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O que há por trás do grande número de cesáreas no Brasil?

Article-O que há por trás do grande número de cesáreas no Brasil?

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Segundo critérios da OMS (Organização Mundial da Saúde), adotados em 1985, a taxa de cesáreas recomendada em um país é de 15%.

A justificativa, comprovada por estudos científicos, é de que acima desses níveis não foram encontradas reduções nos indicadores de mortalidade e morbidade nas mães e neonatos, podendo até ocorrer o inverso nessa situação. No Brasil, a taxa média atual é de 52%, sendo que na rede privada ela salta para 84%.

Com a nova resolução da ANS, os convênios e órgãos de saúde suplementar somente pagarão esses procedimentos cirúrgicos se comprovada a sua devida indicação, com partogramas e relatórios médicos detalhados. Além disso, deverá haver livre acesso das beneficiárias aos percentuais de cirurgias cesáreas e de partos normais, por operadora, por estabelecimento de saúde e por médico. Mas impor isso como regra é suficiente para melhorarmos os índices? Quais outros problemas envolvidos quando se trata de excesso de cesáreas? Vamos aos fatos.

Desafios da Prática Médica

A preferência dos médicos em indicar mais cesarianas está ligada não só a comodidade de tempo gasto com o procedimento – em média bem menor do que com partos normais – e possibilidade de agendamento. Com a dificuldade em encontrar leitos hospitalares em situações de emergência obstétrica, e ainda com a forte onda de judicialização da saúde no país, os profissionais acabam se convencendo dessa opção diante dos riscos de complicações no parto.

Além disso, é preciso atenção ao expor percentuais de cesáreas de cada serviço e médico. Há hospitais de alta complexidade que lidam com gestantes de alto risco e, logo, podem ter índices acima dos 15%, trazendo a falsa impressão de que existe algo errado. É preciso dar contexto a esses dados.

Também relevante é a questão da remuneração dos médicos. Tanto no sistema público como no privado, os valores pagos para partos normais ou cesáreos são bastante semelhantes. Ou seja, se o médico trabalha 12 horas em um parto normal, ou 3 horas em uma cesárea, os ganhos são equivalentes. Uma remuneração diferente para cada caso é reivindicação de muitos desses profissionais.

Saúde Materna e Cultura

Embora o acesso à atenção pré-natal seja praticamente universal, segundo a pesquisa “Nascer no Brasil”, da Fiocruz, cerca de 60% das gestantes iniciam o acompanhamento tardiamente, após a 12ª semana gestacional. Além disso, cerca de um quarto das gestantes do estudo não receberam o número mínimo de 6 consultas, recomendado pelo Ministério da Saúde. Há aqui um importante ponto em que são necessários avanços.

Outra questão é o esclarecimento das mães brasileiras sobre o parto normal. Segundo dados da pesquisa da Fiocruz, um terço das mulheres que optaram por cesariana desde o início da gestação o fizeram por medo da dor do parto normal, que, em verdade, é evitável com anestesia. Fato também curioso é que 70% das mulheres pesquisadas desejava um parto vaginal no início na gravidez. Contudo, poucas foram apoiadas nessa decisão. Uma das hipóteses para a mudança de ideia ao longo da gestação seria o tipo de orientação recebida no pré-natal.

Confrontadas com a realidade, mesmo as esclarecidas encontram dificuldade quando há desejo e possibilidade de parto vaginal. Como é natural, esses partos não têm hora marcada para ocorrer. Com isso, mães que procuram assistência na iminência do parto nem sempre encontram, seja no sistema público ou privado, a estrutura adequada – com frequência faltam anestesistas –, gerando uma verdadeira peregrinação por hospitais, até que se encontre um local adequado. Isso aumenta riscos de complicações para mãe e bebê e, no caso do SUS, fere a lei 11.634, que prevê a vinculação, ainda no pré-natal, da gestante à maternidade onde será realizado o parto.

De olho na questão cultural, pequenas atitudes vêm surgindo para auxiliar na conscientização. Recentemente a Artemis – entidade de defesa dos direitos das mulheres – lançou o app Parto Humanizado, que busca levar às mulheres informações a respeito das diferenças entre os tipos de parto, critérios para realização de cesárea e casos de violência obstétrica, oferecendo até formas de denúncia de abusos.

Custos

Os impactos de altas taxas de partos cesáreos não se limitam somente à saúde das gestantes e de seus filhos, mas também afetam todo o sistema. Em 2006, estimou-se que no Brasil cerca de 560 mil cesarianas consideradas desnecessárias foram realizadas, provocando um desperdício de quase R$ 84 milhões. Vale lembrar que nas cesáreas, custos ligados à ocupação de leitos hospitalares e eventuais complicações do procedimento, que podem envolver internações em UTIs e UTIs neonatais, precisam ser levados em conta.

Tratando-se de proporções mundiais, o problema persiste. Segundo relatório de 2010 da OMS, a respeito dos custos de cesáreas necessárias e desnecessárias, foram realizadas cerca de 6.2 milhões de cesáreas dispensáveis globalmente, representando – quando considerados apenas os procedimentos em si – um custo de U$S 2.32 bilhões. O estudo mostra que, com U$S 432 milhões, seria possível bancar as cerca de 3.2 milhões de cesáreas de que regiões menos assistidas do planeta necessitam.

O relatório traz ainda que os gastos desnecessários acompanham o padrão de desigualdade na saúde. Nas nações mais bem estruturadas, há maior tendência em haver uso desnecessário de recursos com cesáreas e outros procedimentos de alguma complexidade. Com os dados acima, vemos que é sim problemático ter índices elevados de cesáreas se a intenção é prover acesso universal à saúde.

O que dizer do futuro?

É evidente que o país precisa reduzir o número de partos cesáreos. Todavia, a resolução da ANS, embora possa gerar alguma mudança nas estatísticas atuais, por si só não deve resolver o problema. Como já mostrado, o tema é complexo e passa por questões estruturais, remuneração, cultura e judicialização, para ficar em alguns pontos. Medidas que não sejam mais abrangentes, sem envolver boa parte disso, são, como já sabemos, apenas paliativos.

Problemas como esse exigem consenso e discussões profundas entre todas as partes da saúde. Culpar apenas um setor como o responsável pelas falhas, como a mídia vem fazendo com os médicos, e muitos médicos fazem com os agentes de saúde pública e suplementar, é um equívoco: todos temos a nossa parcela de culpa. Fica a torcida para que haja mais diálogo e entendimento entre políticos, gestores e profissionais.

E você, o que tem achado disso? Comente e participe!