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Touch-less e o fim da era touch-screen

Article-Touch-less e o fim da era touch-screen

Touch-less e o fim da era touch-screen
Covid-19 impondo novos hábitos e novas tecnologias

O drama urbano da segunda metade de 2020 será entrar num elevador com 8 pessoas e subir 25 andares. Quem espirrar ou tossir de forma covidiana poderá disparar um efeito pavloviano-constrangedor, podendo inclusive precipitar o imediato confinamento dos passageiros. Aquilo que poderia ser um problema da arquitetura-de-conveniências, passou a ser um dramático entrave nas grandes metrópoles. Elevadores passaram a ser o gargalo dos edifícios corporativos. Quando boa parte dos usuários estão em modo home-officer, boa parte dos prédios de escritórios estão praticamente vazios. Mas quando voltam, temos problemas como os que já estão ocorrendo em Toronto, Singapura e Hong-Kong: filas com centenas esperando um elevador com protocolos mínimos de ‘não contágio’. O problema começa no térreo, quando temos de ‘tocar o botão’ do dito, que possivelmente já foi tocado por outra centena num único dia. Em muitos casos já estamos assistindo a volta do ascensorista que acessa os andares para os usuários. Em outras palavras: elevadores e muitos outros equipamentos e dispositivos não foram projetados para o distanciamento social, menos ainda quando estes incorrem em risco de contágio. 

Ano passado, alguns provedores poderiam estar comemorando que seus produtos “eram totalmente touch-screen”, mas em maio de 2020 essa tecnologia pode já estar obsoleta. Pesquisa recente publicada pela britânica PaySafe (empresa especializada em plataformas de pagamentos), realizada pela Sapio Research e intitulada  “Lost in Transaction”, mostrou que 8 em cada 10 consumidores do Reino Unido já pensam em mudar a “forma como se envolvem publicamente com a tecnologia, tendo repentinamente percebido que podem estar acelerando a propagação de vírus e micróbios potencialmente mortais”. Um exemplo foi a transformação digital do McDonald's nos últimos anos, quando seus restaurantes ao redor do mundo passaram a implantar telas sensíveis ao toque. Nos últimos meses os funcionários das filiais do Reino Unido tomaram a histórica decisão de buscar melhores condições de trabalho, sendo uma delas o fim do touch-screen. Pressionada, a marca acelerou uma transformação operacional drástica, que possivelmente estava longe de seu radar há 3 meses. O mesmo vai acontecer com bancos, caixas eletrônicos, bilheterias automáticas de transporte público, check-in self-service nos aeroportos e uma infinidade de outras facilities que o cliente utilizava sem medo. A higiene socou o estomago da indústria de serviços e vai operar uma das maiores revoluções tecnológicas de nossa geração. Trata-se da redução do touch-screen e o crescimento acelerado do touch-less (ou no-touch, ou touch-free, ou ainda contact-less technology). O mesmo estudo da PaySafe mostra que quase dois terços (63%) dos consumidores britânicos pretendem utilizar no curto prazo qualquer tecnologia de pagamento touch-less devido aos problemas virais. 

Na exata velocidade da disseminação do coronavirus, cresce nossa visão de subsistência e instinto de preservação. Nosso ‘par de mãos’ passou a repensar intensamente o potencial risco de fazer contato físico com uma tela de uso público, que, convenhamos, raramente é limpa (ser contaminado no buffet diário do fast-food também cresceu nas preocupações, segundo a pesquisa). Com foco na pandemia e no corolário de mortos diários, as pessoas passaram a introjetar em seu dia a dia novos hábitos e costumes. Segurar, tocar ou tatear levemente superfícies públicas passou a ser um exercício arriscado. Como quem manda é o cliente (ou o usuário), o ônus aos poucos vai recaindo sobre as empresas provedoras públicas ou privadas. A mesma pesquisa da PaySafe mostra que perto de 70% das pessoas passaram a usar luvas ou limpar as superfícies públicas nas últimas semanas. É certo que esse ato tende a diminuir ao longo do tempo, mas ninguém sabe nada sobre “projeção de tempo” em maio/2020. 

Não há a menor dúvida de que grande parte das preocupações está na lida com o dinheiro. O imaginário das pessoas, principalmente de menor renda, sabe que utilizar moeda física ou cartões de crédito passou a ter também um risco contagioso (mais um). Segundo o estudo, quase a metade (48%) dos consumidores ao redor do mundo está preocupada em lidar com dinheiro (variando de 56% no Canadá a 37% na Áustria), sendo que apenas 27% dos pesquisados não mostrou preocupação. No Canadá, 42% da população já está utilizando somente métodos de pagamento touch-less (a média era de 30%). Nos EUA, 60% da população já expressa adesão ao contact-less, sendo 38% na Alemanha. 

