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Os desafios para transformar uma descoberta científica em oferta de valor para a saúde das pessoas

Article-Os desafios para transformar uma descoberta científica em oferta de valor para a saúde das pessoas

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Meu desafio teve início de uma maneira singular. Considero que recebi um chamado da ciência que, naquele momento, precisava de alguém para contribuir na construção de uma ponte que levasse os benefícios de uma grande descoberta às pessoas. Conto aqui a história da parceria entre um grande cientista e um profissional de negócios e, dessa forma, compartilho aqui desafios e aprendizados.

“Acredito que fizemos uma descoberta científica importante para a medicina!”, com esta frase o Prof. Sérgio Mascarenhas relatou os resultados de sua mais recente pesquisa para, na sequência, emendar uma pergunta direta “vocês podem me ajudar a levar esta descoberta para a sociedade? Nós somos cientistas!”

Depois que o professor explicou sua descoberta e suas possibilidades para a saúde, o tema não saia de minha cabeça. Era muito motivador o desafio de participar de algo que poderia deixar um legado tão importante. Assim em 2015 começou minha jornada na brain4care, uma startup de base científica que comprovou a expansibilidade do crânio humano, desenvolveu um sensor não invasivo para monitorá-la e criou algoritmos que correlacionam a expansão do crânio com parâmetros neurológicos intracranianos, dentre os quais a relação entre o volume e a pressão, tecnicamente denominada complacência intracraniana.

O primeiro grande desafio vencido nesta jornada está associado à relevância da descoberta científica, afinal uma informação neurológica importante, até então restrita pela invasividade dos métodos disponíveis, de repente, torna-se acessível de modo não invasivo em qualquer lugar.

Empreender com inovação disruptiva traz o desafio de não se ter o retrovisor como referência, o que nos impele rapidamente às questões essenciais: se sempre foi restrito por ser invasivo, há aplicação em outros territórios? Em quais situações críticas do cuidado, onde o invasivo é inadequado, esta informação vital pode ser relevante? A solução substituirá os métodos invasivos ou abrirá novas aplicações? Estamos diante de um oceano azul?

As questões acima nos levaram a uma busca incansável por respostas, investimos tempo e energia para estudar e conversar muito, com muitos! E, embalados por inúmeras conversas e provocações, fomos selecionados para o programa de aceleração da Singularity University (SU) no início de 2017, um importante centro global de inovação e empreendedorismo de impacto exponencial. Lá, obtivemos importantes respostas.

Ao chegarmos no Vale, questionamos os motivos pelos quais a brain4care havia sido selecionada globalmente, e a resposta foi pura inspiração: “a brain4care foi selecionada pelo grupo de neurociência da SU porque esta tecnologia tem potencial para impactar positivamente a vida de 1 bilhão de pessoas na próxima década!”

Após assimilar a dimensão do que estávamos iniciando, usamos a rede de contatos da SU para acessar diversos stakeholders da área da saúde e, entre uma centena de conversas, outra resposta inimaginável nos impactou, desta vez vinda de um neurocirurgião de Stanford: vocês tornaram acessível um sinal vital neurológico!

Assim ficou evidente que nossa missão seria tornar acessível um sinal vital para impactar positivamente a vida de 1 bilhão de pessoas. O que imediatamente nos leva a refletir sobre qual o modelo de negócio que, além de suportar a missão, estaria em sintonia com o propósito da jornada. Este foi o desafio mais difícil, afinal se um sinal vital salva vidas e reduz a dor e o sofrimento, o modelo escolhido precisa alcançar a maior quantidade de pessoas no menor espaço de tempo possível.

O desdobramento destas reflexões nos distanciou do setor de dispositivos médicos e nos aproximou do setor de provedores de informação, licenciando uma plataforma SaaS que interpreta os dados enviados pelo nosso sensor que disponibilizamos em comodato. Ou seja, fornecemos o sensor e o cliente paga apenas uma assinatura mensal pelo serviço. Caso desista da tecnologia, devolve o sensor para a brain4care.

Desta maneira a solução ficou acessível e escalável, faltando agora definir qual o modelo de precificação que sustentaria esta jornada. Aqui novamente o compromisso com o propósito nos fez questionar o modelo tradicional, onde uma inovação médica relevante é ofertada inicialmente aos poucos que podem pagar muito. Esta opção não fazia sentido para nós, logo optamos por um modelo de escala, com preço muito baixo para acessar muitos e com valor fixo, independente da utilização, um claro estímulo ao uso.

Agora que a arquitetura do negócio estava desenhada, o próximo desafio era explicitar os atributos de valor da nossa oferta segundo a ótica dos clientes, mapear as restrições de acesso, definir uma priorização dos territórios a serem abordados, dimensionar os investimentos necessários, estimar as receitas e avançar na modelagem do plano de negócios.

E assim elaboramos o plano de negócios da brain4care, tendo como norte o estabelecimento de um sinal vital no longo prazo, e no curto prazo desdobramos detalhadamente os primeiros 5 anos, divididos em duas grandes fases: uma pré-operacional entre 2018/2019 com foco na estruturação do negócio, desenvolvimento da solução sensor/app/nuvem, passando pelo sistema regulatório, constituição de patentes, marca, sede e escritórios e o mais importante de tudo, atrair talentos; e a segunda entre 2020/2022 com foco na operação, basicamente vendas e adoção no Brasil e formação de capital reputacional internacional via pesquisas científicas em centros de referência nos EUA e na Europa, além do Brasil.

O último desafio então era definir uma estratégia de captação para realizar os investimentos necessários para tirar este plano do papel. E aqui nos deparamos com a realidade brasileira, descobrimos que ainda não havia um mercado estruturado e atuante focado em startups de base científica médica, o que acabava nos levando para opções de vender a propriedade intelectual ou o controle societário para empresas já estabelecidas.

Inconformados com a opção de não poder participar desta construção, optamos por criar um veículo próprio, um fundo offshore com governança de classe mundial que teria só um investimento, a brain4care, logo não cobraria taxas nem performance, apenas ratearia os custos de manutenção. Assim reunimos empresários, das mais diversas áreas, todos inspirados pelo propósito e dispostos a investir nesta jornada.

Hoje executamos o plano, com ajustes devido à pandemia, e em agosto/20 lançamos nossa tecnologia ao mercado, que tem sido bem recebida tanto que já conquistamos 30 clientes no Brasil entre hospitais de referência e clínicas. Do lado científico também avançamos muito, publicamos 37 artigos científicos internacionalmente, realizamos dezenas de pesquisas importantes e estamos presentes nos principais centros de referência médica nos EUA com pesquisas relevantes e achados ainda mais disruptivos.

Hoje, olhando esta trajetória percebo que os principais desafios estão relacionados com o pensar grande, estar aberto para rever crenças, entender que os planos variam e reagir rápido, tomar cuidado com os paradigmas dos outros e ser autoral nas suas proposições. E o essencial é não perder de vista a razão pela qual dedicamos nossa energia nesta empreitada.

Sobre o autor

Plinio Targa, CEO da brain4care