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OnLine Symptoms Checkers: covid acelera um dos maiores negócios do século

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Verificadores de sintomas cada vez mais inteligentes

A britânica Augusta Ada Byron King, Condessa de Lovelace (1815-1852), mais conhecida por Ada Lovelace, foi matemática, escritora e reconhecida por ter escrito os primeiros algoritmos de processamento de dados. Por esse trabalho, é “considerada a primeira programadora de toda a história”, incluindo aí todos do sexo masculino. Aos 17 anos Ada já queria trabalhar com Charles Babbage (cientista, matemático e inventor do conceito de computação programável). Quando ele publicou seu famoso artigo sobre “máquinas analíticas”, a jovem prontamente o traduziu para o inglês e ainda adicionou notas de rodapé. O resultado impressionou Babbage, que a chamou para trabalhar com ele. Filha de Lorde Byron (com uma de suas amantes), foi um prodígio, morrendo aos 36 anos (câncer uterino). É hoje um ícone da computação e da inventividade feminina, sendo homenageada todos os anos no Ada Lovelace Day (15 de outubro).  
Em sua memória, um grupo de pesquisadores criou em 2016 a plataforma “Ada”, um verificador de sintomas que já tem 11 milhões de usuários e completou 23 milhões de verificações desde o seu lançamento. A provedora da solução (Ada Health) construiu o aplicativo embarcado em Inteligência Artificial (IA), com funcionalidades e assertividade bem acima da média do setor.  Ele começa perguntando ao paciente sobre seus sintomas primários, passando para questões mais específicas que vão desde a duração e intensidade dos sintomas até sobre eventos que possam ter gerado o desconforto. O algoritmo faz a interação com sua base de dados, entendendo e diferenciando entre as variáveis clínicas que possam apresentar efeitos físicos similares. Embora o aplicativo não possa emitir um “diagnóstico oficial”, ele apresenta uma lista de possíveis causas para os sintomas relatados, direcionando o usuário e os médicos para conclusões probabilísticas. Seu nível de assertividade foi testado em vários estudos, como o “How accurate are digital symptom assessment apps for suggesting conditions and urgency advice?”, publicado em 2020 no BMJ: “a solução foi segura em 97% dos casos, com 99% da cobertura de condições e 70% de precisão nas 3 melhores sugestões de ajuste”; ou o estudo “Patients' Utilization and Perception of an Artificial Intelligence-Based Symptom Assessment”) publicado no JMIR em 2020: “97,8% dos pacientes avaliaram a solução como bastante fácil de usar e 12,8% teriam adiado suas consultas ou feito cuidados de menor intensidade”; ou ainda a pesquisa “Syndromic Surveillance Insights from a Symptom Assessment App Before and During COVID-19”, publicada no JMIR também em 2020: “uma revisão de dados de 950 mil usuários mostrou que Ada poderia ajudar a descobrir o impacto das políticas de saúde pública na Covid-19”. Poderíamos citar inúmeros outros estudos, publicados nos últimos dois anos, mostrando a base científica dessa e de outras soluções que estão chegando ao mercado.  

Ou seja, os symptoms checkers estão definitivamente saindo da fase de provação e entrando no horizonte das ferramentas vocacionadas a revolucionar os sistemas de saúde. Embora a maioria delas ainda seja pobre em assertividade, é notório que as soluções desenvolvidas com ‘plataformas algorítmicas de machine learning’ estão reinventando o modelo de verificadores digitais de sintomas. A ferramenta de ‘triagem-online’ desenvolvida pela Penn Medicine (University of Pennsylvania), por exemplo, foi avaliada pela publicação Applied Clinical Informatics (novembro/2021), classificando quase todas as recomendações com um ‘nível de assertividade seguro’. O estudo analisou a plataforma Penn para triagem da Covid-19, descobrindo que apenas “6 pacientes dos 782 analisados ​​tinham sintomas mais graves do que os avaliados pela ferramenta”. Segundo o estudo, a categorização feita pela plataforma pode ser diretamente comparada a avaliação realizada por um médico (presencialmente). Em outras palavras: é possível dizer que estamos da Fase 2.0 das online-symptom-checker-tools, onde a próxima fase (3.0) será totalmente orientada à “máquinas inteligentes” com capacidade de aferir até sintomas de doenças raras.

