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Quando joelho, quadril e ombro falam sem parar: “Orthopedics Smart Implants”

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Você está pronto para ser um Cyborg?

“Quem usa óculos, prótese dentária, ou possui qualquer artefato artificial em seu corpo, como um ‘stent cardíaco’, já pode se considerar um “cyborg”, ou está quase lá. Quando baixamos nossas informações em uma máquina, ou incorporamos peças de máquina em nosso corpo, estamos nos tornando cyborgs”.  

Numa fria manhã de fevereiro de 2021, por volta das 8hs, a equipe ortopédica da Cleveland Clinic recebeu uma preocupante mensagem eletrônica de Samantha Ingram, uma de suas ‘pacientes de quadril’. A mensagem, entretanto, não foi escrita por ela, mas por seu “implante de substituição de quadril”. Um sensor acoplado no implante “explicou” que havia uma ‘infecção local’ e passou a fornecer detalhes sobre a localização e o nível de bactérias presente. A enfermeira fez contato com Samantha para trazê-la ao ambulatório, embora ela insistisse que estava bem e que não sentia nada. Naquela mesma tarde, a paciente recebeu uma medicação oral e um pequeno procedimento que trata localmente da infecção, voltando para casa logo depois. O “implante inteligente” havia feito o seu trabalho e Samantha evitou: (1) a dor; (2) o afrouxamento do implante; (3) uma possível cirurgia revisional; e (4) uma avalanche de custos adicionais.

Há duas décadas, cresce um componente revolucionário capaz de reduzir os problemas articulatórios: Orthopedics Smart Implants. A medicina ortopédica começa a entrar rapidamente na utilização de ‘sensores inteligentes incorporados as próteses’. Implantes ortopédicos inteligentes contêm elementos sensoriais que medem parâmetros que são enviados para aplicativos, sendo utilizados para monitoramento médico e proporcionando uma curva de aprendizado para cada terapia. Eles permitem detectar problemas precoces, tratar as articulações proativamente e fornecer cuidados personalizados ao paciente. Lisa Herrick, de Arlington (EUA), por exemplo, tornou-se a primeira texana a ter um "joelho inteligente". O dispositivo foi implantado em maio de 2022, sendo o primeiro smart-knee-implant do mundo (aprovado pela FDA). Os dados coletados pelo sensor (que está dentro de seu corpo) são enviados via Bluetooth e aferem, por exemplo, a amplitude dos movimentos, contagem de passos, velocidade da caminhada e outras métricas de marcha. Ele grava e transmite (wireless) uma ampla gama de informações para uma central de controle, que pode acessar as informações por smartphone, podendo ser acessadas pelo paciente e pelo cirurgião.

Se você traçar a história da humanidade, perceberá que nossa evolução foi mediada pela tecnologia, e sem ela não está realmente claro onde estaríamos. Um exemplo está no joelho humano. A cada ano, mais de 800 mil substituições de joelho são realizadas nos EUA (fonte: Cleveland Clinic). Faça as contas e identifique os custos de manutenção desses implantes e suas correlações ambulatoriais e emergenciais, sem contar o desconforto ortopédico aos pacientes. O que fará a diferença nos próximos anos é o nível de “inteligência” que será incorporado a esses procedimentos. Um implante inteligente pode medir as cargas de esforço, temperatura, movimento, enzimas, níveis de bactérias, pH, partículas, etc., mantendo um eixo de comunicação direto com os cirurgiões. “O joelho falante é uma realidade”, anunciou a empresa Zimmer Biomet, em agosto de 2021 em uma conferência na Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos. A empresa estava apresentando sua nova “extensão de implante de joelho” com um sensor embutido (aprovado pela FDA). Desenvolvido em parceria com a Canary Medical, Inc. (Califórnia), a Zimmer passou a comercializar suas extensões articulatórias de joelho (“Persona IQ”), que podem “aferir de dentro do paciente” vários dados e sinais vitais que hoje só são conhecidos especulativamente, ou por meio de sensores de baixa confiabilidade (wearables).

Mas se um joelho, quadril ou ombro fala, quem está ouvindo? Simples: as equipes médicas, os cirurgiões, os pesquisadores, os próprios pacientes, ou mesmo uma máquina de inteligência artificial capaz de algoritmizar os dados e gerar condicionantes que ajudam o médico e o paciente a conviver com os implantes (carga de peso, por exemplo). “Esse campo ainda é muito incipiente”, diz Jay Pandit, cardiologista e diretor de medicina digital do Scripps Research Translational Institute (San Diego), observando que os médicos simplesmente não têm tempo para analisar os dados brutos que agora chegam de wearables e em breve por meio de sensores implantáveis. Os dados ainda estão longe de serem fáceis de usar, muitas vezes exigindo que o médico tenha um analista dedicado a revisão de dados. “A maioria dos médicos tem apenas sete a 10 minutos para se encontrar com o paciente, revisar seus registros e elaborar um plano de cuidados, não tendo, portanto, tempo para analisar resmas de dados brutos”, acrescentou. "Passar de 'tenho dados sobre um paciente' para 'posso fazer um diagnóstico para ele’ ou 'posso dizer o que ele precisa fazer de forma diferente', leva tempo", explica Matthew Hepinstall, professor associado de cirurgia ortopédica da Grossman School of Medicine da Universidade de Nova York. Nesse sentido, só faz sentido falar em implantes inteligentes se eles forem interconectados a plataformas de machine learning capazes de transformar registros pontuais em poder de decisão. O estudoSignificant capabilities of SMART sensor technology and their applications for Industry 4.0 in trauma and orthopaedics”, publicado em 2022 por pesquisadores britânicos e indianos, mostra o colossal poder que as máquinas da IA vão adicionar a indústria de dispositivos para Trauma e Ortopedia (“uso desses implantes inaugurará uma nova era no campo da ortopedia”, explica o estudo).

