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“Alô! queria um algoritmo de alzheimer e dois de sepse. Aceita cartão?”

Article-“Alô! queria um algoritmo de alzheimer e dois de sepse. Aceita cartão?”

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Bem-vindo ao varejo dos algoritmos de saúde!

“O mundo é dos espertos”. Não, “o mundo é dos algoritmos”. Se você não entendeu essa expressão é porque não percebeu que o mais sólido instrumento de ‘competição clínica’ desta primeira metade de século são as máquinas algorítmicas de inteligência artificial. Simples assim. Não tenha medo da palavra ‘competição’ no seio da cadeia de saúde. Ela não existe somente para confrontar outro player do setor, mas, principalmente, para afrontar as doenças.

Algoritmos são conjuntos de instruções organizadas para realizar tarefas específicas e sistemáticas. Eles existem para facilitar, legitimar, mediar e reduzir as tarefas humanas repetitivas e com potencial errático. Machine Learning, por sua vez, é um sistema computacional que pode modificar o seu próprio comportamento, autonomamente, tendo como base os algoritmos que o compõem. Nesse sentido, vem crescendo a ‘indústria de algoritmos’, também chamada de “machine learning factories”, ou “usinas de inteligência artificial”. São fabricas de software centradas no desenvolvimento e empacotamento de soluções algorítmicas, um negócio de bilhões de dólares. Milhares de companhias ao redor do mundo passaram a terceirizar suas aplicações forjadas em machine learning operations (MLOps), comprando no varejo ou no atacado modelos de inteligência artificial ‘on-demand’. Essas fabricas utilizam recursos da ciência de dados, inputs das equipes de produção e a expertise de TI para gerar ferramentas inteligentes capazes de efetuar serialmente procedimentos produtivos. Por detrás de todos esses mecanismos está uma ‘quase-ciência’ conhecida como inteligência artificial (IA), que nada mais é do que uma constelação de tecnologias e algoritmos associados cujo alvo é empoderar máquinas computacionais.

A internet é hoje orquestrada por algoritmos. Se é possível cria-los a partir de uma base analítica e matemática, é possível também desenvolvê-los em escala, sendo produzidos hoje por um exército de engenheiros de software que transformam em rotinas eletrônicas aquilo que um cientista ou engenheiro idealizou. Milhares de startups ao redor do mundo utilizam cada vez mais essa ‘indústria de algoritmos’ para impulsionar seus negócios. Um exemplo no Brasil é o Centro de Excelência em Analytics (CEA), lançado em abril de 2021 pelo Boa Vista (um bureau nacional de informações creditícias). “Temos recursos de inteligência artificial, machine learning e técnicas de modelagem que permitem ‘industrializar as variáveis’ usadas nos algoritmos. Conseguimos produzir soluções em uma semana, e vamos entregar mais de 52 novas famílias de algoritmos até o fim de 2021”, explica Elmer Dotti, diretor do CEA. Embora o foco da empresa seja empoderar o próprio negócio da Boa Vista, a mecânica é a mesma: transformar análises matemáticas e científicas em algoritmos de prestação de serviços. Outro exemplo ocorreu um julho último, quando a DataRobot adquiriu a Algorithmia, uma provedora de algoritmização com mais de 130 mil operações em machine learning (ML), incluindo clientes como Merck, Ernst & Young e Deloitte. No mesmo dia da transação a DataRobot foi avaliada US$ 6,3 bilhões, o dobro de seu valor antes da operação, espelhando a emergência e potência da terceirização algorítmica.

