foco cirúrgico em dez especialidades, envolvendo 25 profissionais e dez toneladas de equipamento.
?Operamos nessas regiões como nos grandes hospitais de São Paulo, com centro cirúrgico moderno e equipado, no mesmo nível ou até melhor que em algumas unidades de saúde.?
Se hoje a organização atua com seu próprio centro cirúrgico, hospitais de campanha bem estruturados com leitos para pré e pós-operatório, consultórios para realização de exames e três salas cirúrgicas, no começo a história era diferente. Ferreira lembra que as cirurgias eram feitas nos pequenos hospitais da região, que não possuíam infraestrutura adequada ou estavam totalmente sucateados. ?Outra dificuldade era a falta de recursos. Hoje contamos com o apoio de diversas empresas como Siemens, Kimberly-Clark, e países como Austrália e Nova Zelândia. São mais de 50 parceiros. Não temos muito dinheiro, mas somos ricos em parcerias.?
Haiti 
Em 2010, os Expedicionários da Saúde foram além de suas atividades e partiram para o Haiti para oferecer assistência à população assolada pelo terremoto que matou cerca de 200 mil pessoas. ?Antes de levar toda infraestrutura para lá, eu e um amigo enfermeiro fizemos uma expedição exploratória para estudarmos as condições de saúde e encontrar um local para situar o hospital de campanha?, relembra Ferreira.
Ele contou que essa primeira viagem exploratória ao país caribenho durou algumas semanas. ?Na ocasião do terremoto havia muita gente precisando de nosso trabalho e pensamos que, se conseguíamos fazer cirurgias na Amazônia, no Haiti não seria tão difícil?. Em 2006, o ortopedista foi convidado para participar de algumas palestras em Oslo, na Noruega, em um congresso mundial de catástrofes, onde ele aprendeu muito sobre o que fazer e como se comportar nesse tipo de ocasião. Este conhecimento foi muito útil para a equipe no Haiti, não só na primeira, mas em todas as expedições realizadas.
?A fome e miséria no Haiti são inimagináveis. Já morei na África e conhecendo as duas realidades digo que nunca imaginei que houvesse um lugar com tanta pobreza quanto no Haiti. Depois que você conhece o país adquiri uma dívida eterna com ele, pois sempre haverá o que fazer por lá?. O ortopedista conta que a equipe atuante no Haiti era formada por cem profissionais.  Ao todo, nas sete missões realizadas até agora, foram realizadas 1.326 atendimentos ambulatoriais e 330 cirurgias.
Oito anos após a primeira expedição, Ferreira conta que uma das coisas mais prazerosas durante as expedições são os curativos matinais feitos após as cirurgias de catarata.? Eu vejo os velhinhos chegando para realizar a cirurgia, muitas vezes, carregados pelos parentes, e no dia seguinte, pela manhã, é muito emocionante ver essas pessoas enxergando novamente?.
O ortopedista conta que, além de ajudar a população indígena, uma de suas missões também é criar uma escola que mostre para as pessoas como cuidar desses indígenas com muito carinho, como se fossem um parente nosso. Estas experiências, ensina Ferreira, são determinantes na vida de várias pessoas por proporcionar a ajuda ao próximo.