faz parte da divisão Informa Markets da Informa PLC

Este site é operado por uma empresa ou empresas de propriedade da Informa PLC e todos os direitos autorais residem com eles. A sede da Informa PLC é 5 Howick Place, Londres SW1P 1WG. Registrado na Inglaterra e no País de Gales. Número 8860726.

Workcation: o virtual reinventa as férias e remodela o trabalho

Article-Workcation: o virtual reinventa as férias e remodela o trabalho

pasted-image-0-1-800x500 (1).png
O ambiente de férias melhorando o ambiente de trabalho

“Vacaciones, vamos a la playa? No, vamos a trabajar en la playa!”Uma secular conceituação expressa que “trabalho não se confunde com férias”. A teoria está certa, ou pelo menos estava. O home-office pode estar reclassificando a noção de férias no pós-covid, quando trabalharemos mais do que nunca, mas talvez uma significativa parte desse trabalho seja realizado em ‘instancias remotas, longe das residências, em locais turísticos, ao pé de eventos corporativos presenciais, em bangalôs dotados de intelligent-workstations, ou em hotéis com menos conforto e mais estrutura para produção laboral remota’. Nessa direçãouma expressão cresceu em importância na Covid-19: workcation (work & vacation), uma ‘combinação temporária de trabalho e férias’, onde os chamados “nômades digitais” aproveitam as ferramentas de colaboração-online (nuvemvideoconferênciabanda ultra larga, intelligent connectivity, 5G, etc.) para serem produtivos em lugares remotos, longe de suas residências e escritórios.

Depois de quase um ano e meio de pandemia, muitos empregadores inicialmente céticos ao home-office começaram a perceber que é possível uma ambiência produtiva dentro do trabalho remoto. Parte dessa percepção vem das novas práticas digitas em remote coworking’, um processo em que os executivos trabalham de forma colaborativa com seus pares enquanto viajam. Nesse sentido, o workcation assume uma nova abordagem no relacionamento entre empregados e empregadores, onde arranjos individuais e anuais permitem que as pessoas tenham uma espécie de ‘hiato-sabático-produtivo’. Trabalhadores poderão configurar uma parte anual de seu trabalho no modelo workcation, que não colide ou substitui as tradicionais férias remuneradas, que, aliás, são cada vez mais “vendidas” e menos usufruídas.

O conceito de workcation se originou nos EUA com a forte disseminação das tecnologias digitais, sendo na Covid-19 acelerado e expandido de forma única. No Japão, por exemplo, um dos países que mais incentivam o novo modelo, o termo passou a direcionar programas de treinamento, eventos e encontros corporativos híbridos embalados por casual-tourism. O estudo  (“How has workcation evolved in Japan?”) publicado em 2021 pela University of Tokyo, examinou a origem e o desenvolvimento do workcation no país, concluindo que o modelo “vem aprimorando a criatividade, o aprendizado e a introspecção por meio de laços estreitos entre pessoas e comunidades”. Mas a consagração do modelo veio na pesquisa realizada nos EUA pela The Harris Poll (“The Great Awakening - A year of life in the Pandemic”) e publicada em março de 2021. O estudo mostrou que a maioria dos trabalhadores remotos na America está mais feliz com o home-office, com 67% deles afirmando que seu estilo de vida melhorou, e 41% expressando que as relações de trabalho ficaram mais saudáveis. Como resultado, 55% dos americanos agora dizem: "Descobri durante a Covid-19 que eu realmente não sinto falta do escritório tanto quanto pensava”. Os dados corroboram algo que o mundo já percebe: uma boa parte dos ‘homeofficers’ está se acostumando ao escritório-remoto e percebendo que é possível somar ganhos profissionais (melhoria da produtividade) com benefícios pessoais e familiares. Assim, a pesquisa da Harris identificou que 74% dos norte-americanos que trabalham remotamente consideram seriamente a possibilidade de adotar o workcation como parte de seu contrato laboral.

