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Porque o Brasil testa tão pouco?

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O Brasil já contabiliza 37.359 mil mortes pela Covid-19. Números oficiais dizem que existem milhares de casos em território nacional. Contudo, estudos apontam que a situação é ainda pior, com cerca de 7 vezes mais casos do que o reportado, chegando a quase 5 milhões de pessoas infectadas, na projeção de hoje.

De fato, testar a população é única maneira de se descobrir exatamente a dimensão do problema. Junto com o isolamento social, a testagem está na base do que a OMS recomenda para tentar frear a disseminação do vírus e rastrear a contaminação. Dito isso e somando o fato de que o Brasil tem um dos piores índices de testagem do mundo, deve-se entender: porque estamos enfrentando tanta dificuldade na realização dos exames?

“No mercado privado, poucos laboratórios eram capazes de realizar o teste, por capacidade instalada e capacidade de desenvolvimento, pois o teste inicialmente não tinha versão comercial em kits. Além disso, enfrentou-se dificuldade de importação, principalmente pela burocracia e piorada pela competição por insumos em um momento em que o mundo inteiro estava demandando por testes. No público, apesar das redes de Lacens descentralizadas e, a princípio, equipada para realização dos testes, houve dificuldade na disponibilização de insumos, além dos entraves do processo licitatório” explica Lídia Abdalla, Presidente do Grupo Sabin Medicina Diagnóstica.

Emerson Gasparetto, vice-presidente da área médica da Dasa opina que a limitação nos testes não significa uma falha. “Estamos concorrendo com o mundo inteiro pelos mesmos insumos. Há uma competição global pesada nesse mercado. Recentemente, uma empresa britânica divulgou que iria começar a produzir 400 milhões de doses de vacina até setembro e que 300 milhões já haviam sido vendidas para os EUA. Então há uma competição enorme no mercado e todos os países interessados nos mesmos produtos. Fretamos aviões para trazer reagentes e kits da Europa, dos Estados Unidos e da China, essa foi a nossa maior sensibilidade.”

Como decorrência da baixa testagem, a subnotificação, especialmente de infectados, gera uma discrepância entre os dados apresentados e a realidade. Até a data na qual era contabilizado somente os exames do tipo PCR, o Brasil realizou 871,8 mil testes para o coronavírus, afirmou o Ministério da Saúde em 26/05. Os laboratórios públicos foram responsáveis por 460,1 mil testes realizados e os cinco grandes laboratórios particulares, pelos outros 411,7 mil.

Na sexta-feira (29/05) o país tinha uma taxa de testagem de 4,4 exames/milhão de habitantes. Nos Estados Unidos, o índice é de 59,1 testes por milhão de habitantes. Na Itália, 66,9. Peru e Chile superam 30 mil testes por milhão de habitantes. Sobre a realidade de repasse de exames versus o praticado, na última apuração em 21/05, o Ministério da Saúde já havia entregado 8,4 milhões de testes, entre moleculares e sorológicos, para os estados. Isso representa cerca de 18% da meta inicial. Especificamente para o tipo PCR, foram distribuídos 3 milhões de unidades, das 24 milhões que haviam como objetivo.

Além da testagem insuficiente para pacientes que apresentam sintomas claros da Covid-19, recentes descobertas mostram que hospitais têm cada vez mais recebido pacientes com problemas cardíacos ou renais decorrentes da doença, que também não são testados. Então é provável que uma quantidade de casos que aparentemente são por infarto ou por acidente vascular cerebral (AVC), sejam na verdade ocasionados pela Covid-19.

Até o momento, a estratégia adotada pelo Brasil vem sendo a de amostragem epidemiológica, através do projeto EPICOVID19-BR, para se estimar a população infectada no país. Isso se deve principalmente pela já citada falta de testes disponível e pelo perfil alto de assintomáticos inerente da doença. A pesquisa é o maior estudo populacional sobre o coronavírus no Brasil, financiado pelo Ministério da Saúde e coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da UFPel.

A primeira fase, realizada entre 14 e 21 de maio, em 90 cidades do país, mostrou que os casos de Covid-19 são 7 vezes maior do que os dados oficiais. Apenas na cidade mais populosa do Brasil, São Paulo, estimou-se que 380 mil moradores da capital paulista tenham anticorpos contra o coronavírus, ou seja, 3,1% dos moradores. Isso é mais do que dados oficiais apontavam no momento em todo o país (376.669 em 25 de maio). Com a projeção, atualizada para a data de hoje, o total estimado de casos no Brasil chegaria a quase 5 milhões. A segunda fase do estudo ocorreu entre 4 a 6 de junho, ainda sem dados divulgados.

A testagem em massa, direção adotada por muitos países afetados pelo coronavírus, ainda não foi empregada pelo Brasil. Nas palavras do cientista Atila Iamarino, conhecido atualmente por facilitar a compreensão do que é a Covid-19 no Youtube, os países estão em um quarto escuro. Para aqueles que adotam a testagem massiva, incluindo os assintomáticos, existe uma lanterna que se aponta para qualquer lugar que queira. Enquanto isso, para os que não adotam e testam majoritariamente os sintomáticos, como o Brasil, o instrumento que dá informações sobre o quarto escuro é a vela, onde só se enxerga aquilo que vem até você.

“A testagem massiva tem um papel relevante, sobretudo para a retomada da economia, da vida social, mas o Brasil ainda não está nesse momento da pandemia. Ainda precisamos cumprir outras demandas antes de seguir com a testagem em massa, como: transmissão controlada e garantia de isolamento de casos suspeitos e em contatos com positivos para COVID. Somos um país continental, com disparidades sociais que impactam fortemente nesse processo. Quando atingirmos o platô e tivermos bem definidas as medidas de distanciamento em espaços de grande convivência (escolas, empresas) podemos pensar em testar toda a população, agora ainda é cedo.” explica Emerson Gasparetto sobre um cenário mais realista para o uso prático de recursos.

Em uma perspectiva objetiva, a testagem tem a finalidade de orientar decisões baseadas em dados, sejam estas referentes ao próprio setor de saúde, como o retrato da população frente a pandemia e distribuição de recursos ou referentes à outros setores, como encerramento da quarentena e “volta” da economia. O ponto importante dessa discussão é entender as ferramentas, estratégias e tempos de ação. Claro, combinado com ações que tornem os fluxos lógicos. Não há significância em fazer testes para se olhar pelo retrovisor, muito menos ter os dados e ignorá-los nas deliberações.

Não há dúvidas sobre as consequencias que teremos para a saúde em termos de relevância e aceleração digital. Jeane Tsutsui, diretora executiva de Negócios do Grupo Fleury, observa que a Covid-19 colocou em evidência o papel da medicina diagnóstica para o sistema de saúde.

“É com ajuda dela que o médico estabelece a melhor conduta clínica para cuidar dos seus pacientes. A adequação da utilização dos recursos é fundamental, garantindo maior sustentabilidade do sistema. O uso intenso de tecnologia já é uma realidade, aproximando o médico do seu paciente, ajudando as pessoas a cuidarem de sua saúde, integrando informações e otimizando recursos. A telemedicina, por exemplo, demonstra a força da combinação do conhecimento médico com a tecnologia. Estamos vivendo uma situação que é um divisor de águas na saúde brasileira nesse momento. A doença precisa dar espaço para a saúde. A palavra prevenção passou a ter um significado real, um processo que já vinha ocorrendo, mas que ganhou força com a pandemia. Acredito que essas mudanças em comportamento, utilização de tecnologias e valorização da saúde devem contribuir para um futuro melhor para toda a sociedade brasileira.”