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Combatendo a Covid-19 com álcool-gel e algoritmos

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Combatendo a Covid-19 com álcool-gel e algoritmos
As vantagens de viver num mundo com AI

Plataformas de Artificial Intelligence (AI) conhecem o coronavírus como ninguém: em 31 de dezembro de 2019 a startup BlueDot identificou o surto de Wuhan algumas horas após o diagnóstico das autoridades locais. Confirmados os dados, a empresa informou seus clientes no mesmo dia, uma semana antes das organizações de saúde chinesas e demais entidades internacionais anunciarem o surto. Seu sistema de inteligência artificial é capaz de analisar bilhões de dados em tempo real, como itinerários de voos, relatórios governamentais, informes de agencias de saúde, proclamações de doenças em animais e vegetais e mais 10 mil fontes oficiais e midiáticas. Paralelamente, sua base de dados epidemiológicos, com mais de 100 doenças infecciosas, confronta rapidamente possibilidades e probabilidades dentro da plataforma de AI prevendo quando e onde pode ocorrer um surto, reduzindo o tempo de avaliação de risco de semanas para segundos. A BlueDot alertou seus clientes sobre a recente epidemia de Covid-19 nove dias antes da Organização Mundial de Saúde emitir sua declaração pública. O médico infectologista Kamran Khan, fundador e CEO da BlueDot, passou a ser uma das mais importantes referencias no mundo da tecnologia preditiva

Se na predição epidêmica as plataformas em AI fazem a diferença, no complexo universo do diagnóstico clínico sua influência não é menor. A israelense Nanox, por exemplo, desenvolveu um sistema móvel inteligente de raios-X, capaz de diagnosticar precocemente diferentes tipos de infecção. O Nanox System incorpora um colossal banco de dados de imagens radiológicas (laudos, revisões, pesquisas, etc.) que sua plataforma de AI encadeia e avalia até chegar a um diagnóstico precoce. Uma estação de raios X será instalada em locais públicos, como aeroportos, estações de trem, portos, ou em qualquer outro lugar com grandes grupos de pessoas, objetivando extrair dados radiológicos anonimizados. A principal força de AI está na sua capacidade de detectar condições críticas instantaneamente, o que avaliações antecipadas como do Nanox poderão sustentar. Mil sistemas varrendo 100 pessoas por dia se traduz em 100 mil varreduras, que precisam ser processadas diariamente por uma legião de profissionais. Não há hoje capacidade humana disponível para analisar essa massa de informações com velocidade e eficiência, principalmente em ocasiões pandêmicas. Na detecção e diagnóstico de surtos epidêmicos, as máquinas podem ser treinadas para processar imensas quantidades de dados, tal qual um humano, mas com uma diferença: elas podem fazer isso o tempo todo, incansavelmente, com uma velocidade exponencial, tornando o processo escalável, oportuno e eficiente. 

A Insilico Medicine, baseada em Hong Kong, traz outro bom exemplo de eficiência analítica artificial. Sua poderosa máquina de ‘costurar’ dados através de deep learning (GENTRL), foi capaz de encontrar seis tratamentos promissores para fibrose em apenas 21 dias, um dos quais mostrou resultados promissores com ratos (pesquisa publicada na Nature Biotechnology). Na aceleração do desenvolvimento de drogas, AI e seus subníveis, como, machine learning, neural networks e deep learning, passou a ser imbatível: sem essas ferramentas o desenvolvimento de drogas passou a ser um “puzzle de 100 mil encaixes”. Antes de sua introdução na indústria farmacêutica, testar protótipos (milhões de moléculas individuais) era quase uma loteria. Encontrar um medicamento era como encontrar uma pepita de ouro na Avenida Paulista. Outro exemplo vem da Atomwise, empresa sediada no Vale do Silício, também centrada no uso de AI para detectar drogas. Utiliza engenhosos algoritmos de reconhecimento de imagem que multiplicam as taxas de acerto em até 10 mil vezes. É capaz de fornecer resultados 100 vezes mais rápido do que os métodos tradicionais. Seus resultados tangíveis são celebrados ao redor do mundo, como a descoberta do medicamento que bloqueia a infecciosidade do Ebola em suas várias linhagens. Kamran Khan, da BlueDot, esclarece o alvo com AI: "Nós não usamos inteligência artificial para substituir a inteligência humana, mas a utilizamos para encontrar as agulhas no palheiro e apresentá-las à nossa equipe".

