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Por que ainda é tão limitada a adesão aos aplicativos de saúde?

Article-Por que ainda é tão limitada a adesão aos aplicativos de saúde?

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Nos quatro cantos do planeta, a vida do ser humano tem se alongado, e muito. O Japão é emblemático, mas hoje o clube dos paises longevos é farto. Pessoas na faixa etária entre 45-55 anos são as que mais engrossam as estatísticas demográficas enquanto o número de bebês e jovens declina. O Brasil não está descolado dessa tendência. Pelo contrário, aqui a população envelhece em ritmo acelerado e, até 2050, estaremos entre as seis nações com mais idosos no mundo.

Como queijo e vinho, vida longa e tecnologias que ajudam a manter a saúde em dia parecem ser a combinação perfeita para quem adentra a idade madura, certo? Afinal, basta ter em mãos um dispositivo móvel, como um tablet ou smartphone, fazer uso do dedo indicador e dar um simples toque em um cardápio com muitas opções.

Há aplicativos para mantê-lo longe do pecado da gula, mostrar sem rodeios que você está acima do peso ideal e precisa se exercitar mais, que é hora de beber mais água, tomar um remédio... E o melhor, muitas vezes toda essa preciosa ajuda não custa um único centavo.

A pergunta que vale um milhão - Se hoje em dia é tudo assim tão simples, racional e acessível, então por que, por melhor que seja um app ou wearble  para a manutenção da saúde, a adesão dos usuários que mais precisam dessas tecnologias, pessoas acima dos 50, não é total?

Entre os profissionais da saúde, cientistas e desenvolvedores de aplicativos essa pergunta não pode calar. Mais: a criação dessas ferramentas digitais parece estar muito focada no conceito de utilidade, que se traduz na velha e boa ideia de facilitar a vida do potencial usuário,

Racionais, mas ainda nem tanto - Se o ser humano tomasse decisões unicamente com base no bom senso, não tenho dúvida que o sucesso de um app voltado para a manutenção da saúde teria 100% de sucesso. Mas, definitivamente, a grande maioria dos homo sapiens sapiens não funciona nos estreitos limites do que manda a boa razão.

“Acredito que a tecnologia pode ajudar, e muito, a refletirmos sobre nossa condição física e hábitos de vida, algo fundamental hoje em dia tendo em vista que todos temos a expectativa de uma vida longa”, afirma o cientista Rogério Abreu de Paula, gerente de pesquisa da IBM Research – Brasil.

O problema, destaca Abreu de Paula, é que ainda funcionamos com a lógica reativa, impregnada em nosso comportamento.

“Pagamos por um remédio ou usamos um serviço com a expectativa de ter um resultado imediato. Daqui para a frente, teremos cada vez mais ferramentas digitais para cuidar da saúde, mas o grande desafio, o de entender a fundo as pessoas e oferecer algo que realmente contemple suas necessidades individuais, a tecnologia ainda não conseguiu atender plenamente.”

Olhar bem mais profundo - Para o gerente de pesquisa da IBM Research – Brasil, sem esse olhar mais profundo sobre como o ser humano se comporta e todas as suas complexidades, a adesão a tecnologias como os aplicativos e wearables voltados para a manutenção da saúde continuará limitada.

Compartilhando esta e outras instigantes perspectivas, sem usar do “cientifiquês”, Rogério Abreu de Paula ganhou a atenção de uma plateia lotada no encontro que discutiu a relação atual dos idosos com as novas tecnologias.

O evento foi promovido, em São Paulo, pelo programa Itaú Viver Mais, que desde 2004 oferece aprendizado, entretenimento e atividades físicas e socioculturais a pessoas com mais de 55 anos em várias cidades do país.

Chaves certas para as fechaduras - Diferente dos estereótipos que filmes e a literatura de ficção frequentemente usam para retratar os cientistas -  personagens que usam óculos de lentes grossas e jalecos, e quase sempre passam a maior parte de suas vidas dentro de laboratórios tentando transformar em realidade ideias e fórmulas mirabolantes -, no mundo real, centros de pesquisa de gigantes como IBM, GE, Google e Intel têm voltado toda sua energia para achar as “chaves” que se encaixam perfeitamente em  certas “fechaduras”.

O objetivo dessa empreitada hercúlea é acionar não só na biologia, mas no comportamento humano, o que pode levar a atual civilização a um patamar de qualidade de vida sem precedentes na história.

