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Error! Healthtechs cada vez mais parecidas com incumbentes

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Recessão e sobrevivência fazem todos parecerem iguais

“A batalha entre uma healthtech e um incumbente se resumia em saber se a startup obterá sucesso antes que o incumbente obtenha a inovação”. Em tempos de recessão, estagflação e inflação de dois dígitos, a batalha inclui não só inovação como também ocupar market share no setor, o que se torna um flagelo para as healthtechs. Com a redução de aportes dos Fundos de Investimento (que migram para os juros de títulos públicos do tesouro), as startups de saúde sofrem do ‘trilema da infância’: (1) não conseguem avançar porque dependem dos fundos (pais), que quando se ocultam a “petizada” sente forte inanição criativa; (2) ficam aprisionadas em modelos que não são os seus, incorporando-os ao seu mindset pela ausência do empreendedorismo-raiz. Ou seja, adotam práticas das empresas tradicionais, as quais sempre lutaram para substituir (é como o adolescente que passa a confrontar o mundo dos pais e quando cresce fica igual a eles); (3) buscam tecnologia todos os dias (“prazer infantil”), mas não conseguem manter pessoas, seu mais importante ativo. Em tempos de juros altos e carestia, healthtechs e incumbentes disputam na Saúde quem é mais igual que o outro nas ofertas de serviços.  

Healthtech é um neologismo que designa startups que utilizam digital health (DH) como motor de ofertas para as Cadeias de Saúde. O que poucas delas sabem é que “digital health é automação dirigida ao paciente, orientada por dados e voltada a criar valor superior”. Nem na definição de DH, nem na significação de Healthtechs consta o termo “tecnologia”. Simplesmente porque ambos os conceitos transcendem a simples existência de uma tecnologia, que é meio e não fim. DH é um instrumento capaz de “automatizar” tarefas, processos e funções cruzando silos de negócios para obter um melhor resultado para o consumidor, ou àquele que serve a ele. Do mesmo modo, DH é dirigida ao paciente porque suas iniciativas devem resolver problemas reais dos usuários de maneira inovadora, simplificada e consistente. Não resolveu, não tem nenhum valor como inovação, sendo tão somente uma “empresa recém-nascida” e não uma healthtech-raiz. É orientada por dados porque a tecnologia só se torna digital quando utiliza a inteligência embutida nos dados. Tecnologia é a ferramenta para extrair virtude dos dados. Finalmente, no conceito de DH, criar valor superior significa conceber práticas, rotinas e padrões que excedam e transcendam o status quo vigente. Se não adicionar valor maior e melhor à jornada do paciente não é healthtech. Chame do que quiser, mas não será uma provedora de digital health práxis. Para ser “DH” é preciso pensar e repensar tudo o tempo todo: aquilo que é melhoria hoje, possivelmente não será amanhã, podendo até ser um transtorno meses depois.

Os conceitos de Healthtech e Digital Health embutem o darwinismo da mudança perene, do ‘continuum inovador’ que busca a evolução da espécie e de seus conceitos e condutas. Isso é muito mais do que “evolução tecnológica”. Como explicou Drucker: “O maior elogio que uma inovação pode receber é haver quem diga: Isso é óbvio! Por que não pensei nisso antes? O que os empreendedores têm em comum não é um determinado tipo de personalidade, mas um compromisso com a prática sistemática da inovação. No fundo, inovação é a mudança de comportamento dos agentes do mercado, sejam eles fornecedores ou consumidores. Se o mercado não se transformou, se as pessoas não mudaram seus hábitos e práticas com o novo, não existiu inovação”.

