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Declínio da aposentadoria em nossas vidas. Refúgio na competência digital

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Quando parar de trabalhar não é mais uma opção

A edição deste ano do Fórum Econômico Mundial (“Davos 2023”), em sua conferência “The Economy of a Super-Ageing Society”, reuniu especialistas e lideranças de vários países para debater a tendência, aparentemente insolúvel, de ‘redução da qualidade de vida pós-aposentadoria’. Um dos pontos de unanimidade entre os participantes foi a quebra do paradigma que desde a primeira revolução industrial conduziu a sociedade: “brincar-estudar-trabalhar-aposentar”. Esse ciclo, quase orgânico, está com os dias contados. “Na maioria dos países, 80% das pessoas com 55 anos não têm nem de perto uma renda que chegue a estimular uma aposentadoria. Nos EUA, por exemplo, 50% das pessoas entre 18 a 29 anos ainda vive com os pais”, explicou Darryl White (CEO Bank of Montreal) na conferência. Durante décadas fomos estimulados pelo Estado, família, sociólogos, publicidade, empresas de seguridade social, imprensa, etc. a pensar na possibilidade de “uma vida futura sem a necessidade de um trabalho profissional  remunerado” (aposentadoria). Fim de linha. Uma criança nascida hoje, provavelmente vai trabalhar até os 90 ou 100 anos, com tudo o que isso tem de bom e de ruim.

Estamos vivendo um tempo em que valeria o famoso verso do poeta Robert Frost (1874-1963): “Em duas palavras posso resumir tudo o que aprendi sobre a vida: ela continua". Esse é o apotegma civilizatório deste século: continuar vivendo de forma produtiva e profissional até o fim. Antes da Covid-19, menos de 4 em cada 10 trabalhadores norte-americanos podia pagar uma despesa inesperada de US$ 1.000, por exemplo. Hoje, esse número ainda é de 40%, e estamos muito longe do fim do desastre econômico causado pela pandemia. Não é diferente no Brasil, e se for, é muito pior. Americanos e brasileiros continuam a viver de “salário em salário”, com um número crescente de endividados, desempregados e a margem do bem-estar. Muitos trabalhadores mais velhos precisam desesperadamente contribuir com economias adicionais (familiares) para qualquer coisa que pareça uma aposentadoria. No Brasil, um fantasma conhecido aumenta a pressão sobre cada sonho de jubilação: a inflação.

Nossa Previdência Social completará este ano 100 anos. São 70 milhões de trabalhadores protegidos, sendo 36,4 milhões de benefícios pagos mensalmente (uma das maiores folhas de pagamento do mundo e a segunda das Américas, ficando atrás apenas dos EUA). A maior parte dos benefícios são pagos aos cerca de 21,8 milhões de aposentados pelo INSS. Nessa encruzilhada, onde o benefício não cobre o custeio, perto de 27% dos aposentados estão endividados no país. Pesquisa realizada pela Anbima e Datafolha mostrou que somente 3% dos aposentados têm Previdência Privada como parte do sustento. O buraco é fundo, as curvas demográficas só ‘engordam’ para os idosos e a ideia de uma aposentadoria desocupacional vai, aos poucos, se decompondo. Também de Frost: “Ao trabalhar fielmente oito horas por dia, você pode eventualmente chegar a se aposentar, e trabalhar dez horas por dia”. Obviamente, todos aqueles que buscam se aposentar por questões de saúde, incapacidade, invalidez, dano mental, etc. não fazem parte desse percurso, não tendo eles outra opção, só nos cabendo orar e lutar politicamente por seus direitos e benefícios, embora muitos idosos nesse perfil continuem no mercado de trabalho produzindo o que lhe é possível.

Também é verdade que hoje muitas pessoas com 70+ discordam totalmente da ideia do “fim da aposentadoria”, chamando esse contexto até de “fakenews”. É um direito legítimo acreditar nas potencialidades dos Sistemas de Seguridade Social do país. Outros, por outro lado, já aprenderam que as pressões sobre a redução de benefícios previdenciários só vão aumentar nos próximos anos. Estes, mesmo constrangidos, se preparam para adiar sua aposentadoria ou completá-la ‘ad aeternum’ com outras formas de rendimento. Quanto mais cedo pensarmos que esse ciclo findou, mais cedo teremos condições de nos preparar para uma vida de “inatividade” produtiva e remunerada.

