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Computação Quântica na medicina: o que saber para não parecer desinformado

Article-Computação Quântica na medicina: o que saber para não parecer desinformado

Crédito: istock computacao-quantica.jpg
Como a mecânica quântica vai mudar a medicina

Podemos pensar que o ‘moderno’ na cosmologia científica de hoje é uma nova corrida espacial. Até o final de agosto/2023 havia 14 pessoas no espaço em missões siderais (só o projeto SpaceX já colocou 42 pessoas no espaço desde 2020, sendo que de janeiro a junho de 2023 ocorreram 133 lançamentos). Seguramente, trata-se de uma nova corrida espacial, mas está longe de ser o passo científico mais impactante desta primeira metade de século. O troféu deve ser entregue a Computação Quântica (CQ).

Em 2022, o Nobel de Física foi entregue a três pesquisadores por seus experimentos no chamado “entrelaçamento quântico”, quando duas partículas se comportam como uma única, mesmo quando estão separadas. O prêmio não foi à toa: nunca a mecânica quântica foi tão promissora, principalmente na área da computação quântica. Outro marco foi alcançado pela IBM, anunciando em setembro de 2022 sua última geração de processadores quânticos. Trata-se do primeiro a oferecer mais de 400 qubits, indicando que a empresa está no caminho para lançar no próximo ano um processador de 1000 qubits. Na última conferência HIMSS-2023 (Chicago), Frederik Floether, pesquisador quântico da QuantumBasel, explicou: "o modelo computacional quântico é diferente do tradicional. Em um computador clássico, quando aumentamos o número de bits por um fator de 10, a quantidade de informação e processamento aumenta em 10. Na computação quântica, aumenta em 1.000, crescendo exponencialmente com o número de bits quânticos". Lembrando: 30 qubits podem executar trilhões de operações por segundo. É provável que até 2030 já existam entre 2.000 e 5.000 computadores quânticos em todo o mundo (fonte: McKinsey), sendo que até o final de 2022 já existiam 5 empresas fabricando chips quânticos.

Historicamente, as crises têm sido propulsoras de novas tecnologias. A Primeira Guerra Mundial compeliu o início dos processos fabris e a Guerra Fria, nos anos 1960, acelerou a criação das Redes de Dados (Arpanet), prenunciando a Internet. Agora a Covid-19 está propelindo de forma generalizada as inteligências artificiais (software) e as tecnologias quânticas (hardware). O mundo físico, como estrutura de matéria fixa e tangível, foi bem acompanhado e explicado pela mecânica clássica. Mas à medida que os cientistas começaram a explorar o mundo subatômico (partículas menores que um átomo) a ‘mecânica newtoniana e a matemática euclidiana’ passaram a ser insuficientes para acompanhar as pesquisas. Nesse sentido, o campo da mecânica quântica emergiu e suas aplicações na Ciência Médica duplicam a cada seis meses.

Este paper tentará mostrar alguns elementos importantes para ‘não sermos os mais bobos, sonsos ou tartufos nas reuniões e happy-hours em que a CQ seja objeto’. Nessa direção, não interessa muito aprofundar as análises, ou conhecer os conceitos quânticos em detalhes, mas entender as trilhas de conhecimento que possam nos ajudar a perceber o que vem pela frente. Seremos usuários da CQ, mas hoje somos como ratinhos de laboratórios, vendo o mundo nos olhar esperando nossas reações, expressões e sinais de ‘retardamento mental’. Tudo nos parece estranho e exótico. Quem desejar uma imersão mais detalhada na física quântica, pode acessar o estudo “Quantum Computing for Healthcare: A Review”, publicado em 2023, um overview bastante didático sobre a disciplina. 

