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Pesquisadores do Brasil e EUA desenvolvem sistema para monitorar doenças em animais silvestres

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Objetivo é tentar barrar o que se chama de spillover -- a migração de patógenos dos animais para os humanos e vice-versa, que pode resultar em novas pandemias.

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Yale estão realizando um projeto conjunto para desenvolver um sistema capaz de monitorar doenças em animais a distância. A iniciativa, idealizada pela professora Maristela Martins de Camargo, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, visa identificar e monitorar patógenos que possam originar novas pandemias em um contexto em que diversas doenças estão eclodindo ou se acentuando devido à ação predatória do meio ambiente e à crise climática.

“Alguns patógenos, com destaque para os vírus, sofrem mutações que permitem "pular" de uma espécie para outra. Porque é a forma que eles encontram para se adaptar a novos organismos. Foi isso que aconteceu com o coronavírus da Covid-19. Daí a urgência de termos um sistema de monitoramento efetivo dos patógenos que estão em circulação”, explica Camargo.

O projeto recebeu aporte de 80 mil dólares, oriundos do programa Planetary Solutions da Universidade de Yale. Com o recurso, será desenvolvido um dispositivo para captar e armazenar amostras da saliva dos animais, a distância e de forma automática, para posterior sequenciamento dos micróbios presentes nas amostras. Numa fase mais avançada do desenvolvimento do dispositivo, pretende-se embarcar alguns testes rápidos cujo resultado será fotografado pelo dispositivo e transmitido por Wi-Fi ou via satélite para que os cientistas possam monitorar patógenos em tempo quase real. Os dados serão armazenados em uma plataforma para que diversos cientistas que integram o grupo e outros interessados possam produzir modelos estatísticos cruzando com dados obtidos por satélites (sobre movimentos de migrações humanas e animais e mudanças climáticas), detectando assim quando uma doença está se alastrando e como isso se relaciona com o ecossistema da região.

Mecanismos de coleta -- Os professores João do Carmo, da Escola de Engenharia da USP de São Carlos, e Aaron Dollar, da Universidade de Yale, estão desenvolvendo os mecanismos para a coleta das amostras. “Ele será composto por um sensor que ativa o aparelho e expõe um filtro de papel quando o animal se aproxima. Por causa da presença de feromônios ou aromas que atraiam a espécie que se deseja monitorar, o animal será induzido a lamber esse filtro e assim faremos a coleta. Esse filtro ficará armazenado dentro do aparelho e um filtro novo será colocado no lugar dele para o próximo animal”, explica Camargo.

Já o laboratório do ICB-USP vem trabalhando em maneiras de conservar as amostras. “Estamos desenvolvendo maneiras de conservar o DNA da saliva dos animais em temperaturas extremas [para utilização em florestas tropicais, savanas, desertos etc.] e um teste que detecta as imunoglobulinas IgA, porque é um anticorpo abundante na saliva e que aponta de forma indireta os níveis de estresse crônico do animal”.

Outros aspectos da pesquisa, como modelagem de dados, epidemiologia e ecologia, serão estudados por uma equipe multidisciplinar da Universidade de Yale. Espera-se que o auxílio recebido da Universidade de Yale seja suficiente para a produção de um protótipo que será testado no Parque Zoológico Nacional do Instituto Smithsonian, situado na cidade de Washington, dos Estados Unidos. “No Smithsonian, iremos fazer, por exemplo, testes com gorilas, porque eles têm muitas similaridades com os humanos, sendo também afetados por surtos de Covid-19 entre outros, e por serem muito fortes, o que irá atestar a resistência do protótipo”.

Toda essa gama de pesquisas contribuirá para se chegar ao objetivo final, que é introduzir o aparelho na natureza, em locais não habitados por humanos. “Já temos planos para instalar o aparelho em uma fazenda no Mato Grosso, que realiza o monitoramento de antas, e em postos do Smithsonian no Quênia, Ruanda e em demais locais espalhados pelo mundo”.

Risco cada vez maior - A crise ambiental tem aumentado as oportunidades de transferência de doenças entre animais e humanos. Uma delas se dá com a adaptação de patógenos a novos ambientes. “Vetores de vírus e bactérias, como mosquitos e carrapatos, estão se movendo para novos locais com o aumento das temperaturas. Já tivemos, por exemplo, um pequeno surto de malária na Suécia e carrapatos contendo patógenos foram encontrados no Círculo Ártico”, conta Camargo.

Além disso, a migração humana, ocasionada por guerras, secas ou desastres naturais, entre outros fatores relacionados à segurança e à fome, é também um risco. “Em boa parte dos casos, essa migração ocorre de maneira desordenada. Assim, muitas vezes os migrantes têm de atravessar florestas ou savanas e acabam tendo contato com grupos de animais silvestres, como leões e macacos, podendo gerar uma contaminação mútua”.

A fome é um fator que leva a uma outra problemática: a caça. “Com a fome, muitas vezes as pessoas são obrigadas a caçar o próprio alimento. E, via de regra, o animal caçado é o mais frágil da manada, ou seja, o que tem mais chances de estar doente.” O mesmo vale para quem caça por esporte, algo comum nos Estados Unidos. “Por mais que alguns animais não se contaminem com patógenos levados pelos humanos, eles podem transmitir diversas doenças. Nos Estados Unidos, veados se tornaram reservatórios do SARS-CoV-2 e pelo contato direto durante a caça, podem vir a transmitir o vírus de volta para os humanos.

Isso é um problema de saúde pública pois ao se adaptar a outro animal e então retornar ao humano, o vírus pode se tornar uma nova variante. “Parece que é o que aconteceu com a variante Ômicron, que passou dos humanos para um animal silvestre, sofreu mutações para se adaptar e então retornou aos humanos, com um padrão de infecção e doença bastante diferente do vírus inicial da pandemia”.

O projeto está aberto para participação de novos pesquisadores, tanto no Brasil como nos EUA. Confira aqui os anúncios das vagas.