Evolução tecnológica, surgimento de novos procedimentos médicos, crescimento do mercado consumidor de saúde, mudanças no perfil epidemiológico e o envelhecimento da população são alguns dos fatores que tornam o ambiente hospitalar algo extremamente dinâmico e que, constantemente, necessita ser adaptado a novas realidades.

Todos esses fatores que interferem no cotidiano do edifício hospitalar, cuja nova definição é ?Edifício Saúde?, por estar em constante transformação, gera a necessidade de muito planejamento para que uma simples obra não se torne uma permanente dor de cabeça.
Segundo os participantes do debate realizado pela IT Mídia, para evitar a criação de gargalos em decorrência dessas adequações, que podem prejudicar significativamente a operação do hospital, é necessário alinhar as obras ao planejamento estratégico da entidade. Projetos não podem ser elaborados apenas por engenheiros ou arquitetos. O sucesso deles está na realização de forma multidisciplinar, envolvendo todos os players da organização, da diretoria ao posto de enfermagem.

O envolvimento desses profissionais proporcionará uma visão mais clara sobre os objetivos e estratégias do hospital, e auxiliará arquitetos e engenheiros a desenharem um plano diretor que contemple desde as necessidades mais básicas de um edifício de saúde até a possibilidade de acomodar novas tecnologias ainda não disponíveis no mercado, sem a necessidade de obras não previstas no projeto inicial.

O arquiteto e presidente da Bross Consultoria e Arquitetura, João Carlos Bross, explica que analisar as tendências no setor de saúde, como por exemplo, a forma como serão trabalhadas questões como a engenharia genética e diagnóstico por imagem, ajudam o profissional a produzir uma planta do edifício que suporte as futuras demandas da área saúde. ?O edifício saúde está em constante transformação. Porém, o que temos presenciado é uma visão amorfa sobre o que é o prédio. A consequência disso é uma série de puxadinhos que interferem no fluxo do hospital.? 

Para o especialista, enquanto não houver uma visão clara do edifício saúde como embalagem do negócio e o papel dos médicos em contribuir com esse processo, não apenas focados em suas funções dentro do hospital, mas, também, de um todo, sempre haverá algum tipo de problema no planejamento de obras ou formulação de projetos.

Outro desafio atrelado à falta de um plano diretor alinhado ao planejamento estratégico das instituições é a otimização dos espaços já existentes dentro do hospital. Se bem aproveitadas, estas áreas podem contribuir diretamente para o aumento do faturamento da entidade.
No Hospital Santa Paula, situado na capital paulista, a otimização do espaço físico fez com que toda a área administrativa fosse alocada em outra estrutura, fora do complexo hospitalar, para que houvesse mais espaço para a área assistencial e, consequentemente, mais receita. ?Antes tínhamos um Day Hospital com grande volume de pacientes, que faturava cerca de R$300 mil por mês. Hoje, no lugar dele está uma UTI com 12 leitos que fatura cerca de R$1,5 milhão ao mês?, explica o presidente do hospital, George Schahin. 

O projeto de um edifício saúde completo custa cerca de 6% do total empregado na construção de uma nova unidade. Essa pequena parcela do investimento pode ser a responsável por todo o sucesso do empreendimento.

Um hospital funciona 24 horas por dia, durante sete dias por semana. Trabalhar nesse ambiente, mantendo a segurança do paciente, uma vez que 90% das obras na área de saúde são de expansão, é um grande desafio, pois também é necessário saber como serão dadas as condições de manutenção e como será essa dinâmica, para que durante a obra não ocorra interrupção no fluxo de trabalho do edifício.

Começar uma obra sem um planejamento adequado acarretará em custos extras e demora na entrega do projeto. O plano anterior à qualquer execução gera melhor gestão de custos, evita paralisações para eventuais adequações e, o principal, tem participação fundamental para cumprimento dos prazos.

Outro ponto importante na concepção de projetos, e que não é praxe, é considerar a manutenção das edificações nas plantas, para que, com o passar do tempo, ela possa ser executada sem necessidade de, por exemplo, ter de quebrar uma parede para que uma tubulação seja trocada.

O pesadelo dos puxadinhos

Um problema que interfere diretamente no plano diretor do hospital é o interfaceamento, popularmente conhecido como ?puxadinho?. Essas pequenas obras não são causadas apenas pela falta de um plano diretor, mas, também, pela adoção de novas tecnologias não contempladas no planejamento estratégico do hospital. Tais dispositivos são, geralmente, recomendados por profissionais recém chegados de congressos internacionais, vislumbrados pelas inovações apresentadas pela indústria, e que acabam sendo adquiridas.

