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Fundo da ONU tem só US$ 100 mil para combater ebola

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Maior parte do dinheiro anunciado ainda não chegou às contas da organização, enquanto União Europeia discute estratégia de combate. No Brasil e na Rússia, preconceito afeta imigrantes

O Fundo das Nações Unidas para o Ebola tem cerca de US$ 100 mil (78 mil euros), valor muito baixo em relação ao que a Organização das Nações Unidas (ONU) diz precisar para combater o mais grave surto do vírus. A verba, proveniente da Colômbia, é uma pequena fração de US$ 1 bilhão (781 milhões de euros) que a ONU estimou ser necessário para combater a epidemia, que fez já cerca de 4.500 mortos.

As Nações Unidas veem o Fundo para o Ebola como uma fonte de dinheiro flexível, que pode ser retirado conforme as necessidades para conter o vírus. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, disse anteriormente aos jornalistas que o fundo tinha US$ 20 milhões (15,6 milhões de euros) em dinheiro, esclarecendo depois que o valor mencionado se referia a compromissos e não a dinheiro, lembra o The New York Times.

Separadamente, os dadores internacionais disponibilizaram contribuições avaliadas em US$ 376 milhões (294 milhões de euros) para programas específicos da ONU.

Desde o início do surto, em março passado, foram registrados 8.997 casos de ebola, com 4.493 mortos, a maioria na Libéria, em Serra Leoa e na Guiné-Conacri, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde divulgado quarta-feira (15).

Estratégia
Ministros da Saúde de 21 países da União Europeia se reuniram em Bruxelas, na Bélgica, para discutir medidas coordenadas de contenção do vírus ebola. Um dos temas discutidos foi a adoção de um controle mais rigoroso, em aeroportos europeus, de passageiros vindos de Serra Leoa, Guiné e Libéria. Cada país terá liberdade para decidir se adota os procedimentos.

De acordo com o comissário Europeu da Saúde, Tonio Borg, ficou acertado que a União Europeia vai conduzir uma revisão imediata do processo de checagem de passageiros na saída dos países africanos afetados pelo ebola. “A Comissão Europeia realizará imediatamente uma auditoria nos sistemas em funcionamento nesses aeroportos, para verificar se são eficazes e reforçá-los, se necessário”, disse ele, em entrevista, ao final da reunião.

O Reino Unido foi o primeiro a implantar a checagem, que além da medição de temperatura inclui a coleta de informações, por meio de formulário. Desde terça-feira (14), a medida está sendo aplicada no Aeroporto de Heatrow e até o fim da semana será estendida ao Aeroporto de Gatwick, além da linha de trem Eurostar, que faz transporte internacional de pessoas.

A França anunciou que começará a controlar, a partir de sábado (18), passageiros que chegarem da Guiné, de onde partem voos diretos para o Aeroporto Charles de Gaulle. A ministra da Saúde do país, Marisol Touraine, explicou que equipes médicas checarão a temperatura dos passageiros, que também serão convidados a fornecer informações por meio do preenchimento de formulários.

A adoção de medidas de controle nos aeroportos pode gerar uma falsa sensação de segurança, alertam especialistas da área de saúde. Pacientes infectados pelo vírus ebola podem permanecer durante todo o período de incubação, de até 21 dias, sem apresentar qualquer sintoma da doença.

Ministros presentes no encontro em Bruxelas divergiram em relação à adoção da medida nos aeroportos europeus. O representante da Finlândia, Ulla-Maija Rajakangas, disse que o país não apoia a adoção de controle rigoroso em toda a Europa, mas apenas nos países que recebem vôos diretos da África Ocidental.

Já a ministra da Saúde da Itália, Beatrice Lorenzin, defende que os passageiros sejam analisados na saída do país africano, na entrada em território europeu e, em caso de conexão, no país de destino. “Aí sim teremos um alto nível de controle”, disse ela.

Preconceito
Há uma semana, com o surgimento do primeiro caso, no Brasil, de suspeita de uma pessoa contaminada pelo vírus ebola, imigrantes negros – na sua maioria haitianos e de países africanos - têm sido alvo de discriminação e atitudes hostis, nas redes sociais e em Cascavel (PR), cidade onde o homem vindo da Guiné foi atendido inicialmente. A Guiné, Libéria, Serra Leoa e a Nigéria, países da África Ocidental, concentram a maior parte dos casos. A suspeita do contágio foi descartada após dois exames, mas o estigma em relação a esses estrangeiros ainda persiste.

Nas ruas, no ambiente de trabalho e, principalmente, nas redes sociais, alguns estrangeiros que vivem legal ou ilegalmente, no Brasil, têm enfrentado situações constrangedoras, desde que o africano foi internado em Cascavel, com suspeita de ebola.

“Ouvimos no ônibus pessoas dizendo: vocês têm que voltar o para o seu país. Não fazemos nada, só ouvimos”, relatou, por telefone, à Agência Brasil o haitiano Marcelin Geffrard, vice-presidente da Associação de Haitianos de Cascavel. “Um amigo reclamou que um grupo de haitianos estava dentro de um coletivo e as pessoas começaram a olhar diferente. No trabalho, as pessoas afastaram-se deles. Alguns disseram que não sabem como diferenciar os africanos dos haitianos”, acrescentou Geffrard.

