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O que é bom para a operadora não é bom para o serviço de saúde

Article-O que é bom para a operadora não é bom para o serviço de saúde

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Acho que ficou claro que este post não defende ou critica operadora ou hospital – quando presto serviço para operadora defendo os interesses da operadora, e quando presto serviço para hospitais, defendo os interesses dos hospitais, e estes interesses foram, são e sempre serão opostos.

Isso é a única coisa que não tem chance de mudar na saúde suplementar, da forma como ela está estruturada, passa o tempo e cada vez fica mais evidente que o que é bom para a operadora de planos de saúde não é bom para o serviço de saúde e vice-versa ... e versa-vice!

É claro que estamos falando de negócios, afinal este blog é sobre gestão comercial e não sobre cuidados assistenciais, onde operadora e serviço de saúde convergem em interesses: estamos falando de dinheiro, lucro, prejuízo: de "saúde business".

É o que explicamos exaustivamente nos cursos e oficinas, e aplicamos nas consultorias: se você estiver fazendo um bom trabalho na área comercial de uma operadora, não vai ser convidado para o happy hour dos gestores comerciais de hospitais. Se estiver fazendo um bom trabalho na gestão comercial hospitalar não será convidado para o aniversário da filha do gestor de operadoras de planos de saúde – agradando um lado "da força" será execrado pelo outro.

A explicação está no fato da saúde suplementar no Brasil estar estruturada na doença e não na cura:

  • Os planos de saúde vendem tratamento de doenças, e não prevenção e cura. A prova é que se você tem um plano de saúde e fica doente, ou se está doente e não consegue a cura, não recebe indenização do plano de saúde, portanto ele não é plano de saúde – não zela pela sua saúde, apenas para a conta do tratamento da doença;
  • E os serviços de saúde vivem só do tratamento das doenças, e quanto mais estropiado for a saúde do paciente melhor: mais ele vai consumir dos seus recursos. Uma mãe que leva o filho para fazer uma inalaçãozinha no pronto socorro é exorcizada pelo administrador hospitalar – este tipo de atendimento é prejuízo líquido e certo. Ele quer que eu apareça por lá com parada cardíaca – uma pessoa da minha idade e com o eu peso vai descompensar e consumir muitos exames, medicamentos, materiais e procedimentos multidisciplinares: lucro certo.

A grande diferença entre a operadora e o serviço de saúde nunca vai mudar: enquanto a operadora tem mais lucro quanto menos o beneficiário utilizar sua rede, o serviço de saúde tem mais lucro quanto mais o paciente utilizar seus recursos. É só não esquecer: operadora tem como clientes pessoas sãs e doentes, enquanto serviços de saúde ganham dinheiro com doentes – então, é evidente que o que interessa para um não pode interessar para outro.

Nos cursos discorremos sobre inúmeros exemplos de como o hospital pode maximizar sua receita, e lembramos: cada centavo que um serviço de saúde ganha, é um centavo a menos na rentabilidade da operadora e cada centavo que a operadora economiza de contraprestação aumentando sua rentabilidade é um centavo a menos na rentabilidade do serviço de saúde credenciado.

Aqui não dá para discorrer sobre todos os exemplos, mas podemos lembrar alguns clássicos:

1. Pacote

Só interessa para a operadora, e eventualmente para o médico. Quando o serviço de saúde insere itens de reajuste automático (medicamentos e materiais descartáveis) no preço do pacote, está abrindo mão dos reajustes do Brasíndice e Simpro durante todo o período em que o preço do pacote estará congelado. E, pior, se o preço do pacote for reajustado com base em algum "índice mágico de inflação em saúde", menor do que os reajustes destas tabelas é "prejuízo em cima de prejuízo".

Evidentemente as operadoras, "defendendo o leite das suas crianças", dizem que se o serviço de saúde praticar pacotes vai aumentar seu volume. É claro que não é verdade: primeiro porque o paciente é mais influenciado a realizar um procedimento em um serviço por outras razões (local, atendimento, fama, médico, etc.), segundo porque na prática a operadora só direciona atendimentos para a sua própria rede (quando tem) e corre grande risco se fizer direcionamento entre os credenciados, e terceiro porque se todos os serviços de saúde praticam pacote não existe razão para que um ganhe em volume de outro.

Se o pacote contemplar honorários médicos e OPME, para hospitais damos o apelido de "suicídio", e para operadoras damos o apelido de "paraíso".

2. Itens compactos de conta (diária compacta, por exemplo)

Só interessa para a operadora (é um minipacote) e se incluir honorários multidisciplinares, complica significativamente a gestão do serviço de saúde, especialmente hospitais.

