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Mas, afinal, o que dificulta a pesquisa clínica no Brasil?

Article-Mas, afinal, o que dificulta a pesquisa clínica no Brasil?

saude
Luis Martinez, professor da FIA e Gerente de Pesquisa do HC-FMUSP, relata as dificuldades para realizar pesquisa clínica no Brasil

Entre os principais critérios utilizados pelos patrocinadores para selecionar países participantes de estudos clínicos multicêntricos internacionais está a disponibilidade de captação de sujeitos de pesquisa que atendam os critérios de seleção específicos de um determinado projeto de pesquisa (taxa de inclusão esperada), a adesão aos princípios de GCP (validação de dados), a qualidade dos investigadores (capacitação de profissionais e serviços), a qualidade do sistema de revisão ética (controle e segurança), a flexibilidade do sistema regulatório local (agilidade e eficiência) e o potencial do mercado local para a comercialização do medicamento (1).

Leia artigo anterior: Medicamentos inovadores: como reduzir custos com P&D?

Uma melhora do poder aquisitivo da população e o maior acesso aos tratamentos de saúde amplia esse potencial e consequentemente a necessidade da realização de pesquisas nesta população, tais como: estudos de caracterização da população, estudos observacionais, estudos de farmacoeconomia e farmacovigilância. Segundo um estudo realizado em 2013 o consumo da classe média brasileira cresceu 13,6% em relação a 2012. Isto representa 54% da população brasileira equivale a um consumo de R$ 1,17 trilhões, sendo a saúde o segundo maior gasto deste consumo (R$ 71,8 bilhões). Se a classe média brasileira representasse um país seria o 12º país mais populoso do mundo e a 18º nação com maior consumo do mundo (2).

Seguindo estes critérios de estratégia para escolha dos países favoráveis ao retorno dos investimentos e sucesso do projeto, o Brasil encontra um cenário relativamente positivo, porém não totalmente competitivo em relação aos outros mercados emergentes para a pesquisa clínica.

Um fator determinante na captação de sujeitos de pesquisa e na estimativa da taxa de inclusão é a disponibilidade de informações precisas, registradas ou de alguma forma documentadas, principalmente no que se refere à incidência e prevalência. Essas informações são indispensáveis para o planejamento de um projeto e constituem uma ferramenta importante na tomada de decisão dos patrocinadores. Investimentos de recursos materiais e humanos, tempo, conhecimento e tecnologia serão levados somente para locais onde existam previamente disponibilidade e precisão dessas duas diferentes informações iniciais.

O Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) disponibiliza um banco de dados onde se pode encontrar informação sobre a proporção de internações hospitalares na rede SUS por grandes grupos de doenças. Esse banco de dados pode ser usado como uma ferramenta parcial e inicial para o mapeamento e planejamento da disponibilidade de captação de sujeitos de pesquisa em diferentes localizações no Brasil (3).

Atualmente, algumas doenças e especialidades médicas contam com um sistema de informações mais completo. Um exemplo dessa evolução na criação de bancos de dados nacionais surgiu com o lançamento da Política Nacional de Atenção Oncológica (PNAO) em 2005 e com a criação da Rede de Atenção Oncológica. Esse projeto conta com a ação protagonista do Instituto Nacional de Câncer (INCA) e com a participação direta e indireta do Governo Federal, das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, das universidades, dos serviços de saúde, dos centros de pesquisa, das organizações não governamentais e da sociedade de forma geral. Essa ação em conjunto de diferentes setores permitiu uma fonte de dados com base nas informações obtidas dos registros de câncer oriundas principalmente dos Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP), supervisionados pelo INCA/MS, e do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, centralizado nacionalmente pela Secretaria de Vigilância à Saúde (SVS/MS). O INCA, desde 1995, realiza e publica as estimativas de câncer para o Brasil, levando em conta as localizações primárias mais frequentes e desagregando-as por estados e capitais. A divulgação dessas informações, a partir de 2005, adquiriu periodicidade bienal. Este fato permite a obtenção ágil de informações de qualidade sobre a distribuição, incidência e mortalidade do câncer no Brasil (4) (5).