Por que o mercado dos “verificadores de sintomas” é expansionista, sendo já considerado um dos maiores desta primeira metade do século? Quase 700 milhões de usuários do TikTok buscam aconselhamento médico, sendo em geral atendidos de forma aleatória por qualquer ‘perfil-charlatão’ (qualquer um pode ‘ser médico’ nas mídias social). O próprio Dr. Google recebe mais de ‘um bilhão’ de perguntas sobre saúde todos os dias, e o portal WebMD não menos de um bilhão de consultas sanitárias anualmente. Somente em 2020, os aplicativos de “bem-estar” foram baixados 1,2 bilhão de vezes. Essa voracidade por (1) diagnóstico digital, (2) verificadores de sintomas e (3) assistência médica virtual gerou um mercado global de US$ 365 bilhões em 2018, caminhando para mais de US$ 935 bilhões até 2023. Ou seja, mais rápido do que a nave SpaceX conduz dúzias de astronautas ao espaço sideral, a pandemia está colocando na orbita digital bilhões de indivíduos insatisfeitos com seus sistemas de saúde. Isso faz com que a indústria de ‘medicina virtual’ seja progressista, disruptiva e até subversiva.

A solução CaraCare”, por exemplo, desenvolvida em conjunto com a empresa de Cingapura Treatment.com e com previsão de lançamento ainda em 2021, deve ser um divisor de águas no setor. Trata-se de um ‘verificador de sintomas online’ desenvolvido com sofisticada engenharia de IA, alimentada por uma Global Library of Medicine (GLM), uma biblioteca treinada por centenas de médicos para pensar como eles. Sua arquitetura inclui conhecimento detalhado de centenas de doenças complexas, sinais físicos, patologias, estudos anatômicos, dados laboratoriais e de imagens, bem como descrições detalhadas de onde e como as doenças ocorrem com maior probabilidade. Embora seja cedo para declarar o “sucesso da plataforma”, Cara é um legítimo exemplar da próxima geração de symptom checkers. Conta com um assistente digital inteligente composto de 400 linhas de diagnóstico, desenvolvido por uma equipe global de centenas de médicos que detalharam seu conhecimento nos últimos 5 anos. A ferramenta integra telemedicina, varejo farmacêutico, produtos de saúde, provedores, financiadores, etc., fazendo perguntas aos usuários sobre seus sintomas e confrontando as respostas com milhões de Cases de sua base de dados, sem falar na interoperabilidade com Apple Health Kit, Apple Watch, FitBit, etc. O aplicativo será gratuito no início, mas depois incorpora um grau de monetização impressionante. Consumidores pagarão as “recomendações” por meio de assinaturas, além de uma série de plug-ins remunerados, sem falar em inúmeras fontes de receita geradas por alianças corporativas com a Cadeia de Saúde.

A base de valuation’ desse mercado no pós-pandemia impressiona. Em abril de 2020, o uso de telehealth era 78X maior do que em fevereiro do mesmo ano (McKinsey). Os investimentos totais em digital health (VC) no primeiro semestre de 2021 alcançaram US$ 14,7 bilhões, o dobro de 2019, sendo que as projeções (McKinsey) avaliam que o investimento total em 2021 chegará a US$ 30 bilhões. Mais de 90 mil novos aplicativos de saúde foram adicionados às lojas de app online em 2020, numa média de 250 novos todos os dias. Só os aplicativos de “gerenciamento das condições de saúde” cresceram de 28% em 2015 para 47% em 2020. Outras empresas, como Babylon Health, Teladoc Health, American Well, Google, etc. afinam suas máquinas inteligentes para lançar aplicações que contenham direta ou indiretamente symptom-checkers. Mas é das startups que jorram soluções de ‘verificação e controle de sintomas’. A norte-americana Kang Health tem na entrada de seu portal o bordão: “Isto é Cuidados de Saúde sem o Sistema”. A Buoy Health não fica atrás, seu symptom checker recebe os visitantes com: “Quando algo parecer estranho, venha aqui”; e o Mediktor não poupa ousadia: “Melhorando o acesso assistencial do mundo”. Toda essa excitação é baseada em métricas e curvas de demanda exponenciais.