Quando a startup de saúde nasce e seu líder é um empreendedor-raiz (que Nietzsche chamaria de “disruptor compulsivo”), aquele pragmático disposto a promover obsolescência em tudo que está estabelecido, a startup se autoimpõe uma busca por criar no consumidor um desejo por algo que ele nem sabe ainda por que lutará para obter.  Healthtechs-raiz não vivem no tempo presente, nem no passado, vivem numa estação adiantada a espera do futuro. São ‘caçadores’ de fragilidades das cadeias de saúde, identificando valor onde hoje existe ineficiência. São observadores atentos de comportamentos, tecnologias ou avanços científicos que formam ondas de inovação que chegarão do futuro até nós. São ‘extraterrestres que transportam a mutação dos mercados’. Moram em galáxias afastadas do mundo real, navegam por ‘sistemas solares próprios’ e ainda desconhecidos, mas que podem de uma hora para outra transformar a saudabilidade dos terráqueos (vide Covid-19). Healthtechs-raiz vivem no espaço futuro, tão perigoso e arriscado que não mais de 10% delas sobrevivem por mais de 24 meses. Empreendedores-raiz são lunáticos abençoados, girando feito pião, perdidos, frustrados e quase sempre abandonados a sua própria sorte. Sem falar na legião de “empreendedores-de-ocasião”, aqueles que criam startups simplesmente porque “não gostam de ser assalariados”, ou “não se dão bem em corporações”, ou porque “adoram tecnologia, games, ou cripto-desafios”, ou mesmo aqueles que “foram agraciados por recursos familiares para ter suas próprias asas”. Todos eles têm lugar nesse ‘espaço sideral de almas que perambulam em busca de conquistas’. Muitos fracassam e tentam novamente, e depois novamente, alguns conseguem, mas a maioria claudica.

O incumbente é aquela empresa estabelecida, com muitas décadas de dianteira em market share. São grandes ou médias companhias enraizadas em modelos tradicionais. Têm todos os recursos necessários, mas são lentas na adaptação às mudanças. Possuem amplos parques tecnológicos (em geral desatualizados), recursos humanos especializados e larga experiência na gestão de carteiras. Todavia, são zelosos em introduzir novas ofertas que arrisquem sua zona de conforto e seu mercado cativo. Pelo contrário, até confrontam a inovação com discursos “de medo, ou da catástrofe sistêmica, ou dos imperativos de estabilidade, e até promovem guerrilhas lobistas no Parlamento”. A maioria olha uma healthtech e pensa: “Claro, eles são rápidos e têm um bom produto, mas poderíamos também desenvolvê-lo e provavelmente faríamos melhor do que eles. Mas só porque podemos fazer isso não significa que devamos nos mobilizar nessa direção. Afinal, temos as prioridades do plano trienal e a total segurança de nossas projeções de futuro”. Os mais hábeis e inteligentes incumbentes já descobriram que não tem nada disso e precisam das healthtechs a seu lado para avançar no século XXI. De modo geral, todos (insurgentes e incumbentes) estão corretos, se derem certo, e errados se não obtiverem alguma planície de sucesso, avanço mercadológico e crescimento. Em mercados expansivos, a eterna diferença entre o certo e o errado não flutua em dogmas, mas em resultados tangíveis.

Healthtechs podem concorrer com empresas incumbentes de Serviços de Saúde (médias, grandes, tradicionais e consolidadas), como as Operadoras, Seguradoras, Clínicas, Labs e demais players do setor. Outras podem concorrer diretamente com as tradicionais Provedoras de Serviços de Tecnologia Médica (equipamentos, medical devices, apps, softwares, etc.). O mais comum, entretanto, é a expansão das healthtechs provedoras de soluções assistenciais específicas, com oferta de serviços para nichos com demanda orientada (dietoterapia, doenças crônicas, saúde mental, reabilitação, etc.). A taxa de insucesso de startups no mundo é atualmente de 90%, sendo que 10% dos novos negócios não sobrevivem ao primeiro ano (fonte: Bureau of Labor Statistics EUA). Perto de 34% das healthtechs que falham nos EUA não têm uma modelagem adequada de seu produto ao mercado (ou criam algo que ainda não tem mercado, ou o mercado exige algo que elas não têm qualificação para fornecer).

No mundo todo, incluindo Brasil, uma área de grande crescimento das healthtechs é a chamada Operational Health, que fornece “serviços de saúde a funcionários de grandes empregadoras”. Seu escopo é ajudar a manter controle sobre as despesas com saúde (B2B). Nesse sentido, as ferramentas de digital health passam a ser de fundamental importância, como big data, cloud, teleatendimento, telemonitoramento, gestão de EHRs, robótica, realidade aumentada, IoMT, telediagnóstico, wearables e uma infinidade de aplicações que possam promover a saúde preventiva. Ocorre que Atenção à Saúde (preventiva ou não) requer muito mais do que tecnologia e os incumbentes sabem disso, mas healthtechs, nem sempre. Incumbentes, ainda que sofram baixas e redução de receita na recessão, sobreviverão. São calejadas em crises de custeio e como em nenhum outro país (a exceção da Argentina) são peritos em alta inflacionária e juros em ascensão. Além disso, sua clientela tem poucas opções e estímulos para debandar. Seu maior problema continua a ser as raquíticas operações de “transformação digital”, em geral lentas, supérfluas e inócuas. Como as “noviças” não são tolas, percebem essa lentidão e correm para chegar à frente.