Não importa muito a sua área de atuação dentro da Cadeia de Saúde, a computação quântica estará em sua vida de forma factual mais rápido do que imaginamos. “Ops, mas não eram as IAs Generativas a nova onda disruptiva??” Pois é, uma passou a turbinar a outra, se fundindo em elementos que operam no ambiente de pesquisa e desenvolvimento. Essa fusão opera um milagre: desenvolver em uma ou duas décadas aquilo que o ser humano levaria um século ou mais para alcançar. Em termos de saúde e ciências médicas, a CQ tem o potencial de revolucionar de forma descomunal a descoberta de medicamentos ou ressignificar as imagens médicas por meio de algoritmos quânticos. Sem falar no campo da genômica e medicina de precisão, onde esses algoritmos podem acelerar sobremaneira a identificação rápida e precisa de mutações genéticas.

O que é a computação quântica, afinal?

"O começo é sempre hoje". A teoria quântica nunca cessa de se reiniciar. Seu filho mais ilustre, a física quântica, se envolve com a matéria e a energia em seu nível mais fundamental, rastreando de maneira inusitada as propriedades e comportamentos da natureza. Os pioneiros da computação quântica (início da década de 1980) usaram uma mensagem clara: “O computador é um sistema físico. Se você quiser calcular com eficiência aquilo que é ‘não-computável’, terá que repensar como fazer computação. A única ciência capaz de repensá-la é a mecânica quântica”.  A teoria quântica é como um manual de regras que nos diz como agem as nanopartícula, como átomos e fótons. Computação Quântica é uma tecnologia que aproveita os princípios centrais da física quântica para processar informações, sendo eles: a (1) superposição e o (2) emaranhamento. O primeiro princípio permite que os qubits (unidade básica de informação quântica) existam em “vários estados ao mesmo tempo”; enquanto o segundo facilita “conexões instantâneas entre eles não importando a distância” (o emaranhamento quântico ocorre quando as partículas ficam tão emaranhadas que permanecem conectadas independentemente da distância entre elas. Como existe uma ligação entre as partículas, qualquer efeito numa afeta a outra). Essa combinação permite que a CQ resolva problemas exponencialmente mais rápido do que os computadores tradicionais (ou o que estes jamais conseguiriam resolver). Um computador quântico pode examinar um grande número de possibilidades ao mesmo tempo, como, por exemplo, encontrar rapidamente o caminho mais curto entre várias opções moleculares, resolvendo problemas complexos de reações químicas extremamente complicadas.

Quais são os mitos forjados pelo ‘senso comum’ quanto a CQ?

Kant escreveu: "A inteligência de um indivíduo é medida pela quantidade de incertezas que ele é capaz de suportar". Boa parte dos indivíduos não suporta estar à margem das certezas. A física quântica desafia nossa mente a não se subjuga às certezas clássicas. O influente pesquisador Bernardo Marr explica: “Para a maioria das pessoas, a física quântica é uma coleção de ideias aparentemente selvagens e malucas, como partículas sendo capazes de coexistir simultaneamente em vários estados ou exercer influência sobre outras partículas a distâncias infinitas. Não é surpresa que seja o suficiente para fazer a maioria das pessoas coçar a cabeça. Não precisamos ter uma compreensão einsteiniana para entendermos algumas coisas que a CQ vai nos beneficiar”. Todavia, mitos são criados todos os dias sobre a influência da mecânica quântica no dia a dia da civilização. Alguns deles:

(Mito 1) Computadores quânticos estão substituindo os computadores clássicos. Os computadores quânticos provavelmente nunca substituirão os computadores clássicos. Há muitas tarefas que simplesmente nunca exigirão o imenso poder da computação quântica, que em alguns casos tem o potencial de realizar em horas ou minutos cálculos que levariam milhões de anos na computação clássica. Um usuário médio de computador não terá necessidade de usar a CQ para fins de comunicação ou tarefas operacionais. Computadores clássicos, que são muito mais baratos e fáceis de produzir, estarão conosco por algum tempo ainda. O mais provável é que em alguns anos nossos notebooks terão chaveamento para aplicações quânticas (com estações quânticas em nuvem), que serão acessadas sempre que nossos cálculos exijam uma enorme quantidade de processamento (nesse caso, óbvio, o usuário pagará mais por esse acesso).