“Um cyborg nasce quando crescem os problemas articulatórios do indivíduo”. Os números relativos aos problemas vertebrais, por exemplo, mostram o significado desse aforismo. Mais de 600 mil cirurgias anuais de ‘fusão espinhal’ são realizadas nos EUA (cerca de 1,5 milhão em todo o mundo) objetivando cuidar da degeneração discal. Trata-se de um procedimento invasivo caro, que quando funciona pode ser libertador para os pacientes (que sofrem com dor crônica), mas quando não funciona é um “filme de terror”. Ainda existe uma taxa alta de “não-união” (quando as vértebras não se fundem), estimada entre 10-40%. Quando a fusão falha, é frustrante para o cirurgião, mas é devastador para o paciente que muitas vezes é levado à “terra de ninguém” dos opioides. Em muitos casos é necessária outra cirurgia, e, às vezes, outra. Existem cerca de 500 implantes diferentes para uso em fusão espinhal (aprovados pelas Agencias), com avanços surpreendentes em materiais e design, mas que não reduzem as altas taxas de “não-união” em casos complexos. Atualmente, as taxas de sobrevivência dos implantes são de 89% após 15 anos, mas caem para 58% após 25 anos (fonte: Sodhi & Mont, Lancet 2019). Portanto, para o paciente mais jovem é crucial melhorar a vida útil do implante. Dados de implantes inteligentes vão ajudar a reduzir o problema, como já vem ajudando na ATQ - Artroplastia Total do Quadril.

A osteoartrite de quadril é uma das patologias musculoesqueléticas mais comuns entre as pessoas da meia-idade à velhice. Como no caso do joelho, os avanços nas técnicas permitiram substituições completas dessas articulações (ATQ). No entanto, todas as superfícies de atrito em implantes ortopédicos sofrem desgaste devido a carga, limitando a vida útil do dispositivo. Os smart implants, que além de sua função mecânica podem fornecer dados diagnósticos e parâmetros terapêuticos, têm o potencial de mitigar a infecção periprotética, um problema crescente na prática ortopédica. “O posicionamento inadequado do implante, onde as forças sobre ele não são equilibradas, pode levar ao desgaste prematuro e à necessidade de procedimentos de revisão complexos e caros. A integração de sensores nos revestimentos durante a cirurgia fornece feedback em tempo real para facilitar o equilíbrio dos tecidos moles e a colocação do implante, prolongando potencialmente a sua longevidade”, explica o ortopedista Vikas Khanduja do Cambridge University Hospital. Assim que a posição ideal for definida, o cirurgião remove os revestimentos incorporados ao sensor e os encaixa no revestimento final. O Verasense (da OrthoSensor), por exemplo, já é um dispositivo-sensor conhecido e usado na artroplastia total do joelho, fornecendo dados (wireless) para um monitor intraoperatório que permite aos cirurgiões tomar decisões sobre a posição adequada do implante. Uma vez que o implante de joelho é posicionado, o cirurgião coloca o Verasense na bandeja tibial e examina os valores de carga mediolateral. Com esses dados, e em tempo real, o cirurgião faz os ajustes para se chegar a um implante mais bem acomodado.

Parafusar implantes? A Wenzel Spine, por exemplo, anunciou em julho de 2022 o primeiro procedimento de fusão espinhal (sem anestesia geral) usando o implante intercorporal VariLift. O device é o único dispositivo de fusão intersomática lombar autônomo (aprovado pela FDA) que pode ser implantado sem a necessidade de fixação suplementar, como pararafusos pediculares. O dispositivo expansível oferece uma alternativa para pacientes que sofrem de espondilolistese sintomática (grau 1), uma doença degenerativa do disco. É veloz a introdução das plataformas de IA na cirurgia ortopédica. Em junho de 2022, a Red Point Medical 3D recebeu autorização da FDA para comercializar “guias de corte ósseo específicos” para uso em cirurgias reconstrutivas do e tornozelo, como correção de joanetes. O sistema de guia cirúrgico utiliza software de inteligência artificial proprietário para converter dados derivados de uma tomografia computadorizada (do pé ou tornozelo) em um modelo 3D, que é manipulado para se assemelhar a correção desejada pelo cirurgião. Em seguida, o sistema oferece a ele a oportunidade de ensaiar a cirurgia em um modelo impresso em 3D, fornecendo um guia de corte cirúrgico personalizado, impresso em 3D e voltado às cirúrgicas complexas.