Também as plataformas de ‘pre-diagnostics’ e ‘care coordination’, que gravitam em torno dos sistemas de ‘verificação de sintomas’, crescem na esteira das máquinas de inteligência artificial na saúde. A Infermedica, por exemplo, anunciou o lançamento de uma “solução pediátrica que permite diagnóstico preliminar e triagem de bebês e crianças”. O sistema faz recomendações de cuidados primários desde o dia em que a criança nasce, fornecendo suporte abrangente para toda a família (disponível globalmente em 18 idiomas). A empresa já possui ferramentas de symptom checker e call center triage, que juntas já realizaram mais de 8 milhões de aferições de sintomas. A capacidade de seus algoritmos foi testada por médicos externos, avaliando as ‘recomendações de triagem’ como seguras em 96,7% dos casos. A nova solução funciona na “perspectiva do cuidador”, ou seja, com perguntas formuladas de maneira que as respostas sejam entendidas e respondidas pelos pais, por cuidadores (enfermagem) ou pelos médicos. O serviço é online (24 x 7) e os algoritmos aprendem com um banco de dados que leva em consideração mais de 200 condições pediátricas, que cobrem 90% da Carga Global de Doenças (GBD), uma ferramenta que quantifica a perda de saúde em centenas de doenças, lesões e fatores de risco para os países da OCDE.

As aplicações de verificação de sintomas, telediagnóstico e coordenação de cuidados, juntas ou separadas, apoiam os pacientes que recorrem cada vez mais a Internet para obter conselhos de saúde, enquanto lutam para conseguir uma consulta dentro dos sistemas de saúde. Muitos médicos já perceberam que será difícil uma “disputa-sem-fim” com as ‘ferramentas de inteligência artificial’, e inúmeros já se alinham no front usando o ferramental e capacitando os pacientes a trabalhar em conjunto. O relatório da Deloitte “Predicting the future of health care and life sciences in 2025”, publicado em 2021, mostra que em futuro muito próximo médicos e pacientes “serão capacitados conjuntamente em paradigmas digitais de diagnóstico e tratamento”. Soluções como da FluAI, por exemplo, uma startup turca com aplicativo capaz de “realizar triagem de infecções no trato respiratório superior”, estão migrando para plataformas cada vez mais inteligentes, e já podem integrar imagens da garganta com dados sintomatológicos oferecidos pelo paciente, oferecendo um diagnóstico cada vez mais assertivo de gripe, resfriado e outras infecções febris.

Obviamente que as plataformas de aferição fazem crescer as “pesquisas sobre sintomas”, com estudos cada vez mais profundos sobre como estabelecer parâmetros para cada patologia, extraídos de grandes silos de dados. A trabalho “Machine learning-based prediction of Covid-19 diagnosis based on symptoms”, realizado por pesquisadores da Tel Aviv University e publicado em 2021 pela Nature, mostra um modelo de aprendizado de máquina para identificação de sintomas do Sars-CoV-2 baseado em oito perguntas’ (dados do Ministério da Saúde de Israel). Como esse estudo, centenas de outros estão sendo realizados gerando inúmeros protocolos e parâmetros em sintomatologia e fitopatologia, que por sua vez serão cada vez mais utilizados em máquinas de verificação de sintomas.

