faz parte da divisão Informa Markets da Informa PLC

Este site é operado por uma empresa ou empresas de propriedade da Informa PLC e todos os direitos autorais residem com eles. A sede da Informa PLC é 5 Howick Place, Londres SW1P 1WG. Registrado na Inglaterra e no País de Gales. Número 8860726.

Aceleradoras atraem cada vez mais startups de saúde

Article-Aceleradoras atraem cada vez mais startups de saúde

startups-pitch-jovens_127977053
Ao oferecer mentoria, apoio e dinheiro, aceleradoras atraem cada vez mais startups para desbravar uma área repleta de regulamentações e barreiras

Em 2009, o paranaense Dimas Francisco Silva Junior decidiu transformar uma ideia em negócio. Formado em engenharia e arquitetura de software, ele desenvolveu uma plataforma para facilitar o acesso a resultados de exames e laudos de laboratórios. “Queria criar uma experiência focada no paciente, onde ele pudesse ter acesso a todos os seus dados”, diz ele, 29 anos. “Pensamos também em uma ferramenta para compartilhar os exames e interagir com médicos em tempo real. Com ela, é possível evitar muitos retornos desnecessários, livrando a agenda tanto de médicos como de pacientes”.

Assim surgia a MedCloud. Em meados do ano passado, a empresa já atuava em dez estados do País e ensaiava expandir os negócios internacionalmente. Porém, sem grandes contatos no exterior, a tarefa não era das mais fáceis. “Foi nesse momento que começamos a buscar opções para nos ajudar”, diz Junior, que encontrou a solução ao entrar para o time da americana Startup Health, uma das maiores aceleradoras do mundo focadas apenas em empresas de saúde.

Durante três anos, a equipe da MedCloud terá reuniões semanais online com um time de Nova York sobre todos os aspectos do negócio. A cada seis meses, a empresa viaja para encontros presenciais com outras participantes do

Startup Health e grupos de investidores selecionados.

Ao longo do processo, a startup receberá 250 mil dólares em investimentos, com a possibilidade de dobrar essa quantia dependendo de seu desempenho. Em troca, ganha a aceleradora como sócia, que fica com até 10% de participação no negócio.

Após alguns meses participando do processo, os resultados começaram a aparecer. “A Startup Health nos ajudou a mudar a nossa abordagem. Antes, apresentávamos a empresa como uma solução para reduzir custos. Hoje, focamos no relacionamento e fidelização de usuários que a plataforma traz”, diz o empreendedor, que já começou a operar a MedCloud também no Uruguai, Índia e Estados Unidos.

Esse modelo de aceleradoras focadas em único tema ainda não é muito popular no Brasil, mas vem ganhando força lá fora especialmente no setor de saúde. Uma pesquisa divulgada em agosto do ano passado pela California HealthCare Foundation (CHCF), entidade americana que apoia iniciativas para promover a qualidade de atendimento médico, mostra esse crescimento.

Em 2012, havia menos de 30 aceleradoras dedicadas exclusivamente ao setor de saúde no mundo. Já em 2014 foram mapeadas 115 dessas instituições, sendo 87 delas apenas nos Estados Unidos. Uma das melhores explicações

para o fenômeno, segundo o próprio CHCF, é o fato de que as aceleradoras convencionais simplesmente não conseguem atender às necessidades de uma área tão regulamentada e específica.

Modelo consolidado

Organizações bastante conhecidas no meio empreendedor, as aceleradoras são parte da engrenagem que move o ecossistema de lugares como o Vale do Silício, na Califórnia (EUA). Sua função, como o próprio nome diz, é acelerar o desenvolvimento de uma ideia, ou pequeno negócio, por meio de programas intensos de mentoria

que duram semanas ou meses. Ao final, a empresa geralmente participa de uma apresentação para investidores, o demo-day.

Muitas aceleradoras fornecem também um espaço de trabalho compartilhado e, em troca de uma pequena porcentagem do negócio, investem dinheiro e se tornam sócias da ideia. Apelidada pela imprensa americana de “máquina de startups”, a YCombinator é uma das que melhor aplicou esse modelo. Das mais de 500 empresas que acelerou, 37 foram vendidas ou avaliadas em mais de 40 milhões de dólares.

Entre seus cases estão gigantes como o Airbnb, plataforma para anúncio e reserva de acomodações, e o serviço de hospedagem na nuvem Dropbox. Claramente, a fórmula tem sido um sucesso para muitas startups de serviços digitais.

Stoakes_aceleradora Foto: brandisty.com/startuphealth

No entanto, ela parece precisar de alguns ajustes quando se fala em saúde. “As aceleradoras de tempo mais curto não se mostravam muito eficientes em fazer startups de saúde crescer”, diz o co-fundador e CEO da Startup Health, Unity Stoakes. “A realidade é que todos os prazos do setor de saúde são diferentes.