A chamada ortopedia digital engloba impressão 3D, cirurgia robótica, inteligência artificial, realidade virtual, realidade aumentada, wearables e telehealth. O Centro Médico da Universidade de Saarland (Alemanha), por exemplo, está desenvolvendo implantes inteligentes que podem monitorar a cicatrização de fraturas e ajudar a corrigir o rolamento incorreto de peso, sem nenhuma ação necessária do médico ou do paciente. O objetivo é ter implantes que possam detectar e responder ao suporte de peso incorreto em um osso fraturado. Se há muito peso alocado na fratura, o implante endurece, aliviando a tensão no osso. Por outro lado, se o paciente for muito sedentário, o implante muda de forma e se torna mais flexível, aumentando a pressão sobre o osso. O implante pode ser monitorado por smartphone, sendo removido quando a cicatrização estiver completa. Os pesquisadores usam aprendizado de máquina para distinguir entre os comportamentos que promovem a cura e aqueles que resultam em complicações.

Da mesma forma, pesquisadores da University of Pittsburgh estão criando implantes de ‘metamateriais inteligentes’ impressos em 3D, “específicos de cada paciente”, que operam como sensores para monitorar a cicatrização da coluna vertebral. O material é projetado de tal forma que, sob pressão, ocorre a eletrificação entre suas microcamadas condutoras e dielétricas, criando uma carga elétrica que transmite informações sobre a condição da matriz. Cirurgiões já usam uma “gaiola” para fornecer suporte onde o disco estava (entre as vértebras), mas e se essas gaiolas pudessem apoiar a cura da coluna? A pesquisa “Patient-Specific Self-Powered Metamaterial Implants for Detecting Bone Healing Progress” dá pistas do que vem pela frente.

Mas como será a substituição total de uma articulação em 10 anos? Jason Weisstein, MD, da Cleveland Clinic, opina: “Com o ritmo acelerado dos avanços tecnológicos, a substituição da articulação assistirá a crescente introdução de implantes inteligentes, capazes de monitorar o ambiente celular em busca de infecção ou sinais precoces de afrouxamento. A substituição da articulação também continuará a evoluir com melhor controle da dor e maior utilização de protocolos de cirurgia ambulatorial”.Christopher Baker, MD, do Florida Orthopaedic Institute, vai mais longe: “embora mais de 90% das pessoas que receberam uma substituição total da articulação, como do ombro ou artroplastia reversa do ombro, tenham uma redução significativa da dor, continuamos nos esforçando para recriar a anatomia, bem como preservar o osso nativo melhorando continuamente o design dos implantes. Pacientes com osteoartrite glenoumeral, por exemplo, estão sendo identificados em idades mais jovens e não estão dispostos a reduzir suas atividades laborais e de lazer após o fracasso das intervenções conservadoras. Esses pacientes estão recorrendo a procedimentos de preservação articular, que recriam a forma nativa da articulação e removem o mínimo de osso, como o Anika’s OVOMotion” (acompanhe no vídeo). O estudo “Sensors and digital medicine in orthopaedic surgery”, publicado em 2022, mostra como o uso de sensores para infecção estão rapidamente ocupando espaço nos centros cirúrgicos, já sendo comum o uso deles para medições intraoperatórias em artroplastia total da articulação. Sem bateria, sem fio, fixados ao osso durante cirurgias ortopédicas, podem ser monitorados à distância.  

Em 1974, fomos surpreendidos por uma série televisiva norte-americana chamada “Cyborg: The Six Million Dollar Man”, interpretada pelo ator Lee Majors. No Brasil, também se chamou “O Homem Biônico”, e era baseada no livro “Cyborg” de Martin Caidin (1972). Na série, passamos a ter informações sobre várias “tecnologias ficcionais”, como “olho biônico” (uma lente com zoom que ampliava a visão em 20 vezes); “pernas biônicas”, que permitiam correr a 90 km/hora, e até um “braço biônico”. O protagonista apresentava condições de sobrevivência superiores aos indivíduos normais devido a proteção que as tecnologias proporcionavam. O livro (muito melhor que a série) enaltecia o pós-humano, o que hoje chamamos de 'transhuman', ou ‘human 2.0’. Sensores inseridos nos implantes serão cada vez mais inteligentes. Poderão nos avisar se estamos demasiados sedentários (o Persona IQ já faz isso), se esquecemos de ver os dados atualizados de nossa prótese (ou se o médico não os está conferindo), se o consumo de álcool ou açúcar está prejudicando nossa articulação, etc. Nos anos 70, achávamos que o ‘cyborg de seis milhões de dólares’ era uma estultice, um delírio ficcional, uma brincadeira para ganhar audiência... que bobinhos ingênuos éramos nós.

Guilherme S. Hummel
Scientific Coordinator Hospitalar Hub
Head Mentor – EMI (eHealth Mentor Institute)