Para eliminar o problema dos puxadinhos é preciso definir claramente qual é o planejamento estratégico da empresa, e baseado nele, desenvolver o plano diretor da instituição, visando sempre o longo prazo.

De acordo com o presidente da MHA engenharia, Salim Lamha, a flexibilização dos projetos arquitetônico atrelada a soluções modulares  são importantes armas no combate ao ?interfaceamento? dos edifícios, pois os ambientes poderão ser adaptados conforme a estratégia ou realidade do hospital com o passar do tempo. Um exemplo disso são paredes  construídas de forma que possam ser mudadas.

Outro conceito apontado pelo executivo para conter os puxadinhos é a expansibilidade ? conceito que projete as previsões de crescimento ou ampliações do edifício ? contemplada no projeto da instituição. ?A obra mais cara será sempre a provisória, ou seja, o puxadinho. Planejamento é sempre muito importante e a integração entre médico e arquiteto é fundamental para o bom planejamento da obra?, conclui Lamha.

Segurança em jogo

Um dos amigos e causadores do puxadinhos é a incorporação de tecnologias sem qualquer planejamento. Há cerca de dez anos, equipamentos de diagnóstico por imagem, como tomógrafos e ressonâncias magnéticas, realizavam, em média, um exame por hora. Com os avanços tecnológicos, o tempo do exame caiu para dez minutos, aumentando a rotatividade do equipamento e o fluxo de pacientes nos ambientes onde estão alocados.

A dependência desses equipamentos por comunicação e TI também cresceu ao longo dos anos, forçando uma integração entre as áreas e contemplando a infraestrutura de TI, como pontos de rede, cabeamento e bunkers para servidores nos projetos dos hospitais. ?Hoje já se fala em cirurgia robótica feita à distância. Não há como falar de engenharia nos hospitais sem abordar a integração tecnológica entre as áreas?, complementa o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Clínica (Abeclin), Rodolfo More.

Para aumentar a segurança do paciente e minimizar a incidência de erros no interior dos edifícios, além de políticas de segurança seguidas pelas equipes assistenciais, é necessária a criação de barreiras físicas que impeçam a proliferação da infecção hospitalar, e  a melhoria da condição de trabalho nos ambientes. Um exemplo é a otimização da iluminação nos postos de enfermagem, que reduz as chances de troca de medicamentos.

De acordo com o engenheiro clínico e chefe do gabinete do Hospital das Clínicas de São Paulo, Antônio José Rodrigues, todo projeto, independente de ser novo ou antigo, tem o objetivo de eliminar erros. O aprimoramento das plantas, visando à melhoria na manutenção, onde não é necessário interromper o fluxo de pacientes, parar um centro cirúrgico para a troca de filtro de ar condicionado ou fazer uma simples manutenção preventiva  contribui significativamente para a segurança do paciente.

Nesse sentido, duas áreas são fundamentais: a engenharia clínica e a de manutenção, que são facilmente encontradas em grandes centros urbanos.No entanto, em unidades de saúde mais afastadas ou de pequeno porte já não é tão comum encontrar um engenheiro clínico, que é responsável por toda a manutenção de equipamentos do hospital. ?Nos EUA, a cada cem leitos é obrigatória a presença de um engenheiro clínico no hospital. No Brasil, não há essa cultura, e quando se fala em controle de infecção ou segurança do paciente, em quantos equipamentos, fora dos grandes centros, são realizadas manutenção preventiva? Hoje a saúde passa por um momento de larga expansão, e, consequentemente, por
uma falta absurda de mão de obra qualificada?, comenta Rodrigues sobre a presença de engenheiros clínicos nos hospitais brasileiros.

A falta de mão de obra qualificada entre arquitetos e engenheiros é outro risco à segurança do paciente, uma vez que a construção de um puxadinho, futuramente, trará algum tipo de prejuízo ao hospital.

Bross reforça a ideia de Rodrigues e destaca a atenção para a concentração da atenção dos edifícios de saúde nas regiões Sul e Sudeste e a falta de acesso à informação que ocorre em outras regiões do País. Para o presidente da Bross Consultoria, de certa forma, há uma complacência das autoridades sanitárias em aprovar determinados setores do hospital. ?Estes órgão fiscalizadores estão despreocupados em orientar as entidades sobre uma visão do todo, tornando o projeto do hospital uma verdadeira colcha de retalhos.?
 
Profissionais

Uma coisa é certa: dentro da construção desse novo edifício há de ter bom senso e um canal de comunicação entre as partes envolvidas, ou seja, o arquiteto e a equipe médica.

