Vivemos uma nova revolução social de grandes proporções. Tão relevante que foi capaz de dar nome ao novo Papa Leão XIV, que inspirado em Leão XIII e as transformações da revolução industrial, identificou atualmente um desafio similar: a revolução da informação e do uso da Inteligência Artificial (IA). No entanto, teria o uso da IA a tão esperada e necessária resposta para os terríveis problemas que enfrentamos no sistema de saúde?

Sob toda e qualquer perspectiva, há um consenso de que o custo crescente do sistema de saúde é o maior desafio a ser enfrentado. E eliminar os desperdícios associados ao cuidado é uma das grandes oportunidades de ganho de eficiência e eficácia, incluindo suporte à tomada de decisão oferecido pela IA.

Nesse contexto, a redução de erros em diagnósticos e testes desnecessários, os modelos preditivos de cuidado e a redução de riscos, as reinternações, os planos de cuidado otimizados, a necessidade de reduzir fraudes e usos abusivos de recursos, de eliminar tarefas administrativas… Representam apenas algumas das atividades que já são realidade na prática médica usando IA.

O Center for Medicare & Medicaid Services (CMS), dos EUA, usando um sistema de prevenção de fraude com IA, analisa milhões de cobranças por dia pelo sistema e identifica aquelas consideradas anormais. Só em 2024, isso foi ordem de 31 bilhões de dólares ou 7,6% do total dos valores cobrados. Em apenas uma ação específica sobre um esquema de fraude no uso de catéteres urinários, o CMS evitou o pagamento de 4,2 bilhões em cobranças irregulares.

No apoio ao diagnóstico há ferramentas de IA que analisam imagens e identificam condições críticas como hemorragias cerebrais, suspeita de câncer, embolia pulmonar, AVC e fraturas vertebrais, salvando inúmeras vidas. Chatbots que interagem como assistentes virtuais e orientam pacientes através de um sistema de triagem antes da ida ao médico ou à emergência são também populares.

Há também um lado perturbador no uso da IA. Estudo publicado na Harvard Business Review (HBR), de abril deste ano, por Marc Zao-Sanders, relata que 31% dos usuários de IA a utilizam como forma de companhia ou psicoterapia, duas condições distintas, mas conexas no uso. Pessoas comuns, como eu ou você, buscam apoio psíquico e alguém para conversar nas telas de computador ou celular. E esse alguém não é humano.

Sim, claro que há lugares onde o acesso a cuidados de saúde mental é quase inexistente pela absoluta falta de disponibilidade de profissionais. E o uso da IA é uma resposta sensata. E há também condições, nas quais os relacionamentos humanos se tornam cada vez mais complicados e, portanto, em nossa incessante busca por conexões emocionais, apoio e suporte social, acreditamos que é possível encontrar mais empatia nas máquinas e nos algoritmos. Nossos recursos técnicos crescem de forma exponencial, mas nossas necessidades de relacionamentos, pertencimento e empatia continuam as mesmas.

Usando “processamento de linguagem natural” (NLP) e interações personalizadas, IAs aprendem as preferências e hábitos dos usuários, iniciando conversações, fazendo perguntas e dando respostas ajustadas para cada personalidade, mimetizando uma interação humana natural que fortalece laços e relacionamentos que, nesse caso, são como um companheiro virtual.

Edgar Schein foi um dos mais importantes estudiosos da cultura organizacional (e quem cunhou esse mesmo termo). A empatia ocupava um papel central em seu método de trabalho. Em seus últimos livros, “Ajuda, a Relação Essencial” e “Liderança sem Ego” (Helping e Humble Leadership, em inglês), a comunicação empática era decisiva no desenvolvimento da liderança efetiva. Ela envolvia coisas simples, como expressar curiosidade genuína sobre as condições de cada um, evitar pressupostos e enxergar os problemas através da perspectiva do outro. Era simplesmente fazer perguntas humildes, abertas, inocentes, assumindo que efetivamente não sabemos a resposta, mas que poderemos ir juntos em busca de uma. Perguntas que fortaleçam os relacionamentos e criem condições para a comunicação aberta, a adaptabilidade, os propósitos comuns e colaboração.

Durante muitos anos a pergunta “O que é importante para você?” era rotineiramente feita a todos os nossos pacientes. Muitas das respostas eram superficiais ou refletiam apenas a simplicidade das pessoas: “ficar bom”, “ser bem cuidado” ou “voltar a ter saúde”. Outras respostas eram capazes de estabelecer uma interação genuína de forma imediata: “poder cuidar do meu marido que também está doente”; “ir ao casamento da minha filha no ano que vem”; “não ser um fardo para meu filho”. Respostas como essas estimulavam a interação e novas perguntas como “me explique melhor?” ou “que cuidados seu marido precisa?”.

Perguntas abertas são formas de aprofundar os relacionamentos, reduzir o medo e a ansiedade diante do desconhecido, demonstrar empatia e buscar um propósito comum. Lembro de uma paciente com câncer avançado de ovário, cujo sonho era ver o neto nascer dali a sete meses – o tempo provável da duração do seu tratamento, caso fosse bem-sucedido. E foi. Seu propósito claro a ajudou a fazer escolhas melhores durante o tratamento e a tomar decisões mais equilibradas. E o nascimento virou batizado, depois escolinha e somente após vários anos de muitos tratamentos e alguns netos a mais o cansaço tomou conta. Ao final, ela deixou claro que foram aqueles propósitos temporários, os “tiros de curta distância” que deram a motivação e a energia para continuar.

Fazer perguntas abertas e genuínas são a maneira mais simples e fácil de buscar objetivos comuns e alinhamento, seja no nosso trabalho ou nos nossos relacionamentos. É também a estratégia central para melhorar a qualidade de um sistema, além de desenvolver confiança mútua e a segurança psicológica, dois alicerces da cultura da qualidade.

Quando olhamos de volta para a atual realidade, estudos revelam que 59% das queixas mais frequentes de pacientes em hospitais envolvem problemas de relacionamentos, 39% delas dirigidas a pessoas específicas. Dessas, 68% por falta de empatia (Hill e Pronovost, 2022, U.S. News & World Report).

Há dez anos Atul Gawande, médico e autor do bestseller “Checklist Manifesto”, afirmou que “a incrível melhora na qualidade do sistema de saúde se deve aos profissionais e não à tecnologia”.

Hoje, “as coisas novas” diante de nós – a revolução da informação e a inteligência artificial – nos desafiam a reaprender a fazer perguntas genuínas, reencontrar nossa empatia e nossa curiosidade, as características humanas responsáveis pela incrível melhora da qualidade do sistema de saúde no passado.