Pode levar de 10 a 18 meses só para marcar uma reunião com alguém, sem contar todas as questões de regulamentação”, afirma. Parte da primeira leva de empreendedores digitais, Stoakes fundou duas empresas no final da década de 90.

Em meados de 2005, decidiu investir em saúde, um setor ainda pouco explorado, mas acabou esbarrando em tantas burocracias que, em 2011, fundou a Startup Health para ajudar outros empreendedores. Nesse meio tempo,

reuniu mais de 100 empresas de 11 países que, no total, arrecadaram mais de 190 milhões de dólares em investimentos. “Estamos vivendo um boom do chamado digital health. Hoje, rastreamos mais de 7500 startups de saúde no mundo”, diz Stoakes.

O crescimento é resultado de uma combinação de fatores. Primeiro, questões como o envelhecimento da população e o aumento da obesidade geraram uma demanda por novas soluções. Aliado a isso está o barateamento de diversas

tecnologias, de pulseiras com sensores de batimento cardíaco a testes genéticos feitos em casa, que auxiliam a captura de dados e permitem o desenvolvimento de novos produtos. Nos Estados Unidos, a aprovação do Affordable Care Act (ACA), reforma no sistema de saúde conhecida como Obamacare, também mudou o mercado obrigando diversas empresas a se readaptar.

“Por fim, mais médicos perceberam que é possível empreender”, diz Stoakes. “O resultado é um ecossistema vibrante de novas ideias”. De olho nesse potencial, os investidores passaram a apostar na área. Segundo relatórios do

mercado americano divulgados pela consultoria Accenture, os aportes em startups na área de digital healthcare devem quase dobrar em três anos, passando de 3.5 bilhões em 2014 para 6.5 bilhões em 2017 (gráfico ao lado). No Brasil, embora bem mais tímidos, os dados do setor são promissores. Segundo uma pesquisa realizada pela Fundacity, o País representa mais de 32% dos investimentos feitos por aceleradoras e incubadoras da América Latina. O estudo Latam Accelerator Report 2014 mostra que 54% das aceleradoras da região pretendem investir em saúde nos próximos 12 meses. Uma delas é a Berrini Ventures, primeira aceleradora de saúde do Brasil.

Realidade brasileira

Fundada há poucos meses, a Berrini é um braço dentro do grupo Live Healthcare Media, que publica a revista Saúde Business. Seu foco é amparar empresas no estágio conhecido como go-to-market, quando estão mais estruturadas e prontas para comercializarem produtos ou serviços.

aceleradora-grafico

Em sua primeira rodada, a aceleradora selecionou oito entre 100 inscritas. Embora três delas já possuam faturamento superior a 1 milhão de reais, o início do processo envolve eventos para tirar dúvidas e ensinar conceitos básicos de empreendedorismo. Em uma próxima etapa, a Berrini Ventures ajuda os times a selecionar os melhores mentores dentro de seu time de contatos.

“Cada empresa terá também como mentor um dos sócios do grupo Live Healthcare Media”, conta o CFO da Berrini Ventures, Rafael Campos. Embora não invista dinheiro nas startups, a Berrini Ventures fornece o equivalente a 150 mil reais em mídia dentro dos veículos do grupo, além de divulgação em estandes dentro do Hospital Innovation Show, trade show de tecnologia e inovação focado na área hospitalar (28 e 29 de setembro deste ano).

Em troca, fica com uma fatia que varia entre 5% e 15% de cada startup. “A possibilidade de fazer contatos foi

um dos principais motivos para nos inscrevermos”, diz o mineiro Lucas Lacerda, 23 anos, co-fundador da Vitta, uma das selecionadas para a primeira rodada da Berrini.

Recém-formado em administração, Lacerda criou uma espécie de páginas amarelas online para médicos. A ideia é dar destaque para os profissionais em um dos ambientes mais frequentados por pacientes – o Google. No ar há dez meses, o site da Vitta é apenas parte de um plano maior de atuação. “Estamos desenvolvendo um sistema de gestão de consultórios integrado a uma ferramenta online de agendamento de consultas”.

A novidade promete simplificar a rotina de médicos e ajudar a resolver uma das grandes reclamações dos pacientes: os atrasos. “O sistema alerta caso haja algum imprevisto e evita que o paciente fique horas na sala de espera”.

O processo de aceleração na Berrini, no entanto, não tem um prazo definido. A ideia é que cada startup tenha um ciclo próprio. “Damos muito apoio, mas, para o empreendedor, é fundamental se perguntar antes de participar se

está disposto a ter sua ideia avaliada, criticada e alterada”, diz Campos.