Embora a inclusão digital indique que no futuro todas as instituições de assistência médica e hospitalar contarão com um serviço informatizado e um sistema de banco de dados local, regional e nacional, infelizmente essa ainda não é a realidade na maioria das especialidades médicas e das instituições de saúde brasileiras. Centros de pesquisa mais profissionalizados e alguns hospitais já dispõem de prontuários informatizados em sua rotina, permitindo a criação de um banco de dados local e um rápido levantamento cruzando informações de indivíduos, patologias e tratamentos.

Sem dúvida, a disponibilidade deste tipo de recurso confere a estas instituições um diferencial competitivo no processo de seleção de centros de pesquisa, porém ainda existem excelentes bancos de dados de hospitais privados e seguradoras de saúde que são subutilizados. Muitas informações de doenças, tratamentos e custos não são utilizadas pelas próprias Instituições muitas vez por falta de conhecimento de como utilizar ou tratar tais informações.

Como ferramenta auxiliar no mapeamento da disponibilidade de captação de sujeitos de pesquisa, uma ação paralela pode ser realizada através da utilização de serviços de gerenciamento de banco de dados de sujeito de pesquisa (PMO - Patient Management Organization). Estas empresas podem oferecer bancos de dados próprios e serviço de identificação, triagem e captação de voluntários de acordo com as especificações dos critérios de seleção e exclusão de um determinado protocolo. O mercado brasileiro ainda possui potencial para a expansão desse setor, pois, ao contrario de outros países, este serviço ainda é muito pouco oferecido e utilizado no Brasil.

O Brasil conta, pelo menos em suas grandes cidades, com a existência de respeitáveis centros de pesquisa públicos e privados, que contam com uma infraestrutura de recursos humanos e físicos adequados para atender as exigências clínicas dentro de suas especialidades. A infraestrutura de serviços de apoio e logística é outro fator que deve ser avaliado em conjunto, pois desta depende o padrão de excelência das etapas envolvidas na execução dos estudos

clínicos.

A presença de escritórios locais das principais CROs e de uma razoável rede de prestadores de serviços envolvidos na pesquisa clínica é um fator facilitador para a realização de estudos multicêntricos no país. Neste aspecto o Brasil, pode ocupar uma posição diferenciada e de destaque na América Latina, porém a pouca oferta de laboratórios clínicos centrais nacionais, certificados e acreditados, originou uma segunda dificuldade para realização de pesquisas clínicas no Brasil.

A logística de envio de amostras para laboratórios centrais, principalmente fora do Brasil, é um item que demanda especial atenção em função de se tratar de material biológico, que requer cuidado diferenciado e agilidade suficiente para atender os prazos estabelecidos por uma terminada metodologia de um protocolo de estudo. Em um país com dimensões continentais como o Brasil, o envio de amostras biológicas para laboratórios centrais, mesmo que dentro do território nacional, necessita de uma infraestrutura de logística aérea e especializada suficiente para atender essa demanda. A necessidade de envio de amostras para laboratórios centrais fora do país, até mesmo em alguns estudos locais, aumenta custos, prazos e processos burocráticos, sendo que boa parte destes testes poderiam ser realizados no Brasil, caso existisse uma maior oferta destes serviços.

Quanto aos critérios qualidade do sistema de revisão / aprovação ética e agilidade do sistema regulatório local, se por um lado a existência de regulamentação especifica é favorável e confere controle, segurança e credibilidade aos estudos realizados no Brasil, por outro lado, os tempos regulatórios são muito mais demorados, o que muitas vezes inviabiliza a participação do Brasil em estudos multicêntricos internacionais. Nestes estudos, há a necessidade da inclusão simultânea de pacientes em todos os centros de pesquisa participantes e isto não se deve exclusivamente ao prazo de desenvolvimento do produto ou a inclusão competitiva entre centros de pesquisa, mas também devido à metodologia científica e estatística que requer a geração de resultados que são avaliados simultaneamente durante o percorrer do estudo.

Sem dúvida o maior gargalo para a realização de pesquisas clínicas no Brasil, sejam estas internacionais ou nacionais, ainda são os prazos para a avaliação e aprovação regulatória, além de dificuldades burocráticas para a importação de medicamentes experimentais e doação de equipamentos às instituições. No entanto, algumas medidas preventivas podem ser realizadas com o intuito de minimizar tais prazos regulatórios.

Existem pendências frequentes que podem ser prevenidas se o patrocinador for flexível e tiver conhecimento antecipado de tais exigências locais e de sua obrigatoriedade para a realização da pesquisa no Brasil. Questões como, justificativa metodológica e cientifica para o uso de placebo; fornecimento de medicação após o estudo (ou a justificativa científica da falta de segurança comprovada para o fornecimento de uma medicação ainda em estudo e não registrada no país); envio de material genético para fora do Brasil; seguro de pesquisa clínica com um responsável legal no Brasil; descrição detalhada do planejamento estatístico com ênfase na metodologia da randomização, cegamento e cálculo do tamanho da amostra; distribuição de preservativos e assistência contraceptiva durante o estudo; garantia de assistência durante o estudo (incluindo eventual acesso ao serviço de UTI), garantias de tratamento total de eventuais sequelas ou eventos adversos causados pelo estudo; justificativa cientifica para ausência do estudo no país de origem do patrocinador, adequação da apresentação do medicamento de estudo, entre outras questões, devem ser revisadas e discutidas com o patrocinador antes da submissão do estudo aos órgãos reguladores locais.

A realização de uma análise prévia do protocolo por especialistas locais pode antecipar prováveis pendências éticas e jurídicas. O dossiê regulatório necessita de customização e esclarecimentos de acordo com as exigências locais e complexidade do estudo. Sem dúvida isto exige um esforço e atenção inicial maior por parte do patrocinador, porém poderá ser mais vantajoso do que a simples submissão de dossiês padronizados que podem gerar dúvidas e pendências que serão os responsáveis por mais atrasos no processo de aprovação com um todo. Prever e esclarecer antecipadamente todos os possíveis questionamentos minimiza os desfavoráveis prazos regulatórios que deverão ser considerados no planejamento geral do estudo.

Esta revisão local pode diminuir os prazos de espera, pois onde se consome mais tempo no processo regulatório no Brasil é no tempo em que aguardamos o parecer dos órgãos regulatórios sobre as respostas às pendências geradas durante o decorrer do processo de avaliação ética e regulatória. O esclarecimento dos pontos mais críticos e recorrentes deste processo de aprovação já no protocolo e/ou no termo de consentimento e/ou dossiê de documentos do estudo, poderá não solucionar, mas encurtar o longo prazo de espera regulatória.

Para uma inserção competitiva de qualquer país em estudos clínicos internacionais, torna-se necessário não somente a adesão integral aos princípios de boas práticas clínicas (GCP / ICH), mas também o aperfeiçoamento e manutenção de recursos humanos especializados. Outros fatores são importantes como uma infraestrutura que comporte a demanda crescente, custos adequados com qualidade de serviços, rapidez na captação e recrutamento de sujeitos de pesquisa, desburocratização das aprovações jurídicas e contratuais das Instituições e agilidade do sistema ético e regulatório.

A realização de pesquisas clínicas no Brasil traz benefícios para o país, tais como, acesso a novas tecnologias necessárias às políticas de desenvolvimento e saúde; intercâmbio cientifico entre pesquisadores; capacitação e treinamento de recursos humanos; geração de empregos; investimentos; acesso de pacientes aos tratamentos de excelência e sobretudo informações mais precisas sobre o novo medicamento na população local; facilitando assim a tomada de decisão por parte das agências reguladoras quanto a segurança e eficácia necessárias para que o produto seja registrado no Brasil. Assim sendo, implementar as melhorias necessárias para que o sistema de aprovação ética e regulatória tenha qualidade com agilidade é do interesse da sociedade, do governo, dos pacientes e de todos os setores envolvidos sejam eles privados ou públicos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. http://www.centerwatch.com

2. Serasa Experian e Instituto Data Popular: Estudo Faces da Classe Média, 2013.

3. http://datasus.saude.gov.br/datasus

4. http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/inca/portal/home

5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância de Câncer. Estimativas 2008: Incidência de Câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA, 2007.

*Autor: Dr. Luis Lopez Martinez – Professor da Fundação Instituto de Administração (FIA). Gerente de Pesquisa do Núcleo de Apoio à Pesquisa Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

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