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Sobre uso de smarthphones e apps nos hospitais

Article-Sobre uso de smarthphones e apps nos hospitais

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(MICHAEL HIRSHON FOR THE WASHINGTON POST )
O assunto específico dos smarthphones e tablets promovendo insegurança nos hospitais não é novo. Já em 2014, abordando a questão a partir de salas cirúrgicas, apareceu em Pacific Standard com o provocativo título “Trate, não tweet”. E, em 2015, no famoso Washington Post [leia aqui]. A instigante figura que ilustra a postagem é dessa última matéria.

Quem sabe menos guerra política e mais de questões realmente relevantes envolvendo profissionais da saúde, celulares e WhatApp nas organizações de saúde? Alerto: trago mais dúvidas do que certezas e soluções.

O trabalho nos hospitais pode ser incrivelmente complexo. Mesmo em um hospital todo informatizado, o médico ainda tem que decidir sobre medicações de nome parecido e dosagens. Nas salas de emergência, nas unidades de terapia intensiva e, principalmente, nos blocos cirúrgicos, esta complexidade pode chegar a níveis críticos. Quanto maior a complexidade do trabalho em saúde, maior os riscos aos pacientes.

Na aviação, em 2012, um piloto da Jetstar Airways esqueceu-se de baixar as rodas do avião porque estava mandando mensagens de texto pelo celular. Por sorte, conseguiu arremeter.

Na saúde, como consta no livro Compreendendo a Segurança do Paciente, de Robert Wachter, estudo com enfermeiros que preparavam e administravam medicamentos encontrou uma média de pelo menos uma interrupção a cada etapa. Mesmo um processo de administração de medicamentos de alto risco, como a quimioterapia, é frequentemente interrompido. Em outro estudo, cada vez que uma enfermeira foi interrompida durante os processos de preparação e administração de medicamentos, houve um aumento de 12% em erros.

Assim como na aviação [e no trânsito também], falhas ocorrem, e eventualmente transformam-se em tragédias, quando profissionais da saúde falam ao celular ou mandam mensagens. Mesmo assim, o assunto tem sido pouco explorado. Mexeria em fortes zonas de conforto – pessoais, inclusive (identifico claramente uso excessivo do celular no trabalho e tenho tentado melhorar).

Já escrevi previamente sobre o tema sob outro enfoque e perspectiva: Distrações comprometem satisfação profissional e podem gerar riscos ao paciente (março de 2016).

O assunto específico dos smarthphones e tablets promovendo insegurança nos hospitais não é novo. Já em 2014, abordando a questão a partir de salas cirúrgicas, apareceu em Pacific Standard com o provocativo título “Trate, não tweet”. E, em 2015, no famoso Washington Post [leia aqui]. A instigante figura que ilustra a postagem é dessa última matéria.

Evidências têm demonstrado que reduzir ou eliminar as distrações e as interrupções pode melhorar a segurança de pacientes nos hospitais. Algumas organizações inclusive já possuem zonas à semelhança de “cockpit estéril”, um padrão da aviação que proíbe tripulações de cabine de se envolverem em qualquer coisa, a não ser na comunicação crucial para a missão, quando a altitude do avião é inferior a 10 mil pés.

Outro risco envolvendo o uso de smarthphones e tablets nos hospitais é o de propagação de infecções. O assunto foi tema de recente trabalho de conclusão de MBA em Gestão em Saúde e Controle de Infecção Hospitalar, por Carolina Malavazzi Galvão [leia aqui]. Por fim, facilitam quebras de sigilo e propagação indevida de informações médicas.

Então, muito simples, proibamos o uso destes dispositivos nos hospitais!

Mas o que parece simples, não é. Aquilo que pode atrapalhar na comunicação em saúde pode também ajudar, e muito. Não apenas a comunicação entre profissionais, ou entre profissionais e pacientes, mas também o ensino, aprendizagem e a disseminação de melhores práticas nos hospitais. Simplesmente dizer que médicos não podem enviar dados para além dos muros das organizações pode não ser escolha sábia. Revisões de imagens digitais feitas a alguns quilômetros ou a alguns milhares de quilômetros de distância do hospital ou da clínica de origem, muitas vezes informais, já salvaram vidas mundo afora. Problema complexo não resolve-se com solução simples.

Também aprendi com profundo envolvimento no passado com o tema conflitos de interesse na medicina que não devemos criminalizar este tipo de debate (existe instância específica para eventuais criminalizações de fatos relacionados), ou sobre dilemas éticos em geral, sob o risco de, ao criminalizar o cotidiano de muitas pessoas, aumentar cortina de fumaça, entre outros efeitos indesejados e, paradoxalmente, mais atrapalhar do que ajudar. Ética não se resolve por decreto, infelizmente. “Cockpit estéril” talvez sim, mais fiscalização, feedback e, eventualmente, punições. As pessoas confundem ética com um gabarito para a vida. Ética é um exercício para a vida toda, coletiva e individual. Caráter se tem ou não se tem. Ética se perde. Seu fortalecimento é possível, mas complexo e muito parcialmente dependente do sistema acusatório ou punitivo.

Confirmada a história de que o vazamento de informações do caso da ex-primeira dama deu-se em outro hospital, e não no Sírio-Libanês, o que fez a médica colocada no centro do escândalo amplamente divulgado na mídia e redes sociais torna-se semelhante ao que fez centenas de outros indivíduos Brasil afora, médicos e não-médicos. Propagadores da informação podem até ser julgados, e por quem quiser. Mas disso pouco de útil saíra para proteger futuros pacientes em condição semelhante. Sempre existirá alguém para cometer lapsos éticos ou mesmo violações grosseiras. Caiu na rede, o estrago é certo. A questão realmente importante é outra: como o sistema e os hospitais Brasil afora protegerão melhor os pacientes lá na origem destas questões?

Sob um olhar menos pessoal e mais sistêmico, interessa-me saber ainda como os hospitais (todos eles) e o Conselho Federal de Medicina protegerão melhor dados de pacientes neste mundo cada vez mais digital e virtual, sem comprometer inovação em saúde, sem acrescentar muito consequências negativas não-intencionais ao cenário, algo que já vem atrapalhando a evolução necessária da tele-medicina no Brasil, por exemplo.

Até quando toleraremos comunicações não relacionadas à missão em blocos cirúrgicos durante cirurgias?

Em quais momentos da assistência hospitalar geral devemos restringir uso de todo e qualquer dispositivo que desvie atenção do profissional?

Que tipo de ferramentas ofereceremos aos profissionais para justificar restrições em zonas menos críticas?

E, aqui ao extremo inquieto e cheio de dúvidas, como moldar ética pessoal ou profissional em tempos de ética global em frangalhos?