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‘Vacinação-ágil’ independe da vacina: aprendendo com os eficientes

Article-‘Vacinação-ágil’ independe da vacina: aprendendo com os eficientes

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Fatores de Sucesso na imunização do Sars-CoV-2

“Sem vacina não pode haver uma boa vacinação”. Mais óbvio impossível. Mas a recíproca nem sempre é verdadeira: ainda que haja vacina, a vacinação pode ser débil. Em 2021, estamos lidando com um fato inédito na história da Saúde Global: um mesmo patógeno terá dúzias de imunizantes aplicados simultaneamente. Trata-se de uma excelente notícia, mas isso não introduz facilidades no processo de vacinação em massa. Pelo contrário. Estamos preocupados com a marca da vacina, com a sua eficácia, com seu retorno imunológico, com as mutações, etc., sendo todas essas inquietações absolutamente pertinentes. Mas a engenharia de vacinação, lato-sensu, exige vários outros vetores que consagram a sua agilidade ou debilidade.

É certo que o quadro mundial de vacinação é lento, em boa parte pela escassez de imunizantes, mas também pelo mal planejamento, ou por nenhum planejamento. Governos, cadeia de saúde, pacientes e até o “próprio coronavírus” estão imersos numa zona opaca de factoides, relatórios científicos, ausência de campanhas vacinais claras, múltiplos ritos de dosagem, ‘guerra de eficácias’, fake-News, logística fragmentada, prioridades vacinais desconexas e dezenas de outros insights que se digladiam nas mídias e na mente de bilhões de indivíduos que esperam a sua vez de “rubricar o braço”. Alguns países saíram na frente e colhem os frutos do planejamento antecipado, mesmo antes de saberem qual vacina estaria no cardápio.

Tudo indica que até meados de 2021 o Brasil deverá ter pelo menos 5 diferentes imunizantes, aplicados de forma paralela e simultânea dentro de um confuso PNI. O processo de vacinação transcorre hoje com lentidão, sem sabermos se as mutações do Sars-CoV-2 serão debeladas. A falta de uma liderança nacional assertiva se soma a outros dois fatores exógenos ao país: (1) diferentes nações travam uma luta geopolítica heroica (ou mesquinha) para estar à frente da luta pandêmica, com alguns países ainda competindo para saber qual governante ficará mais denegrido na história pandêmica; (2) grandes alianças fármaco-público-privadas se movimentam no mercado global para fazer valer a sua fórmula, com bilhões de dólares escoando na mais feroz e competitiva “batalha das vacinas” da história contemporânea.

Um dos eixos da confusão vacinal no Brasil é a sua explícita fragmentação organizacional, sem vetores claros de comunicação com a sociedade, que se ‘dependura’ na grande mídia para rastrear informações que possam trazer claridade de fatos e de planejamento. Um exemplo desse vácuo de liderança vem do início da pandemia, quando houve a necessidade de criar um “consórcio de veículos de imprensa” para divulgar os dados pandêmicos, depois de ficar claro que os dados oficiais do Ministério da Saúde (MS) eram confusos. Na verdade, não temos um vaccination-hub no país. Temos cada cidade ou Estado tentando organizar minimamente uma vacinação, que outrora era um azeitado processo organizado e divulgado pelo PNI (MS).

Na outra ponta, o surto cresce dizimando mais de um milhar de vidas por dia, onde faltam de Testes Diagnósticos até Oxigênio. Sem falar que criamos no país uma xenofóbica retórica contra a iniciativa privada suplementar, que a seu modo poderia estar ajudando em muito na vacinação. Não estamos lentos na imunização só pela falta de imunizante, mas também pela ausência de orquestraçãoImportante: comprar vacinas no paralelo sem a anuência e participação do Estado é uma ilicitude e um flerte ao descalabro, mas desconsiderar a distribuição delas pelo setor privado é um estrepitoso erro. Não precisa ser um gênio aritmético para concluir o óbvio: em 26 dias de vacinação nacional, o Brasil imunizou, até 11/02/2021, cerca 4,3 milhões de pessoas somente na primeira dose (menos de 80 mil na segunda dose), o que significa termos à frente perto de 910 dias para imunizarmos 150 milhões de brasileiros (2,5 anos)Enquanto isso, claro, as novas cepas “brincam de esconde-esconde” com o nosso sistema imunológico. 

