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Home-Office: a luta para não sermos só um IP

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Home-Office: a luta para não sermos só um IP
Pertencimento – a necessidade de ser relevante

O home-office na pandemia salvou uma boa fatia de empregos. Salvou também empresas, negócios e mercados. O trabalho profissional domiciliar, ainda que híbrido (part-time casa & escritório), foi uma conquista inequívoca. Todavia, quanto mais ele se estende mais ampliam-se as dúvidas se estamos progredindo rumo a novos horizontes ou se estamos simplesmente abrindo espaço para mais entropia produtiva (energia não disponível para a realização de um trabalho). É muito pouco provável que o ‘trabalho-profissional-corporativo’ deixe de ser tangível e presencial, ou deixe de conter em sua ‘arquitetura híbrida’ o componente físico, principalmente se estivermos pensando nos knowledge workers. Nem toda a tecnologia digital é capaz de complementar um dos sentimentos mais fortes da existência humana: o senso de pertencimento. Pertencer é saber que somos parte importante de algo relevante, que estamos juntos nas causas individuais e coletivas, que somos reconhecidos e valorizados por grupos, sistemas e até por inusuais que nos cumprimentam pelos corredores (pertencer está em terceiro lugar na Pirâmide de Necessidades de Maslow). Sem pertencimento não há propósito coletivo. A emergência da Covid-19 nos entrincheirou em casa, descarregando junto grande parte do trabalho que outrora era compartilhado em ‘sinapses intelectuais’ com nossos pares. Mario Luis Small, professor de sociologia de Harvard, autor da obra “Someone To Talk To” e um tenaz estudioso das relações pessoais em rede, explica: “Por causa da Covid-19, não temos mais tantas oportunidades de encontrar pessoas, não apenas estranhos, mas também as pessoas que conhecemos casualmente, ou que estão em nossa linha de trabalho. Os chamados ‘laços-fracos’ são fundamentais para nosso bem-estar porque nos dão a oportunidade de desabafar, confidenciar, refletir e discutir coisas que consideramos importantes”. A pandemia está definhando muitas coisas, entre elas a socialização corporativa. Estabelecer critérios inclusivos que fortaleçam o senso de pertencimento é um dos grandes desafios dos RHs durante e depois da epidemia, mais ainda pela necessidade de aumentar a produtividade das empresas. Nesse sentido, o jornalista investigativo David Epstein, em seu livro “Range: Why Generalists Triunph in a Specialized World” (2019), deixa uma boa dica para os gestores em tempos pandêmicos: “as empresas fazem seu trabalho criativo de maior impacto em uma crise, porque as fronteiras disciplinares voam pela janela”.

Da mesma forma, o senso de pertencimento está nos eventos corporativos presenciais, onde ‘novos coadjuvantes’ participam do maravilhoso espetáculo dos encontros “planejados” pelo acaso. Trocar cartões nos bastidores de eventos é um laço-fraco, mas que fortalece nossas premências mais sensíveis. Essa participação cruzada, casual, profissional e cheia de surpresas agradáveis forma parte da matriz de pertencimento: uma conexão que leva as pessoas a acreditarem que participam de um todo, o que impulsiona o conjunto a seguir unido na mesma direção. Com ela nos sentimos especiais, relevantes e essenciais naquilo que fazemos. Trabalhar e produzir em casa pode ser uma armadilha para as empresas. Quando o surto epidêmico nos proibiu de frequentar os ambientes comunitários, de estar dentro das práticas informais, lúdicas e ocasionais, ele boicotou uma aliança invisível dentro do ambiente de trabalho que não pode ser preenchida só com a comunicação digital. É tolo pensar que uma conversa relâmpago com um taxista, com o jornaleiro, com o próximo na fila do fast-food, ou com alguém na poltrona ao lado da palestra seja um acontecimento frágil, sem importância ou descartável. Especialistas, como  Ashley Whillans, também professora da Harvard Business School, autora de “Time Smart: How to Reclaim Your Time & Live a Happier Life" e coautora de um excelente artigo na Harvard Business Review (“Why You Miss Those Casual Friends So Much”), explica que laços-fracos representam "uma fonte subestimada do desenvolvimento criativo". “Eles são algo para o qual precisamos reservar tempo, não apenas para aumentar o bem-estar, mas também para melhorar o processo de criação no local de trabalho, que nasce e cresce através da conversa mais tênue e que agora desapareceu”, descreve Whillans. Ainda segundo ela, “as conversas improvisadas em cozinhas ou corredores de escritórios costumam ajudar sobremaneira os funcionários a se sentirem conectados ao trabalho que estão fazendo”. Também para Small essa empatia desempenha um papel fundamental: “frequentemente conversamos com um colega, mesmo sem conhecê-lo bem, porque percebemos que ele será capaz de se relacionar com nosso problema ou preocupação de trabalho. Essa é a ideia da empatia cognitiva: a capacidade de alguém entender uma situação da mesma forma como nós a percebemos”.

