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Vacinas ‘para dar e vender’, mas não tão cedo

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Os imunizantes se multiplicam

A saudosa marchinha de Carnaval de João de Barros “Yes, nós temos bananas” não apareceu em 2021. Uma Quarta-Feira de Cinzas espasmica” foi engolida a seco nas principais passarelas do país (espasmo: contração involuntária, não ritmada, que ocorre nos músculos humanos). Milhões de carnavalescos ficaram em casa, isolados, lembrando “...bananas pra dar e vender, banana menina, tem vitamina, banana engorda e faz crescer”. Na pandemia de 2021 não houve confete e, pior, houve pouca vacina. Os foliões já ‘sabem de cabeça’ o nome dos hits-vacinais deste ano. Já perguntam quando chega a Jansen, porque não teremos a Pfizer, se alguém já comprou a Moderna e quando lançarão no país a Sputnik V. Os imunizantes ‘Oxford’ e Coronavac, então, já fazem parte do folclore nacional e logo estarão nos sambas-enredos dos próximos carnavais.  

Enquanto essas vacinas demoram a aparecer no Brasil, dúzias de outros imunizantes preparam o “abre-alas” para adentrar no mercado global. Até 11 de fevereiro de 2021, 69 vacinas contra a Covid-19 estavam sendo testadas, com 20 delas na Fase 327 na Fase 2 e o resto na Fase 1. Alguns dos novos provedores de imunizantes já aparecem todos os dias nas manchetes, outros preferem mais discrição e menos badalação, sendo que esses componentes passaram a ser decisivos na negociação com países emergentes, ou na oferta às nações do terceiro e quatro mundo. Um exemplo das entrantes é a CVnCoV, uma mRNA da biofarmacêutica alemã Curevac, que lançou em dezembro seu ensaio de Fase 3 recrutando 36.500 voluntários na Alemanha. Menos badalada, ela se prepara para abocanhar market share: em novembro a empresa prometeu fornecer à União Europeia, este ano, 225 milhões de doses (projetam fabricar até um bilhão em 2022). A vacina, que pode ser mantida a 5 graus Celsius positivos, também conta agora com a proteção da Bayer e da GSK, que por meio de acordos vão suportar a produção e a pesquisa junto com a Curevac.

Também na “surdina” chega a AG0302-Covid19, desenvolvida por um consórcio japonês que engloba a empresa de biotecnologia AnGes, a Osaka University e a Takara Bio. Baseada em DNA, ela entrou na Fase 3 e passou a ser uma das apostas dos pesquisadores do Japão, país que só em fevereiro iniciou a imunização com outras marcas. A indiana ZyCoV-D, desenvolvida pela discreta Zydus Cadila, começou a ser testada em agosto, sendo que em janeiro o governo da Índia deu permissão para avançar na Fase 3 com 30.000 voluntários. Segundo Pankaj Patel, presidente da Zydus, a distribuição deve começar em março/abril deste ano. Outra indiana, a Covaxin, é resultado da colaboração entre o Indian Council of Medical Research, o National Institute of Virology e o laboratório Bharat Biotech. Trata-se de um imunizante baseado em vírus inativado, que em outubro iniciou a Fase 3, anunciando em dezembro uma aliança com a norte-americana Ocugen, sediada na Pensilvânia, para expandir a produção da Covaxin dentro do mercado dos EUA. O imunizante está na lista de negociações do Brasil.

A russa EpiVacCorona “corre por fora”. Baseada em adenovírus e desenvolvida pelo Vector State Virology Institute com a Biotechnology Center, iniciou em dezembro a Fase 3 (1.438 voluntários), porem, mesmo antes do final do ensaio ela já estava sendo aplicada na população russa (juntamente com a Sputnik V). Como passou a acontecer com quase todos os biofármacos da China e Rússia, os dados de eficácia aparecem a conta-gotas, com grande suspense e não poucas vezes com a desconfiança do Ocidente. Da China também chegam outros imunizantes, mostrando que o país não mede esforços para enfrentar a concorrência: (1) a ZF2001, da Anhui Zhifei Longcom em conjunto com a Chinese Academy of Medical Sciences, iniciou em dezembro estudo randomizado duplo-cego de Fase 3, com um total de 29.000 indivíduos; e a (2) Convidecia, desenvolvida pela CanSino Biologics em parceria com a Academy of Military Medical Sciences do país. A vacina, baseada em adenovírus (Ad5), em maio passou pela Fase 1, em julho pela 2, e em agosto iniciou a Fase 3 no Paquistão, Rússia, México e Chile.