Um exemplo inverso a esse chauvinismo subliminar, que secundariza a Saúde Suplementar na vacinação nacional, vem de Israel, a nação que mais e melhor vacina no mundo. O país também conta com um sistema público e universal de saúde, que comanda as ações da vacinação, mas o faz com a direta participação do setor privado: quatro HMOs (Health Maintenance Organizations), que nada mais são do que “planos de saúde sem fins lucrativos” (1.Clalit Health Services; 2.Kupat Holim Meuhedet; 3.Maccabi Health Services; e 4.Leumit Healthcare Services), passaram a ser os responsáveis por vacinar a população, conforme mostra o estudo “Israel’s rapid rollout of vaccinations for COVID-19”, publicado em 26 de Janeiro pelo BMC (British Medical Council). Todos os HMOs são concorrentes entre si, mas se unem ao Estado para massificar a imunização sem qualquer ônus a população. As vacinas são compradas pelo Governo e repassadas as HMOs, que são estruturas altamente digitalizadas enviando mensagens de convocação e pré-agendamento vacinal aos usuários. Todas possuem plataformas de consulta-virtual que são acessadas pelos beneficiários sempre que um evento vacinal adverso ocorre. Essa estrutura "público-privada" administra 11,0 doses de imunizante por 100 habitantes, enquanto o segundo lugar no ranking performático vacina 3,5 (Bahrein) e o terceiro 1,4 doses por 100 (Reino Unido). Ninguém em Israel está pensando em alijar o setor privado da vacinação, seja por motivos éticos, morais, protecionistas ou mesmo políticos. Da mesma forma, ninguém no país alimenta a ideia de que todos os CEOs da ‘cadeia sanitária privada’ sejam perdulários inconsequentes dispostos a desmantelar o Sistema Público de Saúde. Ainda sobre planejamento: Israel contratou o primeiro lote de vacinas em julho/2020.

Na toada de que “vacinação é uma ação operacional eminentemente pública”, que durante décadas foi pertinente no Brasil pela insuficiência estrutural e tecnológica da cadeia privada, é interessante comparar com o NHS, o sistema público britânico de saúde. Em dezembro último, pouco antes de iniciar a vacinação, 25 milhões de vaccination text messages’ (alertas orientativos) foram enviados a população com um link para o ‘programa nacional de vacinação’. As mensagens-links incluíam: elegibilidade para vacinação; informações preparatórias à imunização; dados atualizados sobre todas as vacinas disponíveis em UK; insights de pré-agendamento; provisionamento de consulta-virtual (telehealth) com médicos de plantão; etc. Ao contrário do que possa parecer, o NHS não ‘verticalizou’ a vacinação, e sim promoveu uma aliança comercial com várias organizações do setor privado, como, por exemplo, com a empresa sueca Livi, que utiliza o seu aplicativo Mjog Messenger para “automatizar o processo de mensageria vacinal” do NHS. Filial da KRY, maior provedora de saúde digital da Europa, a Livi passou a ser um braço do vaccination-hub britânico, com mais de 600 Unidades Clínicas (privadas e públicas) operando a vacinação ‘embaixo’ da plataforma Mjog. Várias outras alianças ‘público-privadas’ foram criadas pelo NHS no processo de imunização, inclusive com startups, como a QDoctor, que oferece uma plataforma de agendamento vacinal para mais de 3.200 clínicas de GPs.

No quesito ‘Pontos de Vacinação’, uma lógica inquietante no Brasil elimina o varejo farmacêutico do processo de imunização num momento de grande emergência e alta demanda. Nos EUA, por exemplo, na primeira semana de fevereiro foi iniciado o programa do governo federal (“Federal Retail Pharmacy Program for COVID-19 Vaccination”) que incorpora as farmácias na logística imunizante do país. O programa envia as doses da vacina diretamente às farmácias, que as aplicam na população sem custo. Segundo a NACDS (National Association of Chain Drug Stores), entidade que representa 40 mil farmácias e 155 mil farmacêuticos, a rede varejista do país tem capacidade para atender à demanda por 100 milhões de doses mensais (90% dos americanos vivem a menos de 8 quilômetros de uma drogaria).

Outro fundamento vacinal patético no Brasil é o uso pífio da tecnologia. Na Índia, por exemplo, a arquitetura de vacinação prioriza as tecnologias digitais, com o país utilizando de forma eficiente o eVIN (Electronic Vaccine Intelligence Network), um sistema de rastreamento capaz reduzir a iniquidade na distribuição dos imunizantes. Ele rastreia cada dose (throughout-supply-chain) fornecendo monitoramento em tempo real (incluindo vigilância on-line sobre a ‘cadeia de frio’). Com a pressão para vacinar 1,3 bilhão de indianos, o eVIN foi expandido e hoje cobre também detalhes de cada receptor da vacina, enviando alertas às pessoas para garantir o agendamento vacinal e o pós-vacinação.

Não menos importante é o combate a “guerra de narrativas”, onde as fake-news poluem as imunizações. Nesse sentido, um bom exemplo de eficiência é o First Draft, uma organização com sede em Londres, non-profit e formada pela coalizão de instituições (BBC, CBC/Radio-Canada, The New York Times, etc.). Seu Vaccine Insights Hub fornece orientação prática e ética para um combate direto (e diário) com os negacionistas e toda a sorte de terroristas anticiência. Ser ágil na vacinação” requer também observar e seguir os eficientes, ou seja, aquelas nações, sistemas de saúde, coalizões humanitárias e iniciativa privada que dão saltos qualitativos e inovadores na imunização. Entender e acompanhar a eficiência é uma das principais lógicas para escaparmos daquilo que Saramago chamou de cegueira branca em sua obra “Ensaio sobre a Cegueira”. Explicado por um dos protagonistas do romance: “A pior cegueira é a mental, branca, aquela que faz com que não reconheçamos sequer o que está à nossa frente”.

 

Guilherme S. Hummel

Coordenador Científico – HIMSS Hospitalar Forum

eHealth Mentor Institute (EMI) - Head Mentor