(Mito 2) Computação quântica significa o fim da criptografia. A CQ tem implicações importantes para a criptografia, que hoje sustenta basicamente toda a privacidade e segurança de dados na internet. Ela não tornará tudo isso inútil, ou hackeável. Esse problema está no radar há algum tempo, e os criptologistas estão trabalhando em protocolos "quânticos" de criptografia. Nos EUA, por exemplo, o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia está atualmente passando por uma avaliação da ameaça e desenvolvendo possíveis neutralizadores da criptografia pós-quântica. Portanto, as investigações em campos como da criptografia resultarão em novos protocolos que serão seguros por algum tempo ainda.

(Mito 3) Ainda não há uso prático para computadores quânticos. Ainda é cedo para avaliar a revolução quântica, mas certamente é um erro pensar que ela ainda não começou. A gigante de entregas DHL, por exemplo, usa computadores quânticos para otimizar rotas de entrega; a Goldman Sachs desenvolveu algoritmos quânticos usados para cálculos financeiros de alta velocidade; a farmacêutica Merck usa química quântica para ajudar a desenvolver novos antibióticos; uma parceria entre BMW e Airbus está aplicando tecnologia quântica na criação de novas e mais eficientes células de combustível. Já há uma centena de aplicações rodando em modo operacional em vários setores.

Como a CQ pode acelerar o desenvolvimento médico-assistencial?

O relatório “It’s Time to Go Quantum in Medicine”, publicado em julho de 2023 na MDPI, esquenta as turbinas dessa ‘nave-mãe’, a computação quântica na medicina. A mecânica quântica está sendo propelida pelas LLMs (IAs Generativas, como os ChatGPTs), notadamente na medicina. O que vem pela frente é um salto espetacular. O relatório conclui: “À medida que os médicos continuam a aprender diferentes técnicas, estilos e métodos para diagnosticar e tratar pacientes, a incorporação de uma forte compreensão quântica pode ajudar a preencher a lacuna entre os diferentes campos, desenvolvendo uma forte interseccionalidade entre as diferentes disciplinas científicas. Como lindamente explicado na obra ‘The Quantum Doctor: A Quantum Physicist Explains the Healing Power of Integral Medicine’: se algum campo precisa de integração, é o da medicina. Se algum campo precisa de um paradigma integrativo que possa dar sentido a todos os diferentes modelos de cura, esse campo é a medicina”.

As chamadas Ciências da Vida empacam na exata medida em que a computação tradicional não consegue dar respostas rápidas aos obstáculos. Assim, cresce de forma exponencial a corrida interdisciplinar na direção das aplicações quânticas. O relatório da IBM, “The Quantum Decade” (2022), prognostica: “Dentro de cinco anos, será possível que a computação quântica seja amplamente utilizada por novas categorias de profissionais para resolver problemas considerados hoje insolúveis. A CQ permitirá resolver uma série de casos de uso disruptivo em ciências biológicas, que incluem a criação de terapias em medicina de precisão, vinculando genomas a resultados analíticos. Da mesma forma, poderá permitir a melhoria dos cuidados através do aumento na eficiência em descobrir medicamentos de pequenas moléculas e no desenvolvimento de novos produtos biológicos baseados no dobramento de proteínas. Consequentemente, compreender as sequências primárias não são as maiores limitações para os cientistas. Em vez disso, o foco da pesquisa mudou para obter vantagem de novas ferramentas computacionais que aprofundem nossa velocidade no sequenciamento genético”. Ou seja, o fôlego da computação tradicional está dificultando a velocidade dos ensaios científicos, principalmente na área médica. Sim, é verdade: a ciência médica já corre mais rápido do que a ciência computacional.