A crise da covid-19 está alterando sensivelmente a vida cotidiana. Tendências comportamentais que já estavam em andamento, incluindo o uso de e-commerce, telemedicina, e-learning (EAD), comunicação por vídeo, entretenimento/fitness residencial, food-delivery, etc. tiveram uma aceleração significativa. Mudanças que levariam anos para ocorrer foram compactadas em poucas semanas. Embora alguns comportamentos voltem aos padrões pré-crise, muitos permanecerão conosco permanentemente. Nesse sentido, tecnologias emergentes crescem rapidamente nas prateleiras, como a voice-interface (opções de no-touch ativadas por voz), ou a NFC (near field communication), que interage com a máquina por aproximação e não por toque. Acessar elevadores por meio de voz, pagar contas no varejo físico com cartões nfc, ou utilizar o smartphone para qualquer modelo de acesso touch-less será o ‘novo normal’. Sem falar nas opções dos alto-falantes inteligentes residenciais (smart-speakers), como Amazon Echo, Apple HomePod, Google Home, etc., que estão inundando os lares: quase 90 milhões de adultos nos EUA já tem um smart-speaker (um terço da população), com mais de 20 milhões de novos usuários somente em 2019. Esse fenômeno vai se multiplicar por todas as áreas da interação entre o ser humano e a máquina: menos touch, menos aglomerações e menos risco viral. 

Certamente que no segmento de pagamentos eletrônicos o smartphone será o grande portador do rol tecnológico (Apple Pay, Google Pay, Samsung Pay, Fitbit Pay, Garmin Pay, etc.). Pagar pelo celular será mais usual do que falar nele. O uso do adesivo das operadoras de cartão, que fixados no celular o transformam em um nfc-machine, já está sendo utilizado cada vez mais no Brasil. Sem falar no aplicativo Bizum, grande sucesso na Europa e que facilita a transação touch-less quando emite um SMS que libera o debito junto ao banco. Mas todos os aplicativos transacionais, com maior ou menor intensidade, tremem ao ouvir falar no WhatsApp Pay, que em sua versão piloto na Índia já conta com mais de 400 milhões de usuários, boa parte deles com acesso precário a produtos financeiros. Como seus concorrentes chineses, o aplicativo entre outras coisas concede crédito através de parcerias bancárias. Melhor do que touch-less, só mesmo touch-gain. 

Se o risco de contágio está no varejo e nas public-utilities, está também no teclado da cafeteira dos escritórios, ou em qualquer outro equipamento compartilhado e acionado por touch. Sim, o risco é real e a disseminação virótica pode nos espreitar em qualquer H2M (humano-máquina). Mas a tecnologia também cresceu nessa direção, como, por exemplo, no sistema Air Touch: sem ter nenhum contato com a superfície da máquina, o painel mecânico é acionado a uma distância de até 2 centímetros. De forma lúdica: você ‘finge’ tocar o botão, chega perto, faz o gesto, mas não precisa encostar na tecla pois o sensor de aproximação aciona o equipamento (confira no vídeo).  Vamos utilizar todas as tecnologias possíveis para nos proteger: câmera térmicas, reconhecimento ótico, reconhecimento facial, sensores e biosensores de aproximação e uma infinidade de outros itens da chamada touch-less technology. Teremos que conviver com um novo modo de nos relacionarmos com máquinas e pessoas. Sobreviveremos. Vamos permanecer por aqui depois da covid-19, e também da covid-20, 21, etc. O homo erectus, ancestral do homem moderno, descobriu o fogo no período neolítico (7 mil AC). Produziu as primeiras faíscas através do atrito de pedras ou pedaços de madeira. Tentou diferentes pedras, até se decidir pelas melhores. O fogo foi essencial no desenvolvimento dos ser humano na Idade da Pedra. Mas, o mesmo fogo poderia se expandir, eliminando tudo em volta do homem, ou se extinguir deixando somente intenções. Foi o próprio homem que aprendeu a controlar o fogo e usá-lo como luz, calor e desenvolvimento. Sobreviveremos. Só precisamos descobrir as melhores pedras e as madeiras mais apropriadas.  

Guilherme S. Hummel
Coordenador Científico - HIMSS@Hospitalar Forum 
EMI - Head Mentor