Em janeiro de 2021, a PwC publicou estudo (“It’s time to reimagine where and how work will get done”) validando o prestígio do trabalho remoto: 83% dos empregadores disseram que a mudança para o home-office foi bem-sucedida em sua empresa (em junho de 2020, esse número era de 73%). Quantos aos empregados34% dos entrevistados revelaram estar significativamente mais produtivos no home-officeEssa remotelização do trabalho ampliou o debate sobre Work 4.0, onde as discussões sempre gravitaram em como as empresas poderiam responder assertivamente aos eixos da digitalização, virtualização e mecanização. Ligado ao contexto de Indústria 4.0 e Economia 4.0, o debate nos últimos meses passou a reverenciar cada vez mais a “flexibilização”, que passou a ser o núcleo da partitura em Work 4.0. Os novos contextos afastam o clássico trabalho “das nove às cinco”, garantindo que a produtividade emergirá das novas relações entre empregadosempregadores e a inteligência artificial. Assim, os acordos laborais tenderão a ser cada vez mais adaptáveis, vergáveis e moldáveis às novas realidades do home-office, com workcation tomando acento na mesa de negociação. Ou seja, ‘contanto que o conhecimento para o sucesso de um projeto esteja presente, não importa de onde ele venha, ou onde ele esteja, ou se está em sua residência ou numa praia nos confins do mundo’.

Também a qualidade de vida está empurrando as pessoas a se interessar por novos modelos na relação trabalho-férias. O estudo da Harris, por exemplo, mostra que 69% dos trabalhadores nos EUA passaram a ter maior apreço pela vida ao ar livre. Como explica Brian Bloom, vice-presidente de RH da consultoria Korn Ferry: “a liberdade de estabelecer seus afazeres, fazer exercícios físicos ou levar o cão para passear sem estar amarrado a um ofício-de-escritório, proporciona a ambição de analisar novas realidades”. O fato explícito é que mesmo em home-office a pandemia fez as pessoas trabalharem ainda mais, contribuindo para aumentar o seu esgotamento e estresse. Bloom acredita que os workcations conspiram a favor da confiança e flexibilidade nas novas relações entre empregado e empregador. “As pessoas estão mais dispostas a negociar algum tempo adicional de férias se sentirem que têm liberdade e flexibilidade para trabalhar como e onde quiserem”, explica eleAinda sobre a dimensão da qualidade de vida nas novas relações laborais, vale ressaltar que hoje no mundo mais de 745 mil mortes e 23,3 milhões de AVCs decorrem todos os anos por excesso de trabalho, segundo estudo publicado em 17 de maio último (“A systematic analysis from the WHO/ILO Joint Estimates of the Work-related Burden of Disease and Injury”) com dados da OMS e OIT.

O termo sabático vem do hebraico, que em tradução literal significa “libertação”. O período sabático é descrito no livro sagrado do povo judeu (Torá) como um período de descanso da terra, onde os homens não se dedicam ao trabalho agrícola. Workcation caminha em paralelo a ideia de que um hiato-sabático-produtivo pode melhorar a fecundidade intelectual dos indivíduos, promovendo algumas semanas do ano para jornadas em que o trabalho seja compartilhado ‘oficialmente’ com o lazer, com a distração excursionista e com a recreação lúdica. Susie Ellis, CEO do Global Wellness Institute (GWS), reforça esse raciocínio em sua pesquisa “The Future of Wellness 2020”: “Os acadêmicos realmente estudaram o impacto das licenças sabáticas no bem-estar, seja na variedade tradicional de um ano, ou um mês, ou de menor tempo. A pesquisa indica que elas diminuem o estresse dos indivíduos, aumentam significativamente o sem bem-estar geral e os ajudam a trabalhar de forma mais criativa”. Muitas empresas já estão aderindo à modelos de workcation, como ressalta a professora Lynne Cazaly, autora do livro “Agile-ish: How to Create a Culture of Agility”: “Várias companhias importantes, como Spotify, Twitter, Square, Unilever, Atlassian, dentre outras, já expressaram que seus funcionários podem trabalhar para sempre em casa. As empresas também sabem que há uma guerra crescente por talentos e se você não está oferecendo um benefício em evolução, assume com isso uma desvantagem competitiva”.