No segmento de Saúde, a velocidade do desenvolvimento de ML cresce na trilha pandêmica. A maioria dos ‘algoritmos clínicos’ são desenvolvidos usando dados de EHRs, coletados em determinadas condições e com procedimentos consagrados pela comunidade médica. São projetados para apoiar a tomada de decisão e pensados para orientar terapias, orientações farmacológicas e diagnóstico, como, por exemplo, examinar uma radiografia toráxica em segundos para identificar se existem sinais pneumológicos. Recentemente o Google fez um acordo para acesso aos registros de pacientes do HCA Healthcare, uma rede que opera 181 hospitais e mais de 2 mil centros de saúde em 21 estados (EUA). O Google armazenará dados anônimos dos EHRs e de dispositivos médicos (cerca de 30 milhões de interações com pacientes por ano), que serão usados ​​para construir uma nova geração de plataformas algorítmicas que auxiliem as decisões médicas. De maneira geral, os grandes hospitais vêm oferecendo aos gigantes de tecnologia (Microsoft, IBM, Amazon, etc.) acesso aos registros médicos detalhados, obtendo em troca máquinas algorítmicas com enorme capacidade de propelir as medicinas de prevenção, predição e personalização, sem falar na gestão miúda da administração hospitalar, que em menos de uma década deverá ser totalmente orientada por IA. Afinal, se um algoritmo já é capaz de prever Alzheimer através da escrita, porque vários deles não podem administrar o BackOffice de um hospital com 50 mil atendimentos/mês. 

Os exemplos mais avançados do poder algorítmico vêm obviamente do setor financeiro. O Bank of America, fundado em 1924, emprega 209 mil pessoas para atender a 67 milhões de clientes. Já o Ant Group, uma empresa fundada em 2014, que conta com 9 mil funcionários, fornece uma escala maior de serviços financeiros que atingem seus mais de 700 milhões de clientes. Qual a diferença entre as duas provedoras de serviços: o Ant conta com ajuda de uma densa fábrica de algoritmos inteligentes. No ecossistema da Saúde já ocorre o mesmo: foi um algoritmo da BlueDot, empresa que utiliza aprendizado de máquina para prever a propagação de doenças infecciosas, que identificou em dezembro de 2019 uma possibilidade epidêmica, enviando e-mail às organizações de saúde e companhias aéreas alertando para que evitassem a região de Wuhan, na China, mais tarde confirmada como o epicentro da Covid-19.

As principais máquinas de inteligência artificial na Saúde utilizam algoritmos de aprendizado de máquina. Modelos estatísticos, matemáticos e computacionais se transformam em algoritmos que compõem o cerne das aplicações de digital health para suporte clínico. Outrora essas aplicações eram desenvolvidas dentro de cada provedora de serviço, ou nas plantas manufatureiras de produtos farmacológicos, por exemplo. Hoje, grande parte desse desenvolvimento é terceirizado, utilizando as machine learning factories para desenvolver ad-hoc eixos que sustentam as operações do setor. Um “fábrica de algoritmos” recebe dados obtidos de fontes internas e externas, automatiza as rotinas procedurais, cria algoritmos, os transforma em aprendizado de máquina, que passam a produzir tarefas específicas. Em muitos casos, como no diagnóstico e tratamento de doenças, essas máquinas inteligentes fazem previsões e predições que ajudam os médicos a tomar decisões. Em outros casos, as máquinas simplesmente automatizam tarefas com pouca ou nenhuma intervenção humana.

Players do setor de ‘construção algorítmica’ atuam em todas as partes do mundo. A Índia, por exemplo, possui hoje mais de 400 empresas centradas no desenvolvimento de estruturas algorítmicas, provendo serviços terceirizados para mais de 30 mil startups em todo o mundo. A Talentica é um exemplo de companhia que propele as startups que terceirizam com ela suas plataformas de inteligência artificial. Profunda conhecedora de blockchain e machine learning, a empresa apoia os clientes transformando ideias, roteiros, protocolos e instruções científicas em máquinas inteligentes. Seu mote é “We are Startup Experts” e sua estrutura algorítmica está por detrás, por exemplo, da californiana Opera Mediaworks, uma plataforma de publicidade móvel que permite aos anunciantes melhorar a eficiência da publicidade e a monetização de seus negócios. A plataforma da Talentica suporta a Opera “segurando” a organização publicitária de 18 mil sites e aplicativos, gerenciando mais de 8 bilhões de solicitações diárias de anúncios (veja o Case aqui).

