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O hospital fora do centro

Article-O hospital fora do centro

Mudança de perfil populacional desbanca modelo hospitalocêntrico; agentes do setor acreditam na descentralização, mas elencam grandes desafios

Terra não é o centro do universo como todos acreditavam até as descobertas de Galileu Galilei e Nicolau Copérnico. Salvo às devidas proporções, essa teoria permite uma analogia com o modelo ?hospitalocêntrico? vigente no sistema brasileiro de hoje, onde tudo, principalmente o paciente, está em torno do hospital. Tal modelo é condenado pelos agentes do setor e apontado como insustentável, por conta dos altos custos necessários para a operação do hospital e a pouca resolutividade de um fluxo que foca na doença e não na saúde, deixando para trás a tão necessária prevenção.
Essas condições atuais têm impactado diretamente a construção do Edifício Saúde deixando sempre como tendência, mesmo que a passos lentos, o desenho de um organismo estruturado em volta do paciente. Tais questões aparecem na pauta de novas construções, porém enfrentam como desafios uma rápida expansão hospitalar. Esse ?gap? entre um possível mundo ideal (descentralização) e o emergencial (acesso imediato) esteve entre as questões mais discutidas pelo IT Mídia Debate, que abordou ?Tendências e expectativas sobre as configurações do Edifício Saúde diante da desospitalização?, e reuniu o superintendente operacional do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Paulo Vasconcellos Bastian, o autor do livro ?Hospital Dia ? um modelo sustentável?, Newton Quadros, a diretora de Projetos da Kahn do Brasil, Carolina Botelho, o Superintendente de Atenção à Saúde da Unimed Vitória, Paulo Magno do Bem, e a arquiteta e consultora da L+M Gets, Iside Falzeta. Leia os principais trechos da discussão a seguir.
Em construção
O setor de saúde está em expansão e tais investimentos são impulsionados por uma demanda existente tanto na área pública quanto na privada. Basta analisar os últimos números sobre o assunto. Na primeira delas, o governo, por meio do programa ?Mais Médicos?, promete, até 2014, R$ 15 bilhões na expansão e na melhora da rede pública de saúde de todo o Brasil considerando unidades básicas, unidades de pronto atendimento e R$ 7,4 bilhões para construção de 818 hospitais, 601 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs 24h) e de 16 mil unidades básicas. Outros R$ 5,5 bilhões serão usados na construção, reforma e ampliação de unidades básicas e UPAs, além de R$ 2 bilhões para 14 hospitais universitários.
Já no segundo, a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) divulgou levantamento recente mostrando que, se o número de pessoas com plano de saúde crescer 2,1% ao ano, os hospitais precisarão de mais 13,7 mil leitos até 2016, ou o equivalente a R$ 4,3 bilhões em investimentos. A entidade também consultou 20 grupos hospitalares que disseram ter pretensão de abrir 4,3 mil novos leitos no período. Agora resta saber como essas construções acontecerão e até que ponto a ideia de descentralização estará na cabeça do gestor de saúde no momento da concretização desses investimentos.
?O que devemos tratar no Brasil tem a ver com a organização do sistema de saúde?, afirma Quadros, que também é presidente do Conselho de Administração do Hospital Baía Sul. Ao citar estatísticas dos Estados Unidos, o autor afirma que 70% dos procedimentos de baixa e média complexidade foram transferidos de hospitais para os Ambulatory Sugery Center, que hoje já são 5.300 unidades em todos os 50 estados dos EUA, e que essa mudança ocorreu sem a queda no número de leitos hospitalares. Segundo ele, ?é preciso entender o fenômeno que vai resultar nessa nova visão da arquitetura e gestão?.
Tal entendimento passa pela tecnologia e economia. No primeiro, avanços nas técnicas cirúrgicas e nas anestesias, que possibilitam o paciente ficar menos tempo internado e ter recuperação mais rápida. Já o segundo aponta um novo caminho para um sistema que tem se mostrado insustentável. ?Ou buscamos uma alternativa conjunta de viabilidade e sustentabilidade ou dificilmente estaremos juntos, aqui, em 10 ou 15 anos, pois a situação econômica está ruim para todos os players?, dispara.
