A reação negativa de entidades médicas contra o Programa Mais Médicos, do governo federal, foi engrossada na semana passada por duas das mais importantes instituições de ensino superior em medicina de São Paulo, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Entre outras medidas, o programa pretende trazer médicos estrangeiros para preencher vagas não ocupadas por brasileiros e aumentar o tempo dos cursos de medicina.
A Congregação da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) criticou na sexta-feira (19) a maneira como o governo federal está conduzindo as discussões sobre o Mais Médicos. O órgão é formado por representantes do corpo docente, médicos-residentes, funcionários e alunos de graduação e pós-graduação.
Por meio de uma carta aberta, a congregação disse que o governo está encaminhando as discussões sobre o programa de ?forma autoritária e precipitada?, sem participação das universidades públicas, associações médicas e entidades representativas da área de saúde.
A congregação da Unicamp se manifestou contrária à mudança do curso médico e propõe que, em vez de aumentar o tempo, seja feita uma reforma curricular para oferecer aos alunos uma ?visão humanista e social?. Mas defendeu a criação de um ano inicial de residência para todas as áreas e especialidades médicas na rede básica de saúde, desde que supervisionadas por professores e tutores no local e à distância, e também aprovou a proposta de expansão de 10 mil vagas para a residência médica, priorizando-se as especialidades que são mais necessárias ao SUS.
A diretoria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo também se manifestou contra o programa e pediu que a MP 621 seja retirada da pauta do Congresso Nacional, além de cobrar a manutenção do Revalida como única maneira de admissão de médicos estrangeiros. Para os diretores da faculdade, as medidas apresentadas pelo governo federal não ajudam a solucionar os problemas da saúde pública.
?Se a questão é a falta de médicos, o adiamento de sua formação irá piorar o quadro atual. Se a questão é distribuição dos médicos por todas as regiões do Brasil, a MP não oferece respostas para a migração desses estudantes com a necessária supervisão desses alunos?, diz a nota da faculdade.
O diretor em exercício da FMUSP, José Otávio Costa, apresentou como solução alternativa para a carência de médicos em algumas regiões do país uma parceria do Ministério da Saúde com as instituições de ensino. ?Se o ministério se dispuser a fazer convênio, as faculdades de medicina mais estruturadas poderiam tomar conta de algumas regiões do País ou do seu estado. Mas tem que haver um financiamento?, disse em entrevista à Agência Brasil.
Outro ponto que ajudaria a levar os profissionais às áreas mais carentes, segundo Costa, é a criação de um plano de carreira para os médicos que atendem no SUS.
Entidades
Na mesma sexta-feira entidades médicas anunciaram que estão deixando câmaras e comissões técnicas do governo nas áreas de saúde e da educação, entre elas a do Conselho Nacional de Saúde. A saída é uma reação das organizações ao Programa Mais Médicos.
?Estamos nos sentindo desprezados pelo governo. Ele está nos usando para dizer que negociou com a categoria, mas faz o que já tinha decidido anteriormente?, alega Geraldo Ferreira, presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam). ?É uma declaração de guerra ao governo.?
Segundo Ferreira, ficou acertado, em reunião com Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB), que representantes de 56 sociedades médicas, como de cardiologia e de pediatria, também vão sair dos grupos técnicos coordenados pelo governo.
Para o CFM, o governo editou de forma unilateral e autoritária medidas paliativas que afetam a qualidade dos serviços públicos de saúde e o exercício da medicina no país, rompendo assim o diálogo com as entidades médicas. A medida teve ainda a adesão da Associação Nacional dos Médicos Residentes.
O Ministério da Saúde informou que sempre esteve aberto ao diálogo, desde o início da discussão da proposta que cria o Mais Médicos e que continua aberta ao debate.
A presidenta do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Maria do Socorro de Souza, lamentou a saída das entidades e classificou a atitude como corporativista. “É um equívoco essa decisão política, o CNS é a esfera pública legitimada para esse debate e eles [médicos] saem na hora em que mais precisamos encontrar os caminhos para a saúde. Eles não estão mostrando disposição ao diálogo”, disse à Agência Brasil.
A Fenam, que congrega os sindicatos estaduais de médicos, antecipou que vai entrar com ações judiciais para derrubar a medida provisória (MP) que cria o Mais Médicos. Para Ferreira, o governo está oferecendo o pagamento em bolsa para fugir dos direitos trabalhistas dos profissionais.
A entidade disse que na próxima quarta-feira (24) vai entrar com uma ação civil pública na Justiça Federal questionando a dispensa da revalidação dos diplomas de médicos estrangeiros. A federação informou ainda que vai ingressar com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a ausência de um regime de trabalho.
Tags