Por outro lado, a computação quântica tem “bíceps” para esses desafios. Possui uma enorme diversidade de aplicações, podendo ajudar na avaliação de um número maior de ‘moléculas candidatas’ e avaliá-las com mais precisão. Assim, espera-se um crescimento potente na chamada Medicina de Precisão. A complexidade biológica faz com que a “medicina individualizada” exija muito além do padrão habitual de cuidados médicos. Muitas terapias existentes não conseguem atingir os efeitos pretendidos devido à ‘variabilidade individual’ (apenas um terço dos pacientes responde a terapias medicamentosas contra o câncer, sendo que só na Europa até 200 mil pessoas morrem por ano devido aos efeitos adversos dessas drogas). Embora ainda estejamos longe de conceber uma medicina de precisão totalmente confiável, a computação quântica abre uma formidável porta para que as organizações de saúde personalizem seus serviços utilizando uma modelagem quântica. 

Como os sensores quânticos podem aumentar a precisão das aferições médicas?

A “detecção quântica” é o mercado mais maduro em todo o ecossistema de tecnologia quântica. A ressonância magnética, por exemplo, é um tipo de detecção quântica usada há 50 anos. No entanto, o investimento global e o número de intervenientes no mercado de sensores quânticos só agora começam a decolar (o mercado global de sensores quânticos deverá crescer 9% ao ano até 2030). Detecção quântica é uma tecnologia que utiliza os princípios da mecânica quântica para desenvolver novos tipos de sensores. Está na categoria de tecnologias de simulação e comunicação quântica. Espera-se que os sensores quânticos tenham maior sensibilidade, exatidão e precisão em suas medições físicas e químicas. Por exemplo, sensores quânticos podem medir os campos magnéticos produzidos pelo cérebro para diagnosticar distúrbios neurológicos (veja vídeo).

Sensores quânticos combinam emaranhamento quântico, interferência quântica e estado quântico. Eles coletam e transportam informações por meio de qubits (bits quânticos), existindo duas abordagens comuns para a detecção quântica. Abordagem 1: átomos e íons são presos em uma câmara de vácuo e resfriados a baixas temperaturas. Em seguida, são manipulados com lasers para medir suas propriedades físicas, enquanto controlam seus estados internos. Por exemplo, ao medir o campo magnético, os sensores quânticos colocam uma pequena amostra de átomos e íons para serem afetados pelo campo magnético. Ao traçar padrões de fluorescência, os pesquisadores avaliam a força e a direção do campo. Abordagem 2: sensores quânticos usam propriedades de fótons individuais para medir quantidades físicas. Por exemplo, os sensores podem medir a temperatura com alta precisão ao emitir um feixe de laser e analisar a intensidade e o comprimento de onda da luz espalhada.

Exemplos de sensores quânticos não faltam, como (1) relógios atômicos: utilizam as oscilações altamente estáveis ​​e previsíveis dos átomos para medir o tempo com extrema precisão; (2) magnetômetros: se beneficiam das propriedades atômicas para aferir campos magnéticos em geologia, diagnósticos médicos e ciência dos materiais; (3) gravitômetros: medem campos gravitacionais para fins geofísicos e de navegação; (4) interferômetros: utilizam padrões de interferência dos fótons para aferir comprimento ou distância (usados em metrologia, microscopia e engenharia de precisão); (5) termômetros: medem a temperatura com alta precisão e exatidão usando propriedades iônicas; (6) sensores químicos: detectam produtos químicos no ambiente com alta sensibilidade e especificidade; (7) sensores de imagem: usam as propriedades dos fótons para criar imagens de alta resolução, beneficiando principalmente as imagens médicas. O estudo “Quantum sensors for biomedical applications”, publicado em fevereiro de 2023, mostra o incrível desenvolvimento dos sensores quânticos biomédicos na última década, passando de experimentos iniciais para aplicações no mundo real.

Como os países estão envolvidos na pesquisa e desenvolvimento da computação quântica?

