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Alta hospitalar antes do meio-dia

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Uma prática já desromantizada no exterior e que o Brasil segue adotando como revolucionária.

Quando comecei a participar dos eventos da Society of Hospital Medicine, há quase duas décadas, o tema "alta antes do meio-dia" era bastante discutido. A sigla DCBN (de Discharge Before Noon) estava em voga.

É curioso observar como certas tendências evoluem. Essa discussão já esfriou consideravelmente por lá. Mesmo em alguns hospitais brasileiros mais avançados em qualidade e gestão de processos assistenciais, a ênfase cega na alta antes do meio-dia já passou. Hoje, é uma questão menor nas iniciativas de otimização de giro de leitos.

Conheço inclusive uma organização que adotou essa meta de forma exemplar – praticamente todas as altas hospitalares eram realizadas até as 9h da manhã. Perceberam então que não conseguiam preparar todos aqueles leitos de uma vez.

Entre redimensionar e reorganizar o pessoal da limpeza/montagem de leitos e permitir uma distribuição mais espalhada das saídas e entradas dos pacientes na enfermaria, começaram a valorizar o caminho do meio.

Entre viabilizar a transferência em bloco segura de pacientes da emergência e permitir uma distribuição mais espalhada das saídas e entradas de pacientes na enfermaria, ajudando a própria organização do trabalho nas duas pontas, constataram que não se tratava de uma simples escolha entre passado e futuro, ou ineficiência versus plena funcionalidade. Ambos os caminhos tinham vantagens e desvantagens.

A alta hospitalar antes do meio-dia foi inicialmente concebida como uma solução para a superlotação das emergências, problema que está associado a piores desfechos clínicos, aumento do tempo de permanência hospitalar e experiência negativa tanto para pacientes quanto para profissionais.

Passou a ser uma métrica frequentemente empregada para otimizar o fluxo, garantir a rotatividade eficiente dos leitos e melhorar a capacidade de admissão de novos pacientes. Em teoria, parece fantástica - uma medida extremamente lógica onde libera-se leitos bem cedo no dia, permitindo que novas admissões sejam realizadas logo a seguir, favorecendo eficiência operacional e atenuando os problemas acima.

Embora alguns estudos exploratórios apoiem uma associação negativa entre alta cedo no dia e sobrecarga das emergências ou tempos de permanência hospitalar elevados, evidências mais robustas sobre o emprego da alta precoce como intervenção não têm empolgado. Como é típico da vida real, a questão é mais complexa do que aparenta.

Alguns pontos críticos:

  • Muitos requisitos para a alta hospitalar segura estão fora do controle médico. Uma atenção insuficiente aos gargalos a jusante da alta médica (não infrequentemente os verdadeiros impulsionadores de alta taxa de permanência), geram pressões descabidas ou desnecessárias sobre os hospitalistas;  
  • Adotar cegamente a meta pode levar os médicos a adiar altas que ocorreriam à tarde para o dia seguinte pela manhã, o que pode ter custos operacionais e clínicos;
  • Nem sempre a alta antes do meio-dia reflete as necessidades clínicas do paciente. Forçar essa prática pode resultar em decisões apressadas e mal planejadas, aumentando, por exemplo, o risco de readmissões.

O primeiro ensaio clínico randomizado multicêntrico que buscou isolar o efeito da alta precoce não resultou em melhores desfechos. De fevereiro a julho de 2021, 4.437 pacientes foram internados em 60 equipes de medicina hospitalar. Nenhuma diferença significativa foi observada no horário da derradeira saída dos pacientes do hospital e no tempo de permanência hospitalar. Mas não pensem que uma controversa surge com ele. Já em 2015, DCBN foi tratada por Shine como “lenda urbana”.

O que se fala no exterior sobre alta hospitalar antes do meio-dia?

Muito pouco. Pode até continuar sendo um norte a ser pactuado com os gestores hospitalares, mas não deve jamais carregar dogmatismo ou desviar atenção de medidas realmente consagradas na literatura contemporânea para otimização de fluxo nos hospitais.

Em perspectiva mais ampla, cabe reconhecer que nenhuma intervenção isolada será mágica num processo tão complexo e multifacetado como o fluxo de pacientes. Na verdade, o Institute for Healthcare Improvement, no seu documento técnico de 2020 Achieving Hospital-Wide Patient Flow, aponta que otimizar fluxo hospitalar “requer uma apreciação do hospital como um sistema complexo de processos interligados e interdependentes”.

Recomendam, então, uma abordagem multifacetada amparada em ciência da melhoria, como tal em aprendizagem e adaptação locais. Os prestadores de cuidados devem concentrar-se em dar alta aos pacientes quando clinicamente indicados, enquanto as lideranças hospitalares devem criar processos e prover recursos para que as metas operacionais sejam atingidas sem comprometer a qualidade do cuidado e a segurança do paciente.