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Não tratar corretamente o Câncer de Mama HER2 Positivo faz mal à saúde

Article-Não tratar corretamente o Câncer de Mama HER2 Positivo faz mal à saúde

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O Brasil, referência mundial em tratamento de AIDS, Hepatite e Vacinação, não poderia ser referência em Câncer? Câncer tem que ter uma política de Estado e não de Governo.

O conceito de medicina personalizada é um dos paradigmas da oncologia. Um dos melhores exemplos é o Câncer de Mama HER2 positivo. Além de identificar um alvo molecular específico, foram desenvolvidos tratamentos dirigidos a esse alvo, com melhor controle da doença e cura de mais pacientes. Desde 1998, o medicamento anti-HER2 Trastuzumabe é aprovado pelo FDA (EUA) para o câncer de mama metastático e desde o ano 2000 vem sendo usado no Brasil. Em 2005, foi adotado na doença mais inicial, para reduzir o risco de recidiva.

As autoridades brasileiras que controlam a gestão da saúde não permitiram o acesso de Trastuzumabe às pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) até Janeiro de 2013, questionando a veracidade do benefício, mesmo com as inúmeras tentativas da SBOC e de entidades do terceiro setor, como o Instituto Oncoguia e a FEMAMA, de sensibilizar gestores públicos a rever essa posição. Centenas de ações ainda sobrecarregam o Judiciário para pleitear o acesso. Quando finalmente o SUS incorporou, proibiram o tratamento para as pacientes com doença metastática, o que ainda tira em 2016 o acesso ao medicamento. A OMS atualizou em 2015 a “cesta básica” de medicamentos essenciais., incluindo o Trastuzumabe para todas as suas indicações. No Brasil, a comissão do SUS (CONITEC) segue negando o benefício na doença mais avançada. Prolongar a sobrevida e melhorar a qualidade de vida não parece uma prioridade para o governo. No SUS, a sobrevida mediana esperada para os casos avançados é de cerca de 22 meses, no cenário privado, 56 meses.

Fizemos uma estimativa (eu e o prof Dr C. Barrios da PUC-RS, publicada em 2015 no J Clin Oncol - Brasil) conservadora do impacto da ausência deste medicamento. No cálculo, consideramos o número de casos novos, a proporção de pacientes atendidas pelo SUS, o percentual de pacientes que poderiam receber o medicamento em caráter (neo)adjuvante (i.e. antes ou após a cirurgia) e o fato de que 20% são HER2 positivas.

Utilizando os dados internacionais chegamos à estimativa de que, para cada ano no qual a medicação não foi oferecida no SUS, 696 brasileiras morreram ou ainda devem morrer em virtude da falta do tratamento. Estima-se que 4.872 mulheres morreram no Brasil pelo fato dessa intervenção ter-lhes sido negada durante sete anos.

Embora esses cálculos sejam limitados, eles nos aproximam de uma triste realidade: Um número expressivo de brasileiras com câncer de mama morreu de 2005 a 2012 por não ter acesso a um tratamento curativo. Reiteremos que na doença metastática o SUS segue negando o acesso ao melhor tratamento, e o que sabemos é que a diferença está aumentando, pois nos últimos anos foram incorporados: Lapatinibe, Pertuzumabe, T-DM1. As pacientes do SUS vivem menos e com pior qualidade de vida. Uma nova estimativa corrobora esta tese e será publicada em breve no Journal of Global Oncology. Com o tratamento “padrão SUS”, de cada 2000 mulheres tratadas apenas 808 chegam vivas ao final de 2 anos de acompanhamento e na Saúde Suplementar com o tratamento “correto”, cerca de 1500 conseguem completar estes 2 anos…uma triste realidade destes 2 “Brasis”.

Quem seria o responsável por essas mortes e por estas vidas “encurtadas”? Na minha opinião, provavelmente todos temos uma parcela de culpa. Alguns por questionar o benefício claro e incontestável do tratamento, outros por não fazer o diagnóstico correto da situação, e outros ainda por aceitar passivamente este quadro.

Saúde é um direito de todos e um dever do Estado. É um desafio, ainda mais agora com a crise econômica. Devemos (poder público, gestores da área da saúde, farmacêuticas, pacientes e sociedades médicas) discutir como incorporar tecnologias de alto custo, mas são mais de 13 anos de atraso…o preço pago em vidas é (e foi) alto demais. Em tempos de “fosfo-histeria”, um dos maiores sucessos da Oncologia vem sendo ignorado pelos nossos gestores há anos, e neste exato momento muitas brasileiras vem lutando para sobreviver por mais tempo. No SUS, perden-se meses na espera para o diagnóstico, para a cirurgia, a quimio e a radioterapia, e no caso específico do Câncer de Mama HER2 positivo, sofrem a ausência de medicamentos. Sobreviver ou viver mais tempo, é quase um milagre.

O Brasil, referência mundial em tratamento de AIDS, Hepatite e Vacinação, não poderia ser referência em Câncer? Câncer tem que ter uma política de Estado e não de Governo.