Na busca por mais eficiência e sustentabilidade no setor hospitalar, as chamadas compras conjuntas — ou, como preferem os especialistas, negociações consolidadas — voltaram ao centro das discussões durante o Congresso de Supply Chain na Hospitalar 2025. O painel reuniu líderes com diferentes vivências no setor: Fernando Torelly (CEO do Hcor), João Fábio Bianchi (diretor de Supply Chain da Hospital Care), Carlos Sarmento (gerente de Suprimentos do Real Hospital Português) e Rafael Kellermann Barbosa (CEO da Bionexo), que atuou como mediador.
O debate partiu de um diagnóstico alarmante. “Em 2009, o EBITDA consolidado dos hospitais era de 19%. Em 2024, caiu para 11%”, afirmou Torelly. Para ele, a situação exige ação imediata. “Estamos lotados de pacientes e com o caixa vazio. Não dá mais para adiar decisões.”
Muito se fala, pouco se faz
Apesar de ser uma prática consolidada em outros setores, e até em sistemas de saúde internacionais, as compras conjuntas ainda não engrenaram no Brasil. Um dos principais obstáculos é o comportamento competitivo entre as próprias instituições que deveriam atuar de forma colaborativa.
“Queremos fazer compras conjuntas, mas ao mesmo tempo competir com a própria plataforma. Isso destrói o processo”, criticou Torelly, que defende a substituição do termo por “negociações consolidadas”, mais adequado à legislação brasileira. Ele citou casos em que hospitais desistiram de iniciativas colaborativas ao conseguir 0,5% de desconto individualmente, perdendo de vista ganhos mais amplos de escala.

Barreiras culturais e falta de inteligência
João Fábio Bianchi abordou as barreiras invisíveis, mas determinantes, para o insucesso dessas iniciativas: a cultura e a falta de estratégia. “É preciso ter inteligência de compras. Não é simplesmente juntar volumes. É entender a lógica de cada unidade, a estratégia por trás de cada aquisição”, explicou.
Mesmo dentro de uma mesma rede, com dez hospitais em diferentes regiões, a padronização não é trivial. “O investidor me cobra que eu compre igual para todos. Mas cada hospital foi vendido com uma margem diferente, e nem sempre o mesmo produto serve para todos. Preciso ter dados, preciso de estratégia.”
Ele lembrou que, muitas vezes, a área de compras sequer conversa com a área comercial. “Como tomar boas decisões se você nem sabe como o hospital está sendo vendido? Ainda estamos longe da maturidade necessária.”
Padronização, dados e governança
Carlos Sarmento trouxe o olhar de quem vive a prática em um hospital filantrópico de grande porte no Nordeste, que atende tanto SUS quanto saúde suplementar. “O desafio começa pela padronização. Com múltiplos convênios e realidades regionais distintas, não dá para replicar estratégias de forma linear.”
Além disso, ele reforçou que sem dados, qualquer tentativa de consolidação é arriscada. “Não adianta comparar preços se você não entende os custos logísticos, os contratos com operadoras e o perfil assistencial de cada unidade. E tentar fazer isso sem ferramentas é perder tempo.”
Outro ponto destacado foi a influência da indústria na formação de preços e a dificuldade em obter condições claras. “O vendedor sempre diz que seu preço é o melhor, mas nunca quer que você compare com o do colega do lado. Transparência ainda é um tabu.”
Recomendações para quem quer começar
O painel encerrou com uma rodada de sugestões para gestores e compradores que desejam avançar com projetos de compras conjuntas, mesmo que dentro de seus próprios grupos.

A primeira orientação foi clara: tome a decisão. “Não se trata mais de perguntar se você vai fazer. A pergunta é como”, resumiu Torelly. Ele sugeriu que os hospitais analisem as alternativas disponíveis no mercado, escolham uma estratégia e avancem com consistência.
Outra recomendação importante é abandonar a ilusão de que é possível ser eficiente sozinho. “Quando cheguei ao Hcor, me disseram que ali estavam os melhores preços de São Paulo. Mas ninguém comparava com ninguém. Fiz uma planilha com 20 itens e descobri que estávamos pagando R$ 2 milhões a mais que outro hospital do mesmo porte”, contou.
Para Sarmento, o ponto de partida deve ser a análise da rentabilidade por categoria de produto. “Descubra onde está seu maior prejuízo. Depois disso, busque parcerias, consolide fornecedores e atue com inteligência. Só assim vamos garantir a sustentabilidade do setor.”
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