Nunca tantos pensaram tanto em uma vacina como em 2020. Hoje, a Covid-19 é uma pandemia absolutamente associada a inteligência artificial.  Milhares de players em pesquisa bioquímica e poderosos hubs farmacêuticos movimentam bilhões de dados epidemiológicos todos os dias dentro de sofisticadas ‘coqueteleiras algorítmicas’.  Aceleram milhares de ensaios randômicos em busca de terapias e imunização ao coronavirus. Espalhar e analisar patógenos rapidamente, com caminhos clínicos imprevisíveis como no SARS-CoV-2, é um processo que leva muito tempo, mesmo com ajuda das tecnologias emergentes. Equipe conjunta da National University of Singapore e da Shanghai Jiao Tong University estão também colhendo bons avanços analíticos. Em artigo publicado na Advanced Therapeutics, a equipe mostrou os progressos da plataforma Project IDentif.AI que rastreia e identifica terapias combinadas que sejam viáveis ​​no estudo de infecções passadas, presentes e futuras. Segundo o Dr. Xianting Ding, professor e colaborador da equipe, é preciso esquecer um pouco os modelos tradicionais de rastreamento medicamentoso. “O uso tradicional da busca para redefinir tratamentos de SARS ou MERS já não seria conveniente hoje. Por outro lado, uma plataforma como o IDentif.AI pode otimizar a combinação de terapias em poucos dias. Trata-se de um sistema agnóstico da doença, e, como tal, não precisa ser reprogramado, podendo ser implantado imediatamente contra qualquer patógeno novo ou já estabelecido”, explicou Ding ao diário The Guardian. 

O mundo está sendo confrontado com desafios gigantescos com a Covid-19. Não há tempo ou recursos para aguardar vacinas ou terapias com novos anticorpos. As lições impostas pela pandemia do novo-coronavirus mostram que não podemos renunciar ao tempo valioso de identificação de combinações otimizadas e reajustadas (reaproveitamento de medicamentos). Segundo a equipe da plataforma IDentif.AI, a busca nos moldes anteriores a 2020 não resolverá o problema e levará à escassez de alguns medicamentos, quando outros poderiam estar sendo usados ​​corretamente se um processo sistemático de otimização fosse realizado. A capacidade das novas máquinas de AI é a de interrogar o problema à exaustão. A prova de conceito da IDentif.AI foi conseguir reconhecer uma terapia combinada e eficaz que inibisse com sucesso a infecção de células pulmonares A549, gerada pelo vírus da estomatite vesicular. Ela fez isso em três dias, quando antes levaria meses ou anos em pesquisas convencionais. A britânica AI VIVO, sediada em Cambridge (UK), utiliza uma plataforma farmacológica exclusiva e totalmente desenvolvida em AI. Seu sistema levou apenas 15 dias para classificar 90 mil compostos (candidatos por ordem de eficácia), identificando uma lista de 31 medicamentos já aprovados e sendo usados rotineiramente em outras doenças. A empresa imediatamente iniciou conversações com o governo do Reino Unido para iniciar ensaios com os medicamentos aprovados. 

É um horror fazer parte de um mundo pandêmico, repleto de dúvidas e medos. Ninguém sabe ao certo se estará vivo em 18 ou 24 meses quando as terapias e uma vacina podem nos livrar da Covid-19. Mas será um privilégio estar nesse mesmo mundo quando essas curas chegarem e podermos nos orgulhar de fazer parte de uma civilização resiliente. Será um jubilo. Muitos serão consagrados por suas descobertas, suas pesquisas e seus resultados curativos. Um prêmio Nobel talvez espere a sua vez de ser entregue a uma ou mais equipes que entrarão para a história cientifica da humanidade. Empresas, laboratórios e até países serão reverenciados ao longo dos próximos séculos por essas descobertas. Mas lá no fundo, talvez exista algum espaço para nos lembrarmos de que tudo isso só foi possível pela capacidade da inteligência humana em extrair valor da inteligência artificial. Quando a guerra da covid já estiver controlada, talvez seja justo homenagear os guerreiros do aprendizado profundo parafraseando uma expressão de Churchill, que também venceu uma brutal guerra: “Isso não é o fim. Isso não é nem o começo do fim. Mas talvez vocês tenham estabelecido o fim do começo”.

Guilherme S. Hummel
Coordenador Científico - HIMSS@Hospitalar Forum 
EMI - Head Mentor