O papel do arquiteto dentro do ambiente hospitalar é fundamental para definir e auxiliar a operação da unidade de saúde. Lamha ilustra isso contando uma história protagonizada pelo arquiteto Cerqueira Cesar que, ao se reunir com médicos e gestores de saúde para a elaboração de um novo projeto hospitalar, sempre levava em seu bolso duas lapiseiras, uma com grafite 6H e outra com grafite 6B.

Durante suas reuniões com os profissionais de saúde, quando um médico pedia sua lapiseira emprestada para fazer um esboço da planta do edifício, o arquiteto lhe emprestava a lapiseira com grafite 6H, que era mais rústica e não servia para escrever ou desenhar em qualquer superfície. Ao tentar desenhar o esboço desejado em uma folha de papel manteiga, o médico, sem saber, rasgava o papel e não conseguia fazer o tal desenho.

Diante daquela situação, Cerqueira Cesar perguntava ao médico quais eram suas ideias e, com a lapiseira correta, fazia o primeiro esboço do que seria o edifício saúde de acordo com as orientações dadas.

A história mostra a necessidade de melhorar o processo de comunicação entre médicos e arquitetos. A integração entre as especialidades médicas, operação, administração, unidades de arquitetura e engenharia clínica são, na verdade, o processo mais adequado para a elaboração de um plano diretor, projeto de adequação, expansão ou a criação de uma nova unidade. ?Precisamos trabalhar, principalmente, dentro desse conceito, pois o edifício saúde é muito mais do que um edifício hospitalar. Precisamos focar na saúde e bem estar do paciente?, enfatiza Ana Paula.

O futuro da arquitetura vai muito além de designs espaciais ou, simplesmente, edifícios verdes. Por ser um elemento urbano de alto impacto para a região onde está, o hospital precisa ser muito bem planejado, buscando minimizar estes impactos e considerando os avanços tecnológicos e o conceito de desospitalização.

Os novos edifícios saúde, além de sustentáveis em relação ao meio ambiente, deverão reduzir os impactos urbanísticos em seu entorno,  e serem, cada vez mais, funcionais e econômicos em relação à sua manutenção. ?Em todo o processo hospitalar, o mais barato é a construção da unidade, enquanto a manutenção do hospital pode ser considerada a mais cara, chegando a custar uma vez e meia o custo da obra anualmente?, observa o diretor de engenharia do Hospital Israelita Albert Einstein, Antonio Carlos Cascão.

Os novos hospitais

Como exemplo sobre a redução dos impactos causados pela construção de uma unidade de saúde, Cascão fala sobre o plano diretor do hospital onde trabalha. Iniciada em 2003, a ampliação da unidade Morumbi do Einstein teve seu plano diretor concluído dois anos mais tarde, e em 2006 foram iniciadas as obras de implantação.

No entanto, construir novas instalações não bastava para atender a demanda, foi preciso pensar em toda a região onde está localizado o hospital, e uma das primeiras medidas foi o redirecionamento do fluxo de veículos das vias principais para vias coletoras, no entorno do hospital. Outro ponto contemplado pelo plano diretor foi a expansão do número de vagas de estacionamento do hospital, considerado um eterno problema por gestores e administradores de todo o País.

Na época, o hospital buscou minimizar o impacto no trânsito da região criando bolsões de estacionamento, chegando a um total de quatro mil vagas. Em função da dificuldade de acesso ao transporte coletivo para seus funcionários, o que fez muitos deles utilizarem carros e, consequentemente, o estacionamento do hospital, a instituição disponibilizou ônibus fretados. O que houve ao longo dessa estruturação foi a acomodação desse tipo de transporte com o objetivo de minimizar ainda mais os impactos ao trânsito local. Criando um pequeno terminal para que estes fretados pudessem embarcar e desembarcar seus passageiros sem risco nem interromper ao transito.

Os hospitais que estão por vir irão priorizar o fluxo do pacientes e colaboradores dentro das edificações minimizando as distancias percorridas e o tempo de permanência. ?O ambiente deverá ser totalmente humanizado, transmitindo tranquilidade, segurança e otimizando recursos como iluminação e circulação de ar dentro do hospital que contribuem significativamente para a melhoria do paciente e reduz o tempo de internação?, completa Cascão.

O terceiro ponto apresentado pelo executivo do Einstein, e que é indiscutível, é a sustentabilidade do edifício saúde. Além de reduzir os impactos ambientais da região também gera uma redução no custo operacional da unidade reduzindo o consumo de água, iluminação, energia e responsabilidade social, no que diz respeito ao fornecedor, como, por exemplo, com o uso de madeira certificada. ?Não é mais possível imaginar um edifico saúde que não obedeça estes princípios.?