Nesse emaranhado de ofertas, que cresceu sobremaneira na pandemia, incumbentes perdem segurança, perdem negócios para healthtechs e perdem valor de mercado, sendo que algumas perdem até o barco da inovação. Não afundam, mas adernam. Nessa transição caótica, onde empreendedores e stockholders se cruzam lutando por cada consumidor e por cada ideia transformadora, acaba acontecendo como descrito na preciosa canção de Chico Buarque: “...nas travessuras das noites eternas já confundimos tanto as nossas pernas, diz com que pernas eu devo seguir. Se entornaste a nossa sorte pelo chão, meu sangue errou de veia e se perdeu”. Ou seja, boa parte das healthtechs está pensando, agindo e se estruturando com as práticas e modelos dos incumbentes, as mesmas que no começo eles juraram transformar e superar. Até o marketing é igual, as ofertas são similares e os CEOs pensam da mesma maneira...e já não sabem com que pernas devem seguir.

Assim, no B2C, temos cada vez mais healthtechs oferecendo serviços que não podem entregar, com preços que não podem custear, usando tecnologias que não dominam. No B2B, oferecem pacotes tecnológicos que os clientes já têm (em geral são os próprios incumbentes), modelos de negócios que não podem cumprir, assinando contratos que só interessam aos compradores, com alto ‘churn’ para as healthtechs. As relações estavam bem antes de 2020, mas o caixa baixo está fazendo as ‘neófitas’ apelarem para todos os expedientes, muitos deles marca-registrada dos incumbentes. Nessa direção, o marketing projeta healthtechs com atributos-marvel, passando a utilizar standards copiados dos incumbentes, como: “preço-baixo”; “serviços-de-rápida-entrega”; “atendimento-personalizado”; “tecnologia-de-ponta” e vários outros macetes que distanciam as heathtech-de-ocasião das healthtech-raiz, mas que as confundem com os incumbentes. Preço-baixo não é inovação, mas ilusão. Serviços-de-entrega-rápida é uma condição subjetiva (ninguém tem métricas claras sobre o tempo de agendamento e execução de uma consulta, e se tem, o usuário nunca é informado). Atendimento-personalizado sem registros digitais de saúde (EHRs), acessáveis pelo paciente, é um embuste; e Tecnologia-de-ponta é algo tão vago, impreciso e obscuro que só os 1980s podem explicar. Todos esses artifícios, com diferentes nuances e variações, estão por todos os cantos da cadeia nacional de saúde. Eventos, conferências, lives, publicidade midiática, feiras e redes sociais são palco para inúmeras healthtechs se comunicarem com o mercado, surfando nessa nuvem de platitudes. Ainda são em baixo número, mas nos últimos meses cresceu o nível de equalização entre os discursos comerciais de healthtechs e incumbentes, quase sempre enlaçados em promessas que não podem ser cumpridas.

Por que healthtechs fracassam? Por vários motivos, dependendo do país e de seu modelo de empreendimento. Em geral, as falhas se concentram na (a) falta de planejamento; (b) ausência de modelos de negócio resistentes aos solavancos mercadológicos; (c) inconsistências estratégicas de suas ofertas, e, obviamente, (d) pelos problemas de fluxo de caixa. O marketing também é fértil em derrubar empresas novas, principalmente quando exageram suas referências ou atenuam suas insuficiências. Healthtechs também falham pela baixa qualificação técnico-organizacional de seus dirigentes, sendo muito comum no Brasil CEOs de healthtechs sem nenhuma experiência pretérita em qualquer função administrativa. Metade de nossas healthtechs têm menos de 5 anos, empregam quase 10 mil profissionais e atuam em vários âmbitos: cerca de 10% delas na área de Telemedicina; 13% em Marketplace; 17% no setor de Acesso à Informação e 25% em Gestão e EHR (fonte: Distrito Healthtechs). O insucesso está no DNA das startups, a competição sem inovação, não.