Em 1973, o notável sociólogo Mark Granovetter, professor na Stanford University, publicou um histórico estudo intitulado “The Strength of Weak Ties” (cerca de 50 mil citações, segundo o Google Scholar), que explica qual a importância dos laços-fracos. Sua pesquisa mostra que eles são as ‘pontes’ que nos permitem disseminar e obter acesso ao bem-estar. O argumento é simples, o que explica ter sobrevivido intacto por mais de 40 anos: nós temos diferentes laços com outras pessoas, sendo que os laços-fortes definem uma afinidade profunda (família, amigos, sócios, etc.) e os laços-fracos, em contraste, podem se dar com desconhecidos ou estranhos com alguma formação cultural comum. A questão é que a força dos laços-fracos afeta substancialmente as interações, os resultados e a nossa criatividade. Por que, afinal, compartilhamos informações pessoais de forma espontânea e despretensiosa com estranhos em eventos, ou em reuniões de negócios, e não as compartilhamos com nossos amigos íntimos ou com os familiares?  Simples: porque ao contrário dos laços-fracos, os laços-fortes exigem muito mais esforço para mantê-los. Não conseguimos reter 120 relacionamentos sociais estáveis e fortes, como explica Granovetter. Muitos não conseguem sequer comunicar suas ideias, impressões e sensações aos mais íntimos (laços-fortes), seja por constrangimento, risco de ruptura, vergonha, ansiedade ou qualquer outro motivo. Por outro lado, os laços-fracos não requerem muito esforço para serem mantidos e podemos ter 120 deles (como explica Whillans: num dia normal, as pessoas interagem em média com algo entre 11 e 16 laços-fracos no trabalho). Small também mostra que os laços-fracos são ricos porque não são perseguidos pelos parâmetros rígidos do ambiente familiar. “Você não conta para sua mãe algo muito embaraçoso, porque toda a família vai saber e pode lhe cobrar durante anos”, explica ele.

Do mesmo modo, o contato presencial dos bastidores da empresa nos dá acesso a vivências que precisamos, ou que sentimos falta, ou que nos aperfeiçoam. Home-office é uma odisseia que aos poucos vai levando nosso barco a portos diferentes daqueles imaginados nos primeiros meses da pandemia, com efeitos positivos e negativos emergindo. Deixar de ir aos cinemas, igrejas, restaurantes, academias, etc. nos faz sentir menores e mais ausentes. Mas é no ambiente profissional que nosso senso de pertencimento mais sofre perdas. No home-office intangível e digital podemos nos sentir ínfimos, isolados, com risco de não sermos mais do que um ‘IP’ na vida da empresa. A comunicação digital nos permite socializar com pessoas, mas não com lugares. Em nossa estrutura psicológica, a ‘casa’ é tecnicamente o primeiro lugar, sendo o ‘trabalho’ o nosso segundo lugar. O que definhou ou desapareceu com a quarentena foi o terceiro lugar. Trata-se de um local separado das regras formais de convivência, que inspira um sentimento de pertencimento e camaradagem, onde podemos treinar e discutir nossas ideias estratégicas sem medo dos protocolos dos outros ‘dois lugares’. O terceiro lugar é onde vivem os contrastes. Nele nos sentimos parte de uma confraria sem compartimentos herméticos e sem a necessidade de esconder nossas pequenas frustrações ou alegrias (pesquisa da Dra. Ph.D. Gillian M. Sandstrom, psicóloga e professora da University of Essex, mostra que as pessoas ficam mais felizes nos dias em que dizem “oi” para um colega no corredor do escritório, ou quando têm uma breve conversa com um vizinho no supermercado). O terceiro-lugar pode ser o café do escritório, ou o refeitório, ou mesmo as mesas do fast-food em que todos almoçam, não importa, lá só existe espírito, cumplicidade e gentileza, sendo não poucas vezes o mais importante ‘lugar-de-hábito’ para moldarmos nossas convicções profissionais. Lá não interessa a titularidade, o CV, a hierarquia da empresa ou o nosso número de IP: lá somos sempre distintos e nunca invisíveis. A Covid-19 está chamando a diversidade para entrar na festa, e a criatividade está sendo convidada a dançar, mas a pista ficará vazia se o senso de pertencimento não aparecer no baile.

Guilherme S. Hummel
Coordenador Científico - HIMSS@Hospitalar Forum
MI - Head Mentor