Se você incluir, por exemplo, a visita médica:

  • Se o profissional ganha por produtividade, terá que reduzir sua margem porque ele não vai se sujeitar ao congelamento do valor da diária, ou ao reajuste pífio que é negociado com a operadora;
  • Se o profissional é assalariado nem se fala: médico que não ganha por produtividade não produz – a classe médica é a única minimamente organizada no Brasil: você pode enganar qualquer profissional que vive às custas de apoio de sindicatos que não fazem nada, mas médico não. Os conselhos de medicina são exemplo de organização que deveria ser copiado por toda as outras profissões assistenciais.

Dizemos nos cursos que não existe nada menos padronizado no mundo dos negócios do que as diárias compactas, porque não se pode comparar diárias de hospitais como se compara diárias em hotéis. Na verdade, nem hotéis fazem isso: você não paga o mesmo valor de diária em hotéis de mesma hotelaria e localização, imagine querer padronizar a diária de dois hospitais.

Quando você aceita enquadramento na diária compacta oferecido pela operadora, "entregou a alma ao demônio" – está se equiparando a um monte de serviços de saúde que não prestam o mesmo nível de serviço que o seu, e a operadora não vai levar isso em conta no próximo reajuste de preços!

3. Conta Complementar

Só interessa para o hospital, porque:

  • A formação das contas é resultado de uma infinidade de processos assistenciais e administrativos, realizados por profissionais que nem sabem o que os outros fazem na empresa – a chance de descobrir que algo não foi faturado é de 100 % em hospitais. A conta complementar serviria para cobrar aquilo que não pode ser descoberto até o momento do fechamento da conta normal.
  • A auditoria da operadora segura uma conta de R$ 100.000 discutindo um item de R$ 10. A conta complementar serve para resolver este problema: você manda a conta de R$ 99.990 e depois que discutir os R$ 10 manda a complementar. É claro que a operadora não quer!

4. Capeante Fidedigno

O capeante foi criado para formalizar as divergências da auditoria, e o que for divergente ficar para discutir depois (e ser enviado eventualmente em uma conta complementar). Hoje ele se transformou em um instrumento meramente burocrático em que as operadoras que têm força na relação comercial não aceitam que se formalize divergências e dizem: o capeante deve estar limpo senão a conta não pode ser remetida.

É claro que hoje o capeante serve a operadora e prejudica o hospital.

5. Glosa 

Só interessa para a operadora. Com o já discorri diversas vezes aqui no blog, se a conta não tem glosa nenhuma a chance do hospital estar faturamento menos do que deveria é de 100 %. Porque conheço milhares de auditores de operadoras que apontam ao hospital erro à maior nas contas, mas ainda não tive a oportunidade de conhecer um que aponte erro à menor!

6. Operadora adquirir OPME

Como demonstramos nos cursos e consultorias:

  • Se a margem do hospital for garantida, e se o hospital não é isento de impostos, o hospital dá graças a Deus se a operadora adquirir o OPME;
  • Se a operadora usar isso para reduzir a margem do hospital, evidentemente só interessa para a operadora;
  • Se o hospital é isento de ISS sobre o faturamento, tanto faz para o hospital – não terá lucro nem prejuízo com o fato da operadora adquirir;
  • Em qualquer situação é benéfico para a operadora, e se ela não for isenta de ICMS é muito benéfico para ela.

E se existe esquema entre fornecedor e médico, tanto faz como fez: pode a operadora, o hospital, ou o superior tribunal de justiça comprar o OPME que o esquema vai continuar existindo – prejuízo certo para a operadora

Resumo da Ópera

Vivemos uma discussão sem sentido em que as operadoras, "defendendo o leite das suas crianças", tentam jogar o problema da saúde suplementar para os serviços de saúde, especialmente os hospitais.

Hospital não existe para resolver o problema da saúde da população – na saúde suplementar é um negócio como outro qualquer – existe para prestar serviço assistencial para doentes. Quem deve resolver o problema da saúde da população é o governo – se a operadora quer ganhar dinheiro aproveitando esta oportunidade de mercado (já que o governo não presta a assistência à saúde que a constituição lhe obriga), deve ajustar seus mecanismos de sobrevivência – tenta fazer isso reduzindo os valores das contas: garanto que isso não vai resolver seu problema, só vai prejudicar o seu relacionamento com a rede credenciada e espantar seus clientes agravando o problema, como tem ocorrido gradativamente.

Acho que ficou claro que este post não defende ou critica operadora ou hospital – quando presto serviço para operadora defendo os interesses da operadora, e quando presto serviço para hospitais, defendo os interesses dos hospitais, e estes interesses foram, são e sempre serão opostos – é importante que os profissionais das áreas comerciais de operadoras e hospitais tenham domínio sobre isso, é isso que tem garantido "o leite das minhas crianças"  há anos!