Não importa como, o que importa é que healthtechs e incumbentes devem trabalhar em conjunto, ainda que competindo, mas centradas nas transformações que estão chegando. Por exemplo: o ecossistema global de saúde caminha para a tokenização, para o estabelecimento de DAOs (Decentralized Autonomous Organizations) e para operações de compartilhamento de dados em blockchain (Open Health). Quem não entender isso será rapidamente convidado a sair do setor. A tokenização é o processo pelo qual os registros eletrônicos são desidentificados por meio da geração de um 'token’ (registro de um ativo físico, criptografado em meio digital), que anonimiza o paciente. Tudo é código, tudo é rede e tudo será tokenizado na saúde. Dados sensíveis que podem comprometer a identidade do paciente serão substituídos por ‘símbolos únicos de identificação (tokens)’ que criptografam as informações essenciais, protegendo a confidencialidade. Qual tecnologia é capaz dessa mágica? Blockchain. Da mesma forma, deve ser imperativo às healthtechs o aprofundamento nos modelos Web 3.0, como as DAOs, que nada mais são do que “organizações autônomas descentralizadas”, onde as decisões são tomadas de baixo para cima, governadas horizontalmente por comunidades, organizadas em torno de um conjunto específico de regras, aplicadas e controladas por smart contracts. São gerenciadas por seus membros, com decisões tomadas por votação, asseguradas por contratos inteligentes que automatizam as operações.

Todos os coletivos representativos de setores da Cadeia de Saúde (como, por exemplo, Anahp, Unidas, Abramge, Redes Privadas de Saúde, Secretarias de Saúde, etc.), serão transformados em DAOs nos próximos anos. O poder de tomar decisões em segundos, autorizar transações em minutos, rastrear cada membro do blockchain e entregar aos pacientes muito mais assertividade e celeridade fará as DAOs serem consenso no ambiente da saúde pública e privada. A Definitize, por exemplo, é uma DAO, fundada em 2020, com 100% de propriedade de sua comunidade, sendo administrada por seus membros, que utilizam DeFi (finanças descentralizadas em blockchain) para geração de crédito aos associados. Foi concebida para financiar projetos, como crédito ao consumidor, financiamento de dispositivos e instalações profissionais, financiamento de pesquisas, e qualquer outro projeto que a comunidade priorize.

Sem falar que todas as transações em Saúde serão realizadas em criptoativos (não ria!), como NFT (token não fungível). Em 2023, o Brasil terá legislação aprovada sobre o mercado de criptomoedas, sendo que em maio de 2022 o Senado já aprovou o substitutivo ao Projeto de Lei nº 4.401/2021, conciliando vários projetos sobre o tema. O projeto original da Câmara (PL nº 2.303/15), amalgama normas de várias regulações em um só documento (o texto do Senado já foi devolvido à Câmara para votação em plenário). Assim, teremos uma legislação clara e transparente para criptoativos ainda em 2023. Mais do que isso: dificilmente deixaremos de ter até 2024 uma stablecoin, uma criptomoeda gestada e gerenciada pelo Banco Central, sendo a ponte entre o universo cripto e o sistema financeiro tradicional. No universo Web 3.0, com os poderes de descentralização turbinados por 5G e blockchain, a tokenização, DAOs e Open Health serão a pauta de incumbentes e healthtechs, que precisam se alinhar e não se imitar.

Boa parte dos incumbentes já está consciente de que healthtechs podem impactar seus negócios (“enquanto dormem, alguém pode roubar seu tesouro no fundo do quintal”, também escreveu Drucker). Nesse cenário, os tradicionais aprenderam a desenvolver parcerias com startups; ou adquiri-las; ou criar suas próprias incubadoras (alojando e protegendo os “noviços”, enquanto sondam seus avanços). Em geral, incumbentes possuem o financiamento de P&D que qualquer healthtech sonha, mas não possuem a sua paixão. Sim, o saudoso psiquiatra Paulo Gaudêncio explicava: “o medo desencadeia a mudança, mas não a mantém. Quem mantém a mudança é a paixão”. Sem o tesão das noviças, as tradicionais perdem dianteira e podem até perder lugar no excitante palco da Saúde 5.0.

Guilherme S. Hummel
Scientific Coordinator Hospitalar Hub
Head Mentor – EMI (eHealth Mentor Institute)