A saúde suplementar no Brasil está diante de um dos maiores desafios dos últimos anos, conforme aponta o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS): as fraudes e desperdícios no setor causaram um prejuízo estimado de R$ 34 bilhões em 2022. Essa cifra representa cerca de 12,7% dos R$ 270 bilhões faturados pelas empresas no ano passado. Mais do que o sistema como um todo, esse cenário também impacta diretamente os beneficiários dos planos de saúde, demandando um olhar minucioso de seus operadores.
O combate às fraudes em planos de saúde enfrenta desafios substanciais, agravados pela ausência de uma tipificação criminal específica para esse tipo de infração. A lacuna na legislação cria um ambiente propício para práticas fraudulentas, dificultando a identificação e punição dos responsáveis. O investimento