A reinvenção das férias tradicionais faz-se necessária quando o próprio trabalho tradicional também se remodela. Aliás, um dos graves desvios nas chamadas ‘férias anuais’ é justamente o seu usufruto cada vez menor. Em 2018, a GfK, uma das maiores empresas do mundo em estudos de mercado, conduziu pesquisa com mais de 4 mil trabalhadores norte-americanos, descobrindo que 52% deles não usufruem das férias, acumulando num único ano 705 milhões de dias-férias não utilizados (contra 662 milhões do ano anterior). Não é um número banal: o país poderia gerar 1,9 milhão de empregos todos os anos se esse contingente usufruísse de suas férias. No Brasil, a Catho realizou estudo em 2016 mostrando que mais de 39% dos trabalhadores não desfrutaram de suas férias remuneradas nos 12 meses anteriores a pesquisa. Os motivos que levam as pessoas a ‘não se ausentaram de seus locais de trabalho para férias’ variam em cada país, mas uma avaliação realizada pela US Travel Association (2018), dá pistas: nos EUA os trabalhadores não usufruem suas férias: (1) por medo de serem substituídos (61%); (2) pela carga de trabalho acumulada (56%); (3) por falta de cobertura de outro profissional quando da sua ausência (56%); etc. Isso leva a uma conclusão adjacente: em muitos países emergentes o workcation não será só mais uma forma de férias, mas talvez a única.

Já existem grandes empregadores no Brasil pensando em alinhar o home-office às férias. Um indivíduo que trabalhar 48 semanas por ano em modo híbrido, por exemplo, poderá aderir a um plano-workcation de 9 semanas, onde um terço serão as tradicionais-férias e o resto será espaçado em diferentes períodos do ano envolvendo treinamento, participação em eventos corporativos (conferences, exhibitions, fóruns, etc.), ou projetos que exijam máxima concentração e criatividade. Várias companhias globais, como a Japan Airlines (JAL) e Unilever, já estão obtendo resultados com o novo modelo, mas o grande avanço será fazer com que o híbrido seja mais do que a fusão do trabalho remoto com o presencial. A real vantagem será promover no Work 4.0 a ressignificação dos conceitos de férias, trabalho e tempo livre, onde todos os protagonistas precisarão repensar com urgência suas posições. O desastre da Covid-19 está presente para nos lembrar que ‘algumas revoluções demoram a chegar, e depois acontecem durante a noite’.

Questionar o futuro do trabalho não enseja respostas fáceis, mas talvez possamos ousar implementar mecanismos laborais que melhorem a nossa vida, antes mesmo que ela esteja novamente em perigo pela truculência de um novo vírus. Um exemplo de aceitação das transformações em curso pode ser extraído do email enviado no início de maio por Sundar Pichai, CEO do Google, aos seus mais de 100 mil funcionários. “...os Googlers poderão trabalhar temporariamente em um local diferente de seu escritório-principal por até 4 semanas ao ano (com aprovação de seu gerente). O objetivo é dar a todos mais flexibilidade em relação as suas viagens de férias no verão. Estou profundamente otimista de que poderemos nos reunir novamente em nossos escritórios para ver todas as pessoas de quem sentimos falta. E seremos capazes de trabalhar juntos de maneiras totalmente novas, melhorando o nosso ofício e nossas vidas. O futuro do trabalho está na flexibilidade. A mudança descrita acima é um ponto de partida para nos ajudar a fazer nosso melhor trabalho e nos divertir fazendo isso”.

 

Guilherme S. Hummel

Scientific Coordinator – HIMSS@Hospitalar

Head Mentor - eHealth Mentor Institute (EMI)