A geração 2.0 dos verificadores utiliza processamento de linguagem natural (PNL) para entender a descrição dos sintomas em texto livre. Depois que a HPI (history of present illness) é coletada, os algoritmos avaliam os dados, produzem recomendações, sendo as conclusões normalmente listadas por ordem de gravidade e níveis de urgência. Os symptoms-checkers dessa geração são capazes de interromper a ‘conversa’ (chatbok) e recomendar imediatamente um atendimento emergencial (casos de AVC, por exemplo). Suas aplicações são múltiplas e inovadoras, como, por exemplo, nos procedimentos quimioterápicos oncológicos que podem gerar colateralidades, onde os verificadores “acompanham de perto” os desdobramentos e informam cada novo evento ao corpo clínico. O estudo transversal “Patient Perspectives on the Usefulness of an Artificial Intelligence–Assisted Symptom Checker: Cross-Sectional Survey Study”, publicado no JMIR em 2020, concluiu que: “Apesar das preocupações sobre a precisão dos online-symptom-checkers, um grande grupo de usuários identifica que as ferramentas que já utilizam IA são uteis para o diagnóstico”. A assinatura de serviços dessas plataformas, como, por exemplo, o ApiMedic (disponível em 3 idiomas), custa em média US$ 0,02 a 0,04 por transação, sendo que as 100 primeiras transações não têm custo. O Isabel, outro exemplo, um verificador com 10 mil doenças em sua máquina de dados, tem assinatura anual entre US$ 150 e US$ 220. Os preços variam, mas vem sendo reduzidos em função da escala e de demandas multifacetadas, como, por exemplo, as ferramentas voltadas a transtornos emocionais e mentais. O trabalho “Predicting Symptoms of Depression and Anxiety Using Smartphone and Wearable Data”, publicado em 2021 na Frontiers in Psychiatry, avaliou até que ponto os dados de smartphones e dispositivos vestíveis podem prever sintomas de depressão e ansiedade, concluindo que: “Os resultados demonstram que os wearables podem fornecer fontes valiosas de dados para previsão de sintomas de depressão e ansiedade, principalmente com dados relacionados a medidas comuns do sono”.

Uma situação real: “João está se sentindo mal há alguns dias. Pensou que fosse apenas algum tipo de problema estomacal leve, mas agora se sente pior. Ele não quer pesquisar seus sintomas no Google, porque sua experiência anterior não foi satisfatória. Então baixou um aplicativo de ‘verificação de sintomas’, inseriu algumas informações (idade, altura, peso e histórico médico relevante), acionando uma tecla para ‘falar’ com o chatbot. Este lhe fez algumas perguntas de múltipla escolha, permitindo também a descrição de seus sintomas em texto livre. O ‘diálogo’ continuou e João se sentiu à vontade com a ferramenta. Ele relata ao robô que está sentindo dor no ‘abdômen esquerdo’, que a intensidade aumentou recentemente e que a dor parece ter ‘uma direção de cima para baixo’. O chatbot envia as informações para o banco de dados (API), que verifica com seu ‘algoritmo explorador’ se há necessidade de outras perguntas e do refinamento das respostas. A orientação resultante indica que possivelmente trata-se de um caso de apendicite, ou seja, uma condição séria e potencialmente crítica. O aplicativo o aconselha a dirigir-se imediatamente a um hospital”. No centro de emergência, o resultado se confirmou.

Symptoms Checkers, trabalhando simbioticamente com os Registros Eletrônicos de Saúde, não são somente máquinas de identificação de sintomas, ou mesmo pretendentes a substituir os profissionais de saúde nessa função. São aceleradores e depuradores de diagnóstico. São máquinas para hierarquização de atendimentos e instrumentalização de acesso qualificado aos sistemas de saúde (triagem). São também selecionadores de procedimentos terapêuticos e propulsores da distribuição em rede de dados balizados, se comportando também como ferramentas de promoção à saúde e autocuidado. Ainda nesta década, estarão nos lares dos pacientes, nos hospitais, nas clínicas, em estações de telemedicina, nos centros públicos de atendimento, nos escritórios, nas ambulâncias, nos smartphones e na vida de milhões que muitas vezes esperam semanas, meses ou anos para alguém lhes perguntar “o que você está sentindo?”

 

Guilherme S. Hummel
Scientific Coordinator Hospitalar Hub
Head Mentor – EMI (eHealth Mentor Institute)

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