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Uma reflexão de custo-efetividade do medicamento mais caro do mundo

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O medicamento que trata atrofia muscular espinhal foi incluído recentemente no rol de procedimentos da ANS

As relações de custo-efetividade são uma forma de avaliar se a implementação de uma política, programa ou intervenção é viável economicamente e produz resultados satisfatórios. Essa avaliação se baseia na comparação entre o custo total de uma ação e o impacto positivo (ou seja, o benefício) que ela produz. Os custos usualmente são expressos em valores monetários, enquanto os benefícios são representados por alguma medida de saúde escolhida, por exemplo, anos de vida ganhos. 

A ideia por trás das relações custo-efetivadade, para ser considerada viável, uma ação precisa ser não apenas eficaz (ou seja, produzir resultados positivos), mas também econômica (ou seja, custar menos do que o impacto positivo que produz). Dessa forma, essas relações são uma forma de avaliar se uma ação é uma boa alocação de recursos e se é uma opção viável para se atingir determinado objetivo. 

O Ministério da Saúde incorporou ao Sistema Único de Saúde (SUS) o medicamento conhecido como Zolgensma no final do ano passado, utilizado para o tratamento da atrofia muscular espinhal (AME) do tipo 1, que recentemente foi incluído no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).  

 O que chama a atenção é o preço do medicamento, cerca de R$ 6 milhões. Este artigo não tem o objetivo de mensurar os efeitos econômicos do uso do Zolgensma, que é dose única ao paciente, frente a outros medicamentos que deveriam ser administrados ao longo da vida, ou, ainda, os denominados custos evitáveis, isto é, aqueles custos que deixaram de acontecer (internações, exames, terapias) com a escolha do uso do Zolgensma em relação a outras linhas terapêuticas. 

Destaca-se que o sofrimento da família e do paciente são imensuráveis frente aos desafios da doença e que, sem dúvida, o medicamento representa alívio a todo esse sofrimento, apesar de não representar cura definitiva, mas estabilização da doença. 

Portanto, é difícil por racionalidade e bom senso discutir sobre essas questões. É evidente que a saúde não tem preço, mas infelizmente temos que enfrentar a realidade, ela tem custos!  

Todos os dias, nos hospitais, centros médicos e ambulatórios tomam-se decisões baseadas em relações custo-efetivas, que colocam em xeque os seguintes pontos: qual o preço da vida do paciente? Quantos pacientes neste país morreram porque não tiveram acesso a um leito hospitalar antes, durante e após a Covid-19?  

O número de pacientes com câncer com indicação de radioterapia era de 3,8 milhões, porém, segundo dados do Ministério da Saúde, apenas pouco mais de 1,7 milhão destes pacientes conseguiram realizar radioterapia. 

Em 2020, segundo o DATASUS do Ministério da Saúde, ocorreram mais de 31 mil óbitos infantis (0 a 4 anos) por causas evitáveis. Ainda no Brasil, tivemos mais de 78 mil internações no SUS por diarreia em 2022. Destas, 41% em crianças de 0 a 4 anos, cujo tratamento geralmente é de baixo custo e evitável, já que a morbidade e mortalidade associadas à diarreia ainda são um problema de saúde pública. 

Essa situação pode ser ainda pior na população negra e indígena. Em estudo publicado pela Lancet Global Health, de outubro de 2022, com mais de 19 milhões de recém-nascidos brasileiros, concluiu-se que as injustiças raciais levam a resultados ruins na saúde materno-infantil para essas populações. As crianças indígenas têm 14 vezes mais chances de morrer por diarreia e esse mesmo risco é 72% maior entre as crianças pretas, quando comparado com as crianças nascidas de mães brancas.    

De acordo com o relatório de segurança alimentar e nutricional de 2018 da OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), a fome afeta 39,3 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe, o equivalente a 6,15% da população da região. 

Ainda, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 10% da população brasileira vive na condição de insegurança alimentar, o que significa que essas pessoas têm dificuldades para acessar alimentos nutritivos em quantidade e qualidade adequadas. 

A desnutrição tem um impacto significativo na saúde e no bem-estar das pessoas, especialmente de crianças e idosos. A falta de nutrientes adequados pode levar a problemas graves de saúde, como anemia, baixa imunidade e doenças crônicas. Em casos graves, a desnutrição pode até mesmo levar à morte. 

Enfim, poucas pessoas provavelmente discordariam da utilização do medicamento Zolgensma no SUS e na saúde suplementar, porque temos o costume de olhar as relações de forma pontual: o medicamento, o paciente; enquanto deveríamos observar o todo, o complicado versus o complexo. 

A conta não fecha, pode ser cruel, mas qual é a alternativa? A análise custo-efetividade é a única alternativa para atender mais pessoas com menos. Qual é a outra? Os exemplos são infinitos de pessoas que aguardam por um tratamento, infinitamente mais baratos, mas que nunca chegam.  

Os sistemas de saúde no Brasil e no mundo nunca tiveram, não têm e não terão recursos para atender a todos. Pode ser difícil encarar a realidade, mas, na falta de recursos, a escolha acaba sendo feita pelos médicos: quem vai para UTI, quem será a prioridade na emergência, quem será o transplantado?  

Do outro lado, quem vai pagar a conta? Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o setor de saúde suplementar, que é dependente da queda da taxa de desemprego, fechou 2022 com 50,5 milhões de beneficiários em planos de saúde. Atualmente, as empresas são as principais clientes de planos de saúde, representando 70% do total de beneficiários, mas até quando? 

Do lado público, o SUS depende de um país com perspectiva de crescimento econômico pífio. Segundo o último relatório Focus do Banco Central, a expectativa de crescimento do Brasil é de 0,79% para o ano de 2023 e com tendência de queda, portanto, não se vislumbra aumento importante de receita depositado nas contas do SUS. Enfim, a conta não fecha.