O cientista Rogério Abreu de Paula integra os esforços desse seleto grupo. Ele é Ph.D em Ciências da Computação pela Universidade do Colorado, com mais de dez anos de experiência na condução de pesquisas qualitativas empíricas.Antes de ingressar na IBM, ele atuou no Centro de Pesquisas da Intel, além de realizar estudos etnográficos voltados para a criação de novas tecnologias para os mercados emergentes.

Os melhores usuários da tecnologia – O cientista Rogerio Abreu de Paula tem um interesse particular no estudo dos valores e práticas das pessoas, a forma como elas desenvolvem suas atividades diárias, incluindo seu comportamento nas redes sociais e nas organizações, por meio e em torno da tecnologia.

Na IBM, sua investigação hoje está centrada na compreensão dos aspectos humanos, nos serviço em larga escala, a fim de desenvolver novos modelos, tecnologias e teorias para moldar e melhorar soluções de negócios sociais.

Não esqueço de uma entrevista concedida, anos atrás à revista Brasileiros, em que Abreu de Paula, então no centro de pesquisas da Intel, relatou a grata surpresa que teve ao visitar uma comunidade indígena no Tocantins. Na época, ele afirmou:

“Para mim foram os melhores usuários de internet que eu já vi. Os índios simplesmente compreenderam desde o início o que a internet podia trazer de benefício para eles. Enquanto os fazendeiros em volta não tinham nenhuma noção do que era a internet e não a usavam, esses índios já se comunicavam com outras tribos, e até com o exterior, fazendo negociações com instituições. Através da internet, conseguiam doação de computadores. De alguma maneira, eles entenderam o valor daquela tecnologia e a incorporaram nos hábitos deles. Foi fascinante”.

Descubra o que motiva o usuário – Para que uma tecnologia remota ajude as pessoas a monitorar sua saúde e, ao mesmo tempo, seja capaz de ganhar escalabilidade, o cientista Abreu de Paula ressalta que é fundamental descobrir o que, de fato, motiva o usuário a introduzir novas rotinas em sua vida, como a de se exercitar.

“Hoje, os aplicativos oferecem uma solução para todos, quando o ideal, frente à necessidades tão diversas e individualizadas, seria oferecer a cada usuário um aplicativo personalizado. Outro aspecto que me parece fundamental é que as tecnologias têm que gerar mais integração entre os usuários”, aposta o cientista da IBM.

Perseguir as respostas para essas e outras questões cruciais é, provavelmente, o único caminho viável para converter os custos mundiais da doença, de proporções astronômicas, da ordem de 6,5 trilhões de dólares, em um ecossistema de novos negócios e condutas proativas de saúde por parte dos indivíduos e da coletividade.

“Muitas pessoas interrompem a medicação assim que se sentem bem. Outras decidem não tomar os remédios que precisam e que têm acesso. A obesidade é uma doença que se alastra por todo o globo. O ambiente de ferramentas digitais para cuidados com a saúde só vai crescer. È preciso ter um olhar maior, perceber a complexidade dessa oferta de serviços que, necessariamente, precisa fazer mais sentido para o usuário, ou seja, ‘desconectá-lo’ da ideia implícita de doença. É fácil de perceber quando esse objetivo não foi alcançado. Ou o usuário não usa tudo o que a ferramenta oferece ou simplesmente passado algum tempo vai em  busca de outra novidade.”

Mais do que focar na organização mais fácil de certas atividades e rotinas, a lição que o cientista Rogério Abreu de Paula compartilha é que as tecnologias móveis com foco na manutenção da saúde precisam despertar a proatividade nos usuários, fazendo-os refletir além de sua condição física, de forma que consigam ver algo mais amplo e significativo ao incorporar em suas vidas diárias um simples aplicativo.

Para entender melhor essa linha de raciocínio, que quebra paradigmas, merece toda a nossa atenção aquele exemplo inspirador dos índios do Tocantins, que não só reconheceram, mas se engajaram às mudanças mais amplas que a internet acenava.

Mais: sabendo um pouco sobre como essas civilizações ancestrais se comportam, com certeza perceberam esse novo horizonte de oportunidades primeiro de forma intuitiva. As utilidades que foram encontrando pelo caminho  foram a consequência.