A legislação tributária garante aos estabelecimentos médicos que prestam serviços hospitalares o benefício da tributação com bases de cálculo reduzidas. Ou seja, no sistema do lucro presumido, o cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Liquido é feito com base em 8% e 12%, respectivamente, e não com base em 32% do total das receitas. Isso representa uma redução de 75% do valor a ser pago nesses tributos. O problema é que até agora não havia uma definição clara a respeito de quais serviços devem ser considerados como hospitalares e que desfrutariam do benefício, mas a situação está mudando.
Para tentar definir esses serviços, entre 2003 e 2007, a Secretaria da Receita Federal editou cinco instruções normativas com orientações diversas e até contraditórias. Atualmente está em vigor a Instrução Normativa 791/2007. Segundo essa definição somente os estabelecimentos que possuem infraestrutura de internação são que são considerados serviços hospitalares.
A situação não foi diferente no âmbito do poder judiciário. Nesse mesmo período, as decisões do Superior Tribunal de Justiça penderam ora para uma definição ampla de serviço hospitalar, ora para uma decisão restrita. Assim, apenas para exemplificar, em novembro 2006, o STJ considerou que uma clinica de radiologia tinha o direito a recolher o IRPJ e a CSLL calculados com bases reduzidas. Em outra ocasião, em maio de 2007, portanto seis meses depois, o Tribunal decidiu que as clinicas de radiologia não se caracterizavam como prestadoras de serviço hospitalar. As decisões variavam à medida que os ministros mudavam o seu entendimento a respeito do que deveria ser compreendido como serviço hospitalar. Em geral, esses posicionamentos diversificados e contraditórios decorreram de uma concepção inapropriada da natureza semântica da expressão "serviços hospitalares". Em conseqüência, as definições obtidas foram improfícuas e pautadas por critérios não jurídicos, daí as suas constantes modificações.
Para completar o quadro, em vista das contradições surgidas, e para dar consistência lógica à posição adotada pela Secretária da Receita Federal, ocorreu uma mudança legislativa. O artigo 15 da Lei 9.249/95 passou a ter uma nova redação, que entrou em vigor a partir deste ano. Segundo o novo texto, além dos serviços hospitalares, o direito a uma base de cálculo reduzida foi expressamente estendido aos estabelecimentos que prestam serviços de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que tais estabelecimentos atendam as normas da Anvisa e estejam organizados como sociedade empresária. Com isso, parte do problema foi resolvido. A partir deste ano, os estabelecimentos que prestam tais serviços têm a segurança jurídica de que podem recolher o IR e a CSLL calculados com bases reduzidas.
Permanecia, no entanto, a indefinição quanto ao significado da expressão "serviços hospitalares". Esse tema tem relevância para os estabelecimentos cujas atividades não estão expressamente previstas no texto da lei, mas ele também interessa aos estabelecimentos cujos serviços passaram a constar do texto legal modificado. É que, ao se concluir que aqueles também são serviços hospitalares, surge o direito de requerer a devolução dos valores pagos a mais nos últimos 10 anos.
Essa situação agora ganhou novos contornos. Recentemente, um caso patrocinado pelo nosso escritório no qual uma clínica de diagnóstico por imagem peticionava o direito ao recolhimento dos tributos com bases reduzidas por desenvolver um serviço de natureza hospitalar, bem como a devolução dos valores pagos a mais, foi decidido pelo STJ. O Tribunal reconheceu ambos os pedidos e declarou que o conceito de serviço hospitalar "deve ser interpretado de forma objetiva, abrangendo as atividades de natureza hospitalar essenciais à população, independentemente da existência de estrutura para internação, excluídas somente as consultas realizadas por profissionais liberais em seus consultórios médicos. (RESP 1.012.845- RS)"
Trata-se de uma nova posição adotada pelo STJ, não mais desenvolvida a partir dos atos interpretativos da Secretaria da Receita Federal. É uma posição construída com base em critérios jurídicos. As premissas que a sustentam consideram: 1) que a redução da base de cálculo tem sua justificativa no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 que, ao reconhecer a saúde como um direito social, determina que a população tenha amplo acesso a serviços médicos e hospitalares. Desse modo, a redução da base de cálculo visa a baratear o valor desses serviços e, 2) que o beneficio tem natureza objetiva e o direito de exercê-lo não está condicionado a certas características do prestador, como possuir estrutura de internação, por exemplo.
A natureza semântica da expressão "serviços hospitalares" passou a ser mais bem compreendida. Não mais como um conceito definitório, ou seja, a expressão "serviço hospitalar" não comporta um conceito conclusivo, constituído a partir de elementos distintivos comuns. Mais apropriadamente, a expressão serviço hospitalar caracteriza-se como um conceito de tipo, designa um conjunto de serviços distintos. Esses serviços não podem ser identificados a partir de certos elementos comuns e só podem ser descritos. Para maior segurança, o Tribunal referenciou tais serviços às normas da ANVISA. Mais especificamente, aos serviços compreendidos nos itens 1 a 4 da Resolução RDC 50, de 21/02; 2002, alterada pela Resolução RDC 189, de 18/07/2003. A saber:
1) Prestação de atendimento eletivo de promoção e assistência à saúde em regime ambulatorial e de hospital-dia - atenção à saúde, incluindo atividades de promoção, prevenção, vigilância à saúde da comunidade e atendimento a pacientes externos de forma programada e continuada;
2) Prestação de atendimento imediato de assistência à saúde - atendimento a pacientes externos em situações de sofrimento, sem risco de vida (urgência) ou com risco de vida (emergência);
3) Prestação de atendimento de assistência à saúde em regime de internação - atendimento a pacientes que necessitam de assistência direta programada por período superior a 24 horas (pacientes internos);
4) Prestação de atendimento de apoio ao diagnóstico e terapia - atendimento a pacientes internos e externos em ações de apoio direto ao reconhecimento e recuperação do estado da saúde (contato direto).
Em razão disso, em 22 de abril de 2009, a 1ª. Seção do STJ uniformizou o entendimento de que os "serviços hospitalares" são todos aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais - note que já não se trata dos serviços prestados em hospitais - voltados diretamente à promoção da saúde. Nesse entendimento, estão excluídas as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos.
Assim, os serviços devem ser considerados individualmente. Logo, é possível que um estabelecimento médico desenvolva vários serviços sendo que apenas um ou alguns pertençam ao conjunto dos "serviços hospitalares" segundo a nova definição conferida pelo STJ. Nesse caso, a tributação com a base de cálculo reduzida deve considerar a receita proveniente de cada atividade específica, em vez da receita bruta total da empresa.
A nova posição, uniformizada pelo STJ, é juridicamente mais coerente que as posições anteriores uma vez que seus fundamentos estão escorados em normas constitucionais e o sentido semântico da expressão "serviço hospitalar" não está preso a uma definição classificatória. Ela também retira o véu de legalidade da Instrução normativa 791/2007 - a qual vinha orientando a conduta dos agentes da Secretária da Receita Federal - ao demonstrar que a existência de uma estrutura capaz de atender a internação de pacientes não pode servir de condição para que o estabelecimento faça jus ao recolhimento do IRPJ e da CSLL, pois tal exigência ultrapassa o texto da lei.
*Sócio do Escritório Atílio Dengo Sociedade de Advogados, Doutor em Direito e Professor da PUCRS
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