Mas é no setor de Saúde que as ‘algorithm factories’ avançam de forma exponencial.  A também indiana CronJ, por exemplo, é uma usina algorítmica capaz de turbinar a norte-americana Mend Together, que atua com pessoas que sofrem de câncer. Quando seus entes queridos se sentem desamparados, a plataforma ecumeniza’ a solidariedade dos amigos e familiares que desejam apoiar com recursos financeiros, mensagens, cuidados profissionais e conforto, gerando uma rede de auxílio de extrema relevância. Um conjunto de ferramentas e algoritmos desenvolvidos pela CronJ permitiu o projeto da startup, criando uma interface inteligente capaz de registrar e gerenciar produtos, serviços e fundos. A britânica Unicsoft é outra fábrica de inteligência artificial a serviço de aplicações sanitárias. Entre seus trabalhos está a terceirização do aprendizado de máquina da Octagon Medical Practice, uma rede de clínicas no Reino Unido com mais de 100 mil pacientes, que utiliza uma plataforma criada pela Unicsoft para ensinar os pacientes a se ajudarem mutuamente, reduzindo o número de consultas hospitalares presenciais. Os algoritmos fornecem instruções sobre como identificar os sintomas de doenças graves, ajudando a si mesmos e aos outros de acordo com instruções da Octagon. A Unicsoft é uma das provedoras de inteligência artificial mais premiadas do mundo.

Fabricas de softwares inteligentes de todos os portes, sediadas em diferentes regiões do mundo, produzem hoje mais de 30% de todas as máquinas algorítmicas em funcionamento no planeta. Na área da Saúde, estão em todas as esquinas do mundo, como a BlockchainLabs.ai ou a Codemonday na Tailândia; ou as AprioritLexunit Wozifysediadas na Hungria; ou uma enorme quantidade de ‘algorítmicas’ que não tem mais pátria, nem país de origem, com proprietários espalhados pelo globo, tracionadas por centenas de fundos de investimentos, provendo plataformas inteligentes para todas as cadeias de saúde, como, por exemplo: DeeperInsightsTooplooxMobidevQuantumobileIntelliasInData LabsAndPlusBelitsoftQuytech e milhares de outras. Vamos solicitar algoritmos e sua ‘funilaria computacional’ (machine learning) por delivery. Poderemos sedimentar ideias diagnósticas, mecanismos terapêuticos e rotinas clínicas hospitalares fazendo uso dessas fabricas. Qualquer startup poderá competir com as grandes levando suas ideias distorcidas e desproporcionais para que essas usinas reformem, condenem ou transformem em produtos competitivos. Da mesma forma, os grandes healthcare providers também poderão reciclar seu ferramental clínico-operacional, ‘inteligenciar’ seus legados sistêmicos e descolapsar suas áreas abarrotadas de ‘máquinas insipientes de atendimento’. Não é um novo mundo, ou uma nova era, é simplesmente um novo setor que vai expandir nossa capacidade de ser criativo e produtivo dentro do ambiente de assistência clínica. Nossa inteligência precisou de “artificialidade” para tornar-se mais efetiva e suportar as demandas da saúde. Nosso senso de praticidade está usando o arsenal do aprendizado de máquina para dar saltos que outrora levariam anos, décadas para serem alcançados. O algoritmo não é uma abstração matemática, ou um neologismo de ocasião, mas é a nossa inteligência em ‘modo-funcionalidade’. Como sintetizou o cientista canadense Brian Kernighan: “...um algoritmo é somente um facilitador, capaz de fazer um robô-cozinheiro preparar um ano de refeições para um exército enquanto ele está sob intenso ataque inimigo”.

 

Guilherme S. Hummel

Scientific Coordinator Hospitalar Hub

Head Mentor – EMI (eHealth Mentor Institute)

 

* Participe da Sessão do dia 19/08 da Digital Journey, onde o tema será também abordado.

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