O executivo defende como alternativa os hospitais dia - direcionados à procedimentos de média e baixa complexidade e cirurgias onde seja possível a recuperação de pacientes em um limite de 24 horas. No Brasil, o hospital dia ainda é tímido, não há mais de 10 a 15% de procedimentos realizados fora do ambiente hospitalar, enquanto em países como Espanha e Estados Unidos estão mais avançados. ?Esse fenômeno deve ser tratado pelos dirigentes de operadoras e hospitais, pois há o ponto estratégico: até quando se pode crescer na estrutura hospitalar? Eu trabalho em hospitais desde 1987 e questiono o gigantismo que alguns adotam como risco forte e eminente?, provoca.
A arquiteta Iside, da L+M Gets, acredita que a expansão dos hospitais ocorre pelo acesso emergencial demandado pela população, o que implica no aumento no número de leitos. ?Discordo sobre o ?gigantismo? dos hospitais, e acredito neles como solução para a saúde?, opina. O crescimento de mercado também é um fator apontado por ela: ?quem compra (plano de saúde) quer atendimento, isso tem relação com a oferta do produto: vendeu tem de entregar?.
Quadros cita os hospitais dia que conseguiram resolver, de certa forma, a equação pela demanda do atendimento. O hospital Baía Sul, em Florianópolis (SC) realiza, com investimento de R$ 11 milhões, 850 procedimentos cirúrgicos por mês em uma estrutura de 22 leitos, 6 salas cirúrgicas e 90 pessoas trabalhando. Outro exemplo é um hospital dia em Salvador (BA) onde são feitas 1.800 cirurgias/ mês em um espaço com 8 salas e 32 leitos. ?Do ponto de vista econômico e pelo tamanho do País com mais de 5 mil municípios, o poder público não consegue colocar hospitais de R$ 80 milhões ou R$ 100 milhões para atender essa demanda?.
Sustentabilidade Financeira
Se por um lado, o modelo hospitalocêntrico vigente na saúde brasileira parece insustentável diante dos desafios de custos e gestão, por outro os números mostram que faltam leitos. De acordo com levantamento da Anahp, no Brasil há cerca de 6.200 hospitais com aproximadamente 449 mil leitos. ?Enquanto nos Estados Unidos, onde há grande desospitalização, os números aproximados são de 5.700 hospitais para 923 mil leitos. Isso é, em média, 71 leitos por hospital aqui, enquanto lá são cerca 170 leitos?, cita o superintendente do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Paulo Bastian.
A média reflete a difícil gestão de hospitais de pequeno porte: ainda segundo o levantamento da entidade, nos últimos cinco anos cerca de 280 hospitais privados no País, parte deles com menos de 120 leitos, fecharam as portas. ?Para ter equilíbrio, as entidades precisam ter entre 120 e 150 leitos, com menos, costumam sofrer bastante para se sustentar?, analisa o executivo. ?Se compararmos os 300 milhões de habitantes lá e os 197 milhões aqui, a proporção (de leitos) deles é maior ainda que a nossa, mesmo com 70% de desospitalização?, completa.
Para o executivo, isso acontece nos Estados Unidos porque a cultura dos ambulatórios, day clinics, como já colocado por Quadros, está mais difundida por diversos fatores, entre eles a rede de atenção domiciliar estruturada. Assim, diante de uma necessidade imediata e uma cultura incipiente, o que tem ocorrido ultimamente é a expansão da rede hospitalar pública e privada, considerando, ou não, a descentralização do hospital: investe-se em unidades ?externas?, ou compra-se o terreno ao lado para ampliar o prédio central. O próprio Oswaldo Cruz faz parte dessas entidades em expansão: recentemente passou de 250 para 350 leitos.
Bastian endossa o que muitos gestores comprovam na pele: para se manter sustentáveis, ter qualidade e manter segurança, os hospitais devem ter um número de leitos adequados. ?Pode ser um hospital geral com áreas de especialidades ou hospitais de especialidades, o que daqui pra frente acho que vai acontecer bastante?, opina. Veja mais sobre a arquitetura de recentes centros especializados na página 36.
