A segurança sanitária dos produtos importados exige controle sobre a qualidade da fabricação. De acordo com a legislação brasileira, quando se trata de produto estrangeiro, o responsável perante a autoridade sanitária nacional é o importador. Para importar, sejam medicamentos, sejam produtos médicos, a empresa deverá obter autorização perante a Agência Nacional de Vigilância Sanitária ? ANVISA, órgão regulador e fiscalizador. Uma vez autorizado a importar produtos para saúde, o importador deverá obter registro para cada um dos produtos que pretenda trazer ao mercado brasileiro ? exceção feita aos produtos de menor risco, para os quais há procedimento simplificado de registro, denominado cadastro sanitário.
O processo de registro do produto implica análise de seu risco sanitário pela ANVISA, que poderá ou não conceder o registro. O processo de concessão do registro exige, do importador, a apresentação de diversos documentos, entre os quais está o certificado de boas práticas de fabricação (CBPF), emitido pela própria ANVISA, após inspeção in loco de um agente sanitário brasileiro à fábrica localizada no exterior.
A Resolução de Diretoria Colegiada da ANVISA – RDC 25/2009, em vigor desde maio de 2010, obrigou as empresas fornecedoras de produtos médicos importados a apresentarem CBPF, seja por ocasião do pedido do registro, seja por ocasião da sua revalidação. Ocorre que o órgão responsável por emitir o CBPF é a própria ANVISA, que não conta em seus quadros com agentes sanitários em número suficiente para executar as inspeções internacionais na mesma velocidade dos pedidos de inspeção que chegam ao órgão.
Desde a entrada em vigor da RDC 25/2009, é crescente o ?gargalo? de inspeções internacionais, com o que, se atrasa a emissão dos CBPF. Isso impacta toda a cadeia de comércio no país e, não raro, coloca ? e certamente colocará ? o consumidor brasileiro em situação de atraso em relação ao direito de acesso a novas tecnologias.
A exigência de CBPF mediante inspeção de plantas fabris localizadas no exterior é medida adequada ao elevado padrão de segurança sanitária que o Brasil ostenta. Ocorre que a contumaz mora administrativa nos processos de inspeção internacional prejudica tanto o complexo econômico da saúde como os consumidores de produtos médicos. Em última análise, a mora administrativa, que diuturnamente tem chegado aos tribunais, prejudica o próprio sistema de vigilância sanitária brasileiro. Para reverter essa situação, é urgente que a ANVISA seja estruturada para atender a crescente demanda por inspeções internacionais.
A ANVISA tem tentado aperfeiçoar seu cronograma de inspeções, na tentativa de aperfeiçoar as viagens dos agentes brasileiros e ganhar eficiência na condução do tema. No entanto, o aperfeiçoamento do cronograma é medida ainda insuficiente, tendo em vista a enorme demanda por inspeções internacionais. Há casos em que os importadores ? e consequentemente os pacientes dependentes do produto importado ? estão há mais de dois anos aguardando a inspeção. Diante de tanta morosidade, é o Poder Judiciário quem tem garantido o direito à saúde, atento à ponderação da segurança sanitária para que esta não obstaculize o acesso a produtos médicos.
A ANVISA parece ter, finalmente, reconhecido a necessidade de rever o conceito, com a recente decisão de iniciar um amplo processo de revisão da RDC nº 25/2009, conforme se observa do Despacho Administrativo n° 80/ANVISA, de 11/09/2012. Espera-se que seja ampla a participação da sociedade, notadamente do setor regulado, para o aperfeiçoamento deste regulamento.
Afinal, seria lamentável que, por falta de estrutura, o excelente sistema de vigilância sanitária brasileiro entre em tamanha contradição ? tão exigente com o setor regulado e tão teimoso em reconhecer que impôs a si mesmo uma obrigação que é incapaz de cumprir. Esse atraso faz mal à saúde.
Impõe a realidade que a autoridade sanitária dê um passo atrás e, enquanto busca obter os meios para promover, ela própria, todas as inspeções internacionais necessárias, crie alternativas para dar vazão a esse gargalo auto-imposto.
Não vai longe o tempo em que a ANVISA aceitava ? para os procedimentos de registro e revalidação de registro de produto ? a apresentação de certificado semelhante, porém por inspeção conduzida pela autoridade sanitária estrangeira onde localizada a fábrica a ser inspecionada.
Essa alternativa, aceita até maio de 2010, poderia ser um caminho razoável para permitir à ANVISA o fôlego necessário à sua própria estruturação, todavia, sem prejuízo aos milhares de pedidos de registro e renovação de registro que ? à mercê da morosidade ? ficam impedidos de prosseguir, e de garantir aos consumidores brasileiros acesso a novos produtos e às mais avançadas tecnologias há muito existentes em outros países.
*Beatriz M.A. Carmargo Kestener é advogada, sócia sênior de Mattos Muriel Kestener Advogados, especialista em Direito Sanitário pela Fundação Oswaldo Cruz ? Fiocruz. Marco Aurélio A. Torronteguy é advogado, associado de Mattos Muriel Kestener Advogados, doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
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