Esquecendo um pouco os EUA, que lideram a corrida quântica, tanto na pesquisa pública como privada, quase todos os países do G50 desenvolvem soluções e estudos na área da computação quântica. A Quantum Spain, por exemplo, anunciou 14 novas instituições participando de seu projeto. Seu objetivo é criar um ecossistema nacional em CQ aproveitando e promovendo o talento dos pesquisadores locais. O projeto é promovido pelo Ministério da Economia e Transformação Digital da Espanha, sendo que as principais universidades espanholas já interagem nas pautas científicas em CQ. A Quantum Spain se concentra na hibridação da computação quântica com a Inteligência Artificial (IA).

Por meio da Deutsche Telekom, a Alemanha está abrindo um grande laboratório quântico em Berlim (“Quantum Lab”), conectando por 2.000 km de fibra óptica todos os parceiros do projeto. As principais universidades científicas e centros de estudo quântico do país participam do projeto: "Convidamos explicitamente a comunidade de pesquisa e inovação a se juntar a nós para alavancar redes de pesquisa e desenvolvimento, promovendo soluções inovadoras em CQ que possam funcionar no mundo real”, explica Claudia Nemat, diretora do projeto. O Reino Unido também acelera seus projetos quânticos, tendo o Governo e o British Business Bank anunciado em setembro/2023 um financiamento de 2 milhões de libras à empresa Oxford Ionics, cuja tecnologia permite que “íons presos” sejam combinados com chips de silício (Electronic Qubit Control - EQC). Os computadores atuais resolvem problemas de forma linear (um cálculo de cada vez). Partículas quânticas podem estar separadas por milhões de quilômetros e estar estranhamente conectadas, refletindo as ações umas das outras instantaneamente. O dificultador na etapa de transferência de informações quânticas entre chips é que a informação se degrada e erros são introduzidos. A equipe do professor Winfried Hensinger, que lidera uma pesquisa na Sussex University, fez um avanço considerável que pode superar esse obstáculo (publicado na revista Nature Communications em 2023). O sistema desenvolvido é capaz de transportar informações de um chip para outro com confiabilidade de 99,993% em velocidades recordes, mostrando que é possível ter estabilidade e velocidade na etapa de transferir as informações quânticas.

A região Ásia-Pacífico, conhecida por sua proeza tecnológica e inovação, está na vanguarda do desenvolvimento quântico. Países como China, Japão, Coreia do Sul e Cingapura estão investindo pesadamente em pesquisa e desenvolvimento quântico. A China, por exemplo, tem feito avanços significativos, tendo já lançado o primeiro satélite quântico do mundo, que usa criptografia quântica para comunicação ultrassegura. O Japão, por outro lado, está se concentrando no desenvolvimento de algoritmos quânticos e seus softwares. O Instituto de Algoritmos Quânticos do país está trabalhando na criação de algoritmos quânticos práticos que podem ser usados em vários campos, de finanças a produtos farmacêuticos. Cingapura, um centro global de tecnologia e inovação, também está progredindo rapidamente na computação quântica. A Fundação Nacional de Pesquisa lançou um Programa de Engenharia Quântica de US$ 25 milhões, destinado ao desenvolvimento de tecnologias quânticas para aplicações comerciais.

O Brasil tem ações na área de engenharia quântica, notadamente em algumas de suas principais Universidades, mas nada que seja de expressão internacional para um país com a 12ª economia do mundo (fonte: Exame). Recentemente o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) divulgou investimentos de R$ 32 milhões na instalação de um laboratório de tecnologia quântica no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), unidade do MCTI; e R$ 60 milhões no que será o Centro de Competência Brasileiro em Tecnologias Quânticas. Certamente, muitos estudos e desenvolvimentos estão sendo realizados no país, especialmente na iniciativa privada. Uma rede global de empresas, a Quantum Network, já reúne 210 membros, dentre eles, algumas empresas brasileiras. A própria IBM divulgou em 2022 que a “Computação quântica será realidade no Brasil em 2025” (fonte: Forbes). O país precisa no mínimo de um “programa de formação” em programação quântica, que já é uma realidade em vários países e pode alavancar uma poderosa força de talentos nacionais no setor. Linguagens de programação quântica já existem e são de fácil acesso, como Qiskit (IBM); Cirq (Google); Quipper; PyQuil (Rigetti) ou o Microsoft Quantum Development Kit. Estão em franca expansão, embora existam poucas opções de escolas ou universidades oferecendo essas plataformas de ensino no país. Sem ilusões: o caminho mais rápido e profissionalmente mais atrativo para o setor quântico no Brasil é o desenvolvimento de competências em linguagens quânticas de programação. Aqui vale a velha ideia junguiana: "Eu não sou o que me aconteceu, mas o que escolhi me tornar". O Brasil precisa de programadores, quânticos ou não.