O fato inexorável, que destruiu o sonho da aposentadoria do Século XX, foi a lógica econômica das curvas demográficas. Até 2030, 1 em cada 6 pessoas no mundo terá mais de 60 anos (1,4 bilhão de indivíduos). Embora todos estejam exultantes com a “melhoria da expectativa de vida”, financiar esses anos adicionais é uma corrosiva missão para a grande maioria dos mortais, principalmente se viverem em nações de baixa e média renda: a OMS prevê que até 2050, 80% dos idosos estarão nesses países.  Em outras palavras, em média, as pessoas embolsaram 20 anos a mais de expectativa de vida desde 1960, ou seja, a sociedade está ganhando quase um dia a mais de vida por semana. Nesse sentido, a realidade socioeconômica previdenciária é dramática:pelo menos 4 bilhões de pessoas em todo o mundo não estão cobertas por qualquer forma de seguridade social e, portanto, são presas fáceis de choques econômicos, sociais e ambientais”. Estudo publicado em janeiro de 2023 pela ORF (Observer Research Fundation) mostra as lacunas mundiais de financiamento da longevidade (mesmo dentro do G20).

Desmond Lee, ministro do Desenvolvimento Nacional de Cingapura, um dos presentes ao debate de Davos/2023, mostrou o esforço que o Estado está fazendo para equacionar o problema (o envelhecendo no país é abissal: quase 1 em cada 5 habitantes tem mais de 65 anos. Será 1 em cada 4 em 2030). Entre os esforços, ele citou a necessidade de alocar “apartamentos de cuidados comunitários” (moradias públicas para idosos com serviços assistenciais). Só em 2021 foram 240 moradias para atender pessoas idosas com baixa ou nenhuma condição de sustento familiar.

É possível pensar numa vida sem o benefício previdenciário da aposentadoria? Não, mas é preciso deslocar o tema para muito além do que hoje contextualizamos. Se em 2050 o número de pessoas com mais de 80 anos será o triplo de hoje, são evidentes algumas conclusões: (1) o ciclo “estudar-trabalhar-aposentar” está se encerrando: vamos ter que estudar e trabalhar até os últimos respiros de vida, sendo o seguro social um meio e não um fim; (2) a ideia de “uma vida, uma profissão” também vai ladeira abaixo: indivíduos hoje, com mais de 25 anos,  terão de se acostumar a duplas ou triplas linhas profissionais, que podem ser exercidas simultaneamente ou em estágios diferentes da vida. O motivo não é só a segurança econômica, mas, acima de tudo, o desaparecimento de inúmeras ‘linhas de trabalho’ que estão sendo substituídas pela inovação/automação. Novas e inéditas funções laborais surgem todos os dias em substituição, mas é necessário preparação; (3) o item (2) alimenta outra realidade: pessoas com 50+ anos voltarão para a Academia, para os bancos universitários, ou pós-graduações, e o farão novamente aos 60 e aos 70, reciclando seus conhecimentos e avançando em direções a novos desafios. A empregabilidade, ou ocupação liberal, terá de ser reciclada e cada 5 anos; (4) a boa notícia é que não existe limite para a imersão digital. Estamos vendo pessoas idosas (com mais de 90 anos), que não sabiam discar um telefone, passando a usar um WhatsApp com boa habilidade. A dimensão digital vai estar cada vez mais na vida de um ancião de 80 anos. Quem não se mantiver atualizado com o ciclo digital, ainda que tenha mais de 80 anos, ou menos de 30, terá grande dificuldade de se manter profissionalmente ativo.

Como explicado na conferência de Davos/2023: “viver mais não é apenas uma conquista a ser comemorada, mas uma oportunidade de melhorar e avançar na forma como a sociedade viveu, trabalhou, estudou e economizou nos últimos 100 anos”. Nessa direção, emerge o conceito de “longevity literacy”. A alfabetização de longevos capacita os indivíduos a viver uma vida saudável, economicamente sustentável, incorporando inclusão digital, sendo apoiado a viver com dignidade e propósito, ao mesmo tempo em que desenvolve resiliência para enfrentar os desafios de um mundo em evolução (“passaremos de Flintstones a Jetsons a cada 7 meses”). A sociedade pode garantir a expectativa de vida, mas o propósito de bem-viver na ancianidade deve começar a ser perseguido na mais tenra idade.

“A adoção e o uso da tecnologia aumentaram tremendamente nos últimos tempos: 44% das pessoas com 50+ anos se sentem agora mais confortáveis ​​com a tecnologia do que antes da pandemia. Esse desejo de se comunicar digitalmente não vai cessar”, explica Dubravka Šuica, vice-presidente para Democracia e Demografia da Comissão Europeia. Adultos mais velhos estão usando mais smartphones, assistentes domésticos (como o Echo, da Amazon), wearables (smartwatches) e tablets. E não são apenas adultos na faixa dos 50 anos que utilizam esses devices, aqueles na faixa dos 60 e 70 anos também estão usando mais. Indivíduos com 70+ tem predileção por tablets, com mais da metade nos EUA (53%) possuindo um (fonte: pesquisa da AARP Research). Essas mudanças levarão a uma maior alocação de capital para soluções tecnológicas para idosos. O mercado nunca amou tantos os “velhinhos” como agora.