Embora a Berrini seja a única brasileira a focar somente em saúde, outras aceleradoras vêm abrindo cada vez mais espaço para o setor. “Nos últimos meses vimos um aumento grande no número de startups desse segmento apresentando suas ideias para a gente”, afirma o diretor da Wayra Brasil, Carlos Pessoa Filho. Criada pelo grupo Telefônica há três anos, a aceleradora busca ideias que estejam alinhadas com os pilares de macro-negócios da companhia, entre eles o e-health. Além de um espaço de trabalho em São Paulo, a Wayra oferece 300 mil reais em serviços e produtos da Telefónica e de parceiros e, a cada três meses, fornece 30 mil reais para cada startup. O depósito depende do cumprimento de metas e atinge um total máximo de 140 mil reais por empresa. Em troca desse pacote, a Wayra adquire uma participação de até 10% do negócio.

Até agora, três ideias ligadas ao setor de saúde foram aceleradas pela Wayra Brasil. Uma delas foi a CareNet Longevity, que desenvolveu um aparelho próprio com sensores para monitorar a saúde dos usuários e uma plataforma que integra dados de mais de 30 desses aparelhos comercializados no mercado. A startup foi fundada em 2013 pelo suíço Immo Oliver Paul que, ao lado dos sócios, investiu 200 mil reais na ideia antes de conseguir a primeira rodada de investimento - anjo. “A Wayra nos ajudou a desenhar melhor o modelo de negócios. Queríamos fazer muita coisa ao mesmo tempo”, afirma. Hoje, a ideia é fazer parcerias com empresas, como hospitais, por exemplo, que usam esses aparelhos para monitorar pacientes e precisam de uma plataforma personalizada.

“Não entramos na Wayra pelo dinheiro”, diz Paul. “O principal motivo foi ver que os objetivos deles estavam alinhados com os nossos. Em segundo lugar veio a possibilidade de encontrar investidores”. Essa maturidade para avaliar a aceleradora é essencial. Segundo Felipe Matos, ex-diretor do programa federal de incentivo a startups, o Startup Brasil, e fundador da aceleradora Startup Farm, um dos maiores erros é tomar uma decisão baseada apenas na questão financeira. “O melhor é pensar em como seu negócio será valorizado lá dentro. Uma dica é conversar com quem já participou do processo”, afirma.

vitta_lucas Divulgação

Foi justamente isso que o físico Marcelo Sousa, 29 anos, fez antes de inscrever sua empresa Bright Photomedicine para o processo da Startup Farm. Fundada em 2014, a Bright desenvolve um aparelho para tratamento de dor crônica baseado em luz infravermelha. Trata-se de uma espécie de adesivo do tamanho de um telefone celular, com medidas de 10x15 centímetros, que emite as radiações diretamente sobre a pele.

Formado pela Universidade Federal do Ceará, Sousa cursou mestrado e doutorado na Universidade de São Paulo na área de fotomedicina. Em 2012, teve a ideia do dispositivo e fez o registro de patente, mas foi apenas no ano seguinte, quando cursava um doutorado na Universidade Harvard (EUA), que pensou em transformar o projeto em startup. “A aceleração foi boa para validar um modelo de negócios”, afirma.

O programa da Startup Farm é enxuto e intenso. Em cinco semanas, as turmas têm em média 550 horas de mentoria em um espaço de co-working em São Paulo. Ao final, é realizado um demo-day com eleição dos melhores projetos.

Em troca, a aceleradora tem a opção de comprar 8% dos negócios. Mesmo com todo esse apoio é praticamente

impossível prever se a Bright, a CareNet, a Vitta ou a Medcloud têm um futuro garantido.

A taxa de sucesso no meio empreendedor, em qualquer área, é de cerca de 10%. Além disso, o caminho de quem chegou lá é quase sempre tortuoso, mesmo com o apoio de uma aceleradora. A boa notícia é que, se continuar seguindo as tendências de mercados mais maduros, o Brasil deve passar por ainda mais mudanças no setor. Por lá, o boom das aceleradoras de saúde veio acompanhado de um maior interesse de grandes companhias. Google, GE, Qualcomm e

Johnson&Johnson são apenas algumas das multinacionais que investiram pesado no ano passado em startups de saúde em diferentes estágios de maturidade.

Em meio a tantas mudanças, uma coisa parece certa: “a área de saúde tem muitas questões específicas”, diz Matos, da Startup Farm. “É um setor com uma seriedade maior e quem entrar nele precisa ter respaldo e credibilidade”. Fica a dica: com saúde, realmente, não se brinca.

*Esta reportagem faz parte da revista Saúde Business, edição de outubro, novembro e dezembro. Leia na íntegra. 

**Baixe o e-Book Os Celeiros da Inovação