Assim como Brasileia, no Acre, a cidade de Cascavel têm sido o destino de milhares de haitianos desde 2010, quando um terremoto devastou o país caribenho. Atualmente, mais de 2 mil deles vivem no município paranaense. Maior cidade do oeste do estado, com cerca de 300 mil habitantes, Cascavel tem várias fábricas e indústrias que empregam a mão de obra estrangeira. Além dos haitianos, imigrantes africanos também têm chegado na cidade nos últimos meses.

Vivendo há dois anos e oito meses no Brasil, Geffrard atualmente comanda um programa em Cascavel e trabalha em uma empresa auxiliando a comunicação com compatriotas a serem contratados. Nesse período, disse nunca ter sido discriminado por brasileiros. Apesar da angústia pelos atos discriminatórios, ele disse entender a “preocupação” dos brasileiros. “É pela coisa do ebola. Qualquer pessoa vai ficar com medo. É uma doença muito séria.”

A secretária de Assistência Social de Cascavel, Susana Medeiros, condenou qualquer atitude racista que possa ter ocorrido, mas argumentou que eventuais atos discriminatórios podem ter sido motivados pelo temor causado pela doença. Segundo ela, a cidade está habituada a receber estrangeiros, inclusive oferece acolhimento e assistência. “Estamos acostumados a receber pessoas de outros países, como o Paraguai, Uruguai, Chile e a Argentina. Nossa cidade é hospitaleira”, pontuou.

“Não podemos generalizar. Se tem ocorrido casos de discriminação e preconceito, deve ser pelo medo das pessoas em relação à doença, apesar de termos consciência de que nada justifica o preconceito”, acrescentou a secretária.

Coordenadora do Instituto Migrações e Direitos Humanos, uma rede de apoio a imigrantes e refugiados com mais de 50 instituições, atuando em todas as regiões do país, Rosita Milesi ressaltou que manifestações de “rejeição” ou “hostilidade” a imigrantes negros têm sido frequentes no Brasil, mesmo antes do surgimento da suspeita do caso de ebola.

“Os ataques discriminatórios começam, às vezes, nas redes sociais, onde é mais fácil dizer o que se quer sem mostrar quem se é. Infelizmente, o imigrante negro, seja qual for sua nacionalidade, tem sido alvo de preconceito e discriminação. Por mais que se considere razoável, o cuidado para evitar o contágio e a disseminação da doença, em nenhuma hipótese justifica-se o preconceito e a discriminação aos imigrantes ou a quem quer que seja”, frisou.

Para Milesi os estrangeiros que se sentirem discriminados, estando em situação legalizada ou não, devem denunciar eventuais atos racistas. “Penso que o caminho seja o mesmo daquele de que dispõe o cidadão brasileiro vítima dessa mesma realidade: recorrer aos serviços de disque-denúncia que as secretarias de Igualdade Racial dispõem. Registrar ocorrência na delegacia, defensoria pública, recorrer às instituições da sociedade civil, enfim, agir para que atitudes do gênero não permaneçam impunes ou encobertas”.

De acordo com o diretor do Departamento de Estrangeiros da Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça, João Guilherme Granja, estigmatizar o estrangeiro, além de crime, se for comprovado o ato racista, pode acarretar riscos para todo o país. “Uma pessoa, migrante ou não, mesmo em situação de irregularidade documental, não pode ser penalizada, estigmatizada até para preservar a preocupação do bem coletivo maior. Para o bem da saúde pública, temos boas práticas de não criminalização da imigração”, frisou Granja.

Segundo ele, os países de origem dos estrangeiros devem fazer o primeiro controle da saúde dos viajantes. Mas, no caso em que não haja sintomas na hora do embarque, cabe ao país de destino averiguar – e eventualmente cuidar – da saúde do estrangeiro. “No Brasil, o acesso ao serviço de saúde é garantido a todos os imigrantes. Essa é uma postura que auxilia para a rápida identificação de suspeitos e o seu atendimento”.

Discriminação internacional
Estudantes da Guiné-Bissau na Rússia estão pedindo uma intervenção das autoridades guineenses para fazer chegar ao governo de Moscou o temor de ataques da população, que os aponta como portadores do vírus ebola. Elísio Barbosa, presidente da Associação dos Estudantes Guineenses na Rússia, disse, em entrevista a uma rádio de Bissau, que a população da cidade de Oriol "está furiosa com os estudantes africanos", principalmente os guineenses.

Quinze estudantes guineenses, contemplados com bolsas de estudo pelo governo russo, chegaram a Moscou na terça-feira (14) e um dos jovens foi levado ao médico por ter febre. Concluiu-se que não se tratava de ebola, explicou Elísio Barbosa, mas, mesmo assim, a casa dos estudantes foi desinfetada.

"Qual não foi o nosso espanto quando uma equipe de televisão chegou à residência e começou a entrevistar os alunos da Guiné-Bissau. Por ter colocado as imagens na televisão local, a população pensou que estavam infectados com o vírus ebola", disse Barbosa, acrescentando que há estudantes africanos ameaçados de morte e a situação "não deve ser menosprezada".