“O que é a realidade para a computação quântica?”

Desde as disputas nos anos 30 entre Einstein e Bohr sobre “o que é a realidade”, a física quântica não dava passos tão largos como hoje. A mecânica de Newton, que por três séculos moldou a civilização humana, ficou insuficiente. Para explicar o movimento dos elétrons em torno do núcleo, Planck, Bohr, Einstein e Schrodinger jogaram todas as suas apostas em uma nova teoria. Baseando-se nos conceitos de quantização (do adjetivo quantizado, em que “a quantidade é especificada e quantificada”) a teoria quântica passou a mudar as certezas da física clássica, dando lugar a uma dimensão surpreendente de probabilidades, registradas em fenômenos que até hoje nos parecem bizarros. Ou seja, a física determinística passou a dar lugar a física probabilística, em que nunca sabemos com segurança o que vai acontecer com as partículas.

O pesquisador espanhol David López Pérez, doutor em neurociências, e seu colega Christian Matthias Kerskens (Trinity College, Dublin) utilizaram máquinas de ressonância magnética (modificadas) para escanear o cérebro de 40 indivíduos, observando o movimento da matéria dentro do corpo. Conforme Pérez declarou a BBC: "como o cérebro tem muita quantidade de água, na ressonância magnética um sinal é enviado (pulso) para que os prótons da água fiquem excitados e retornem em seguida à sua posição original. Digamos que você tenha, por exemplo, uma festa. Todos estão conversando entre si e, de repente, o DJ coloca uma música que agrada a todos. Estes se voltam ao DJ para ouvir a música e, quando ela acaba, cada um volta a fazer o que estava fazendo. É o que acontece na ressonância magnética para medir os prótons de água". O experimento está descrito no estudo “Experimental indications of non-classical brain functions”, publicado em 2022. Nele, os cientistas registraram o “entrelaçamento quântico” entre os prótons do cérebro, que interagem entre si, como se estivessem separados e, de repente, estabelecem uma relação.

O experimento registrou pela primeira vez o entrelaçamento quântico entre os prótons do cérebro. "Hoje podemos afirmar que os prótons estão entrelaçados porque existe uma função que está mediando o entrelaçamento e, para nós, essa função é a consciência, que age como mediadora. Não podemos medi-la diretamente, mas medimos os prótons", afirmou López Pérez. Como a consciência é subjetiva, ou seja, é intrínseca ao sujeito que acompanha o experimento, surge o ‘pânico físico-químico’: “a realidade é mediada por um observador”, como dizia Niels Bohr: dependendo do observador, muda o resultado do experimento.É como se tivéssemos duas pessoas com opiniões políticas diferentes, que não conseguem chegar a nenhum acordo e, graças a um negociador, podem colocar suas diferenças de lado, sentar e conversar. Nós sugestionamos algo parecido no cérebro. Ou seja, os prótons se entrelaçam, mas não sabemos como nem por quê. O que fizemos foi propor um mediador nesse processo, permitindo que ele ocorresse. Esse mediador, para nós, é a consciência", explica López Pérez. O fato gerador dessa conclusão foi quando um dos pacientes dormiu dentro do aparelho durante o experimento, pedindo desculpas aos cientistas que acompanhavam o evento. Mas (surpresa!), os pesquisadores perceberam como o sinal caia quando o participante dormiu e voltava a surgir quando ele acordava. Foi aí que começaram a pensar que havia a possibilidade de uma relação direta com o estado consciente do participante. "Foi a única explicação que encontramos, mas precisamos reproduzir o experimento e realizar estudos mais avançados, que nos permita demonstrar o que foi apresentado. O que tentávamos era basicamente comprovar que o cérebro pode comportar-se de forma quântica", explica Pérez.