Ainda segundo a AARP (Associações dos Aposentados da America), existe uma “substancial tendência de crescimento do trabalho idoso”. Se antes a aposentadoria significava o fim de uma vida profissional, hoje é cada vez mais comum idosos descobrindo como ganhar dinheiro após e além do benefício previdenciário. Até 2024, por exemplo, um em cada quatro trabalhadores terá mais de 55 anos (fonte: Reuters), sendo o dobro do que era em 1994. Quase metade dos novos empregos criados em 2018 foram preenchidos por trabalhadores com 55+, “tornando os longevos a faixa etária com o maior crescimento de emprego nesse ano”.

Muitos empregadores agora procuram ativamente contratar pessoas idosas, levando em considerando alguns de seus atributos, como: (1) Lealdade (estudo do Departamento do Trabalho dos EUA mostrou que trabalhadores mais velhos recém-contratados têm maior probabilidade de permanecer no emprego por longo prazo); (2) Forte ética profissional (quando questionados sobre as vantagens de contratar trabalhadores mais velhos, 70% dos gerentes de RH entrevistados pela AARP citaram essa qualidade); (3) Experiência; (4) Boa atitude: de todas as faixas etárias, trabalhadores com 55+ demonstram os mais altos níveis de engajamento positivo no trabalho, também de acordo com a AARP.

Dentro dessa visão longeva, saltam aos olhos algumas demandas profissionais propicias aos 70+, como: Consultoria; Mentoria (um mentor corporativo com menos de 40 anos é um blefe); Escritor Especialista; Professor de Línguas; Guia Turístico (na Europa, um guia com 70+ ganha em média 14,5 Euros por hora); Tutor; Auxiliar de Cuidados Pessoais; Auxiliar de Saúde Domiciliar; Cuidadores de Crianças; Assistente virtual (realizam tarefas semelhantes aos assistentes administrativos, mas trabalham remotamente); Analisador de Impostos; Memorialista; e todas as demais profissões autônomas, como médico, advogado, engenheiro, etc., que possam manter sua autonomia de saudabilidade, horário e dedicação.

Na realidade, há boas razões para se preocupar com o sistemas de aposentadoria públicos e privados. Com raras exceções, todos são ‘colchas de retalhos’. Os gastos diretos com aposentadoria estão caindo e continuarão a cair nos próximos anos. Se a miserabilidade de vida dos idosos é menor do que há 50 anos, para muitos deles (a maioria) é uma tortura (vamos extrair aquele 1,5% que tem provisões de capital muito além das demandas). Na França, uma legião superior a ‘um milhão de franceses foram as ruas em 2023’ se opondo a nova reforma previdenciária que eleva a idade de aposentadoria de 62 para 64 até 2030. Na Alemanha já subiu para 65,7 anos, ou 67 na Noruega e Islândia. Nessa direção, “qual será a futura idade de aposentadoria em 2060?” perguntou o jornal Business Week. A OCDE estima que a idade de aposentadoria nos países sob sua abrangência aumentará em média 2 anos até meados da década de 2060, sendo que na Dinamarca já se estima 74 anos para homens e mulheres. Na União Europeia, a expectativa é de 66,1 anos para homens e 65,9 anos para mulheres até 2060.

O ‘imaginário da aposentadoria’ já vem mudando há anos. O número de pessoas que trabalham após a idade de jubilação tem crescido consistentemente desde a década de 1990. Nos EUA, por exemplo, 32% das pessoas de 65 a 69 anos trabalhavam em 2017, muito mais do que os 22% que trabalhavam em 1994. No Reino Unido, as taxas de emprego para pessoas com 65+ dobraram entre 1993 e 2018. Um aconselhamento registrado por todos na conferência de Davos/2023: incentive a inovação para idosos, não só criando ferramentas para eles, mas programas de inclusão digital.

Depois que a freira francesa Lucile Randon morreu no último 17/01 (aos 118 anos), a espanhola Maria Branyas Morera, 115 anos, passou a ser a idosa mais velha no mundo, segundo o Guinness World Records (ainda não superou Jeanne Calment, falecida em 1995 aos 122 anos). De acordo com dados das Nações Unidas, havia cerca de 593 mil pessoas com 100 anos ou mais em 2021, contra 353 mil uma década antes. Assim, a perspectiva é que o número de centenários mais do que dobre na próxima década. Se vale ou não a pena viver tanto tempo é outra questão, que depende de cada indivíduo, de suas crenças e condições físicas. Talvez as condições digitais também importem. Aos 115 anos, Morera é uma assídua usuária das redes sociais, que acessa e escreve por meio de um device ‘voice-to-text’. No primeiro dia de 2023, ela twittou: “Na minha idade, um novo ano é uma dádiva, uma humilde comemoração, uma nova aventura, uma bela jornada, um momento de felicidade. Vamos aproveitar a vida juntos”.

Guilherme S. Hummel

Scientific Coordinator Hospitalar Hub

Head Mentor – EMI (eHealth Mentor Institute)