Quem acha que só os países de grande porte produzem imunizantes, veja o Cazaquistão, uma nação da Ásia Central com 18 milhões de habitantes e que começou a pesquisar sua vacina (coronavírus inativado) em maio (QazCovid). Em agosto, o Research Institute for Biological Safety Problems registrou ensaio da Fase 1, em dezembro o jornal Kazinform relatou que a Fase 2 havia sido concluída (informando “que o produto era seguro e produzia uma resposta imune promissora”) e em janeiro iniciou ensaio de Fase 3 com 10 mil voluntários, projetando os resultados finais para março. Países com histórico de sólida infraestrutura militar são naturais desenvolveres de vacina, sempre quando não estão desenvolvendo armas químicas.

Inúmeros outros imunizantes estão chegando aos mercados, como a norte-americana Novavax, a cubana Abdala, a chinesa Clover, etc. O que está claro é que China e Índia devem confirmar sua posição mundial de maiores provedores vacinais, como explica Agathe DemaraisDiretora de Previsão Global da (EIU) Economist Intelligence Unit"A China, por exemplo, está chegando com instalações de manufatura e profissionais bem treinados, mostrando a sua influência no longo prazo. Será muito difícil para os governos destinatários contestar a posição da China em qualquer demanda vacinal no futuro". Na Índiao visionário presidente do Serum Institute of India, Mr. Adar Poonawalla, que em 2020 foi incluído pela revista Fortune na lista dos '40 Under 40' (categoria Saúde), levou o país a ser o maior produtor de imunizantes do planeta. Em 2020, sua família pensou que ele havia enlouquecido quando começou a apostar centenas de milhões de dólares de seu próprio bolso em ensaios vacinais, que até então não apresentavam qualquer garantia de resultados positivos. Em janeiro, a vacina da Oxford & AstraZeneca foi entregue ao Serum para produção na Índia, que agora manufatura 2,4 milhões de doses por dia. "Achei que haveria muitos fabricantes capazes de fornecer vacinas, mas, infelizmente, pelo menos até o primeiro trimestre de 2021, talvez até no segundo trimestre, não vemos um grande aumento de ofertas", explicou PoonawallaNo total, o Serum deve fornecer 200 milhões de doses da AstraZeneca somente para o consórcio Covax, prometendo mais 900 milhões de doses no futuro. Demarais e a EIU não são muito otimistas sobre o que o Covax pode alcançar. “Os prazos para a entrega ainda não estão claros, e mesmo que as coisas ocorram conforme o planejado o esquema visa cobrir apenas 20-27% da população de um país neste ano. Será uma vacinação importante, mas não uma virada de jogo”, explicou ela a BBC. Sua previsão mostra que muitos países só terão cobertura ampla em 2023.

Mas, ser uma superpotência global de vacinas não significa que sua população será vacinada primeiro. Pesquisa da EIU prevê que China e Índia, as duas maiores produtoras globais de imunizantes, podem não ter suas demandas vacinais completadas até o final de 2022. Suas grandes populações e a escassez de profissionais de saúde conspira contra uma vacinação rápida. Assim, estarão na longa lista dos países ‘não-minimamente-imunizados’ em 2021. Obviamente a produção mundial de vacinas nunca foi tão rápida, mas inocular 7,5 bilhões de indivíduos no mundo é uma tarefa abissal, que nunca foi tentada antes. Para alcançar 50% desse total em 2021, todos os provedores deveriam entregar um total superior a 310 milhões de doses mensais, o que parece impraticável. Pior que isso é o discurso dos governantes, que além de ‘obscuros’ são baseados em projeções fictícias. Demarais acha que os governos deveriam ser sinceros sobre o que é possível fazer, mas reconhece que as coisas não são simples: “É muito difícil para um governo dizer: 'Não, não vamos conseguir uma ampla cobertura de imunização antes de vários anos'. Ninguém quer dizer isso". No Brasil, ninguém diz. Talvez a única coisa que a população do país gostaria de ouvir na próxima festa de Momo é “Yes, nós temos vacina!”

Guilherme S. Hummel

Coordenador Científico – HIMSS Hospitalar Forum

eHealth Mentor Institute (EMI) - Head Mentor

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