Einstein discordava dessa premissa, sempre propondo: “o real independe de nós”. No fundo, todos estão falando de certezas e incertezas físicas. Na física clássica, quando uma incerteza atinge um paradigma determinista temos o caos. Mas quando a incerteza é um ingrediente da Natureza no nível fundamental, temos a física quântica. Para explicar a energia liberada na mecânica quântica, vamos imaginar um átomo de hidrogênio, com um único elétron “preso” ao seu núcleo, ou seja, o elétron está confinado. Quando o átomo está em um estado de maior energia (excitado) e passa para um estado de menor energia, ele realiza um “salto quântico”. Nesse salto o átomo perde energia. No universo, a energia total sempre se conserva. Assim, a energia perdida pelo átomo é emitida na forma de fótons (radiações eletromagnéticas).

Pesquisas como essa, que ocorrem as dúzias nos últimos 20 anos, geraram uma epidemia de ‘ideologias quânticas’, lastreadas em insumos quânticos de toda ordem (cura quântica, sono quântico, terapias quânticas energéticas, bem-estar quântico, reprogramação quântica corporal, etc.), em geral, um misto de esoterismo, medicina-quântica-não-comprovada cientificamente e crendices de aproveitadores que utilizam a expressão “quântico” de maneira equivocada, para não dizer mal-intencionada. Estamos entrando na “quantummania” e isso não tem nada a ver com ciência quântica, mas com impostura.

Não teremos computadores quânticos em casa para fazer buscas na internet ou escrever e-mails. Longe disso. O mais provável é que as máquinas quânticas só fiquem disponíveis por meio de computação em nuvem (ou alguma coisa parecida com isso). São máquinas “barulhentas”, hipersensíveis, correm o risco de cometer erros a cada passo, podem mudar de estado facilmente e precisam ser constantemente calibradas. Mas, numa perspectiva funcional, dependendo da aplicação, os CQs farão os melhores e maiores computadores de hoje parecerem brinquedos. Espera-se que os computadores quânticos reduzam o consumo de energia de 100 a 1000 vezes porque operam em temperaturas muito baixas, nas quais o processador funcionaria como um supercondutor (ou seja, pode conduzir eletricidade praticamente sem resistência).

Niels Bohr, um dos pais da física quântica, mais do que um físico foi acima de tudo um filósofo. Sua genialidade não está em seus escritos, que são bastante escassos, mas em suas concepções e relações pessoais. Gostava de conversar, embora não fosse um orador nato, muitas vezes pensando em voz alta ao lado de seus colaboradores. “Cada frase minha não deve ser entendida como uma afirmação, mas como uma pergunta”, dizia ele. Bohr se agarrou firmemente às contradições e extraiu delas ideias surpreendentes. Uma de suas maiores virtudes foi aperfeiçoar os modelos existentes, detectando seus defeitos e os corrigindo.

Costuma-se dizer que Bohr fez arte e ciência, e, para não irritar os físicos, estabeleceu um ‘princípio de correspondência’. Em 1922 recebeu o Prêmio Nobel (um ano depois de Einstein). À revelia de muitos de seus pares, Bohr mudou o mundo, como Einstein, mas não tão cortejado como este. Constantemente, até o final da vida (morreu em 1962 de trombose), gostava de repetir: “Tudo o que chamamos de real é feito de coisas que não podem ser consideradas reais. A marca registrada de qualquer verdade profunda é que sua negação também seja uma verdade profunda. Nesse sentido, se a mecânica quântica não o chocou profundamente, é porque você ainda não a entendeu”.

Guilherme S. Hummel

Scientific Coordinator Hospitalar Hub

Head Mentor – EMI (eHealth Mentor Institute)