Perfil do paciente
A discussão sobre descentralização ganha força quando se coloca em jogo elementos como a relação da vida do paciente com a cidade onde mora. Em um lugar como São Paulo, com todos os problemas que uma metrópole pode oferecer, como trânsito e grandes distâncias, torna-se necessário pensar em unidades descentralizadas para procedimentos mais simples como o próprio Sistema Único de Saúde (SUS) já faz. ?Vemos hospitais no Brasil já descentralizando e tirando o atendimento ambulatorial, pois principalmente em São Paulo eles chegaram num ponto que não têm mais para onde crescer?, explica Carolina, da Kahn. Ela ainda aponta dificuldades como o preço do terreno na capital paulista. ?É possível colocar unidades externas nos bairros para atender, por exemplo, um paciente que tenha uma gripe ou algo mais simples?.
Para desenhar o edifício do futuro é fundamental considerar o crescimento da população de idosos e sua maior incidência de crônicos. ?Eles precisarão ir mais vezes a esses edifícios de saúde e com o deslocamento até unidades próximas, se descarrega o hospital e é mais fácil e rápido para eles?.
O Oswaldo Cruz já gere um edifício com demandas fomentadas pelo perfil de paciente citado pela executiva da Kahn. Na instituição, no centro da capital paulista, 60% dos pacientes têm mais de 60 anos de idade. Entre as especialidades atendidas está a área de atenção do idoso, com prevenção e acompanhamento. Uma das ações é, por exemplo, investir na rápida desospitalização deste paciente, considerando padrões de segurança e o quadro do doente, para que ele possa ser cuidado em casa ou em homecare. ?Isso tem demonstrado que é muito bom para a recuperação do paciente. Ele se sente melhor e sai do risco de uma eventual infecção dentro do hospital?, conta Bastian, acrescentando que, além disso, há também a questão de custos, onde a entidade trabalha para mitigá-los em parcerias com as operadoras.
A Unimed Vitória, representada por Paulo do Bem, também começou a fazer um trabalho parecido com o do Oswaldo Cruz, investindo em assistência domiciliar como forma de reduzir a desospitalização, diminuir custos e melhorar a saúde geral do paciente. O projeto começou em 2012 e envolve as unidades credenciadas e próprias, auditorias e a homecare da própria Unimed Vitória. ?Reduzimos em 50% o número de pacientes com longa permanência nos hospitais da rede?, conta o executivo.
Essa mudança do perfil do paciente tendo em vista o envelhecimento da população, que em alguns lugares já demostra sua força como no caso do Oswaldo Cruz, se soma à transição epidemiológica de doenças agudas para enfermidades crônicas e a um modelo de sistema fragmentado e, por isso, desconectado, sem a verdadeira gestão da saúde do paciente. ?Temos que falar em desospitalização, mas também em ?não hospitalização? e isso passa pelo redesenho e articulação de redes em diferentes níveis de atenção e, principalmente, ao modelo de incentivo e pagamento, pois o ?fee for service? induz ao excesso de procedimentos e internações?, analisa Magno do Bem.
Para ele, o recurso deveria ser alocado para qualidade e segurança e no modelo de atenção primária e ambulatorial. Nos Estados Unidos, por exemplo, há a discussão sobre transformar as organizações responsáveis pelos cuidados da saúde (Account Care Organization) do paciente desde a prevenção até a hospitalização. Ele acredita que isso deveria estar também na pauta dos gestores brasileiros. ?Esses prestadores têm de se tornar responsáveis desde a prevenção até os cuidados paliativos, claro que sendo remunerados adequadamente para isso, transferindo os recursos para as atividades que vão reduzir a necessidade de hospitalização?.
A arquiteta e consultora da L+M Gets, Iside Falzeta, concorda com Magno do Bem sobre a importância de, antes de tudo, discutir as redes de atenção à saúde, pois a corrida da população em direção aos hospitais tem sua justificativa. ?Desospitalização trata-se da discussão da rede e como ela está implantada no Brasil. Hoje existe a busca pelos hospitais porque nossos pronto-atendimentos não funcionam?, critica.
Solução em rede e falta de investimento
A exemplo do que já ocorre no SUS, o segmento privado está buscando, mesmo que em poucas iniciativas e de forma mais lenta, a descentralização do hospital por meio da organização em redes. Esse é um dos caminhos apontados pelos debatedores da mesa como tendência, apesar de todos concordarem sobre a coexistência do hospital direcionado à alta complexidade. ?O pensamento da descentralização já faz parte das políticas públicas na implantação de UPAS e UBS, pois essa é a única maneira que o governo tem para levar saúde a esses cerca de 5.600 municípios?, analisa Quadros. Esse conceito que está nas bases do sistema de saúde ajuda não só o desafogamento dos hospitais, mas também a construir um sistema menos custoso, uma vez que essas unidades menos complexas são mais baratas em comparação aos hospitais.
A Unimed Vitória está justamente investindo em redes. Há um piloto sendo desenvolvido com unidades focadas em atenção primária próximas ao hospital e um modelo de microssistema. O intuito é ter médicos generalistas que atuem na gestão da saúde do paciente evitando que ele precise chegar ao hospital ?Os primeiros meses mostram uma redução de consultas de pronto-socorro?, conta o executivo da cooperativa.
Pelo visto, o traço do edifício saúde promete sofrer grandes transformações, inclusive considerando um futuro com o avanço da gestão mista entre Organizações Sociais de Saúde e Parcerias Público Privadas (PPPs), novas entradas de capital (hoje ainda há barreiras para o capital estrangeiro em hospitais) e em relação ao papel do governo. ?Não tem sistema de saúde bom, onde o governo é financiador, regulador e prestador. Para oferecer o que o governo se propõe, ele tem de entender qual é o seu papel e acelerar a participação junto à iniciativa privada, senão não tem sistema de saúde eficiente?, opina o executivo da Unimed Vitória.
Mudança Cultural
A cultura do hospital parece estar arraigada na sociedade brasileira, seja pela forma como o sistema se construiu, pelos problemas de acesso ou até mesmo pela percepção de resolutividade do ambiente hospitalar. Bastian, do Oswaldo Cruz, sente a resistência quando a pauta é desospitalização. ?É a cultura do brasileiro, temos muita hotelaria e acolhimento. As famílias pagam um plano de saúde, por isso elas acham que tem de ficar no hospital?, conta. Magno do Bem, da Unimed Vitória, também compartilha da situação. ?Chegamos à conclusão que a desospitalização começa antes da internação, explicando para a família do paciente como será feito?.
Ao paciente cabe a educação e a percepção de que o hospital não é tudo e é possível, receber atendimento em estruturas mais simples. ?Temos de educar a população a ter uma dor de cabeça e ir a uma UPA e não a um hospital?, acredita Quadros.
O sucesso do hospital dia citado por Quadros não é unânime. Durante o debate Bastian lembrou do day clinic do Grupo Fleury em São Paulo, que tinha um movimento razoável, mas não parecia sustentável a longo prazo e acabou desfeito na época em que o grupo abriu capital. O Oswaldo Cruz tem um day clinic também na capital paulista que, segundo o executivo, ?anda devagar? e sente uma resistência dos médicos em fazer cirurgias nesses unidades.
Desafios na arquitetura do Edifício Saúde
Paciente no centro
? Unidades de oncologia já estão mudando o conceito do médico no centro. No MD Anderson Cancer Center (EUA), onde o paciente espera o médico ir até ele e não o contrário, há uma equipe multidisciplinar e não se expõe o paciente.
? Nos Estados Unidos, o Plantree já está mudando a realidade dos edifícios com o conceito de humanização e isso está chegando ao Brasil (O Albert Eistein foi pioneiro).
? Nos centros especializados de doenças crônicas, cada vez mais o centro vai ser do paciente e não do médico. ?O centro não vai ser mais da instituição ou do médico e sim do paciente, que vai todos os dias ao edifício saúde. Ele terá mais controle deste espaço no futuro?, prevê Carolina.
Comunidade
? O hospital não pode ser um incomôdo para a comunidade, ele é um edifício de saúde, tem de trazer melhorias para essa população. ?O desafio é projetar um centro de saúde que faça com que a população do entorno se sinta segura por estar ali?, diz Carolina. Fazer com que os pacientes sejam atendidos em seus próprios municípios e não obrigados a grandes deslocamentos.
Sustentabilidade e estrutura
? Flexibilidade de estrutura e uso sustentável de recursos. A construção civil ainda desperdiça muito fazendo e refazendo. ?O gestor precisa ser mais assertivo, buscamos cada vez mais detalhar e otimizar para ele não ter de fazer novas obras, esse é o papel do arquiteto, olhar o lado econômico também?, explica Iside.
? A tecnologia avançou rumo a procedimentos mais simples que tornam possível o modelo do hospital dia, mas também trouxe o desafio de estruturas hospitalares mais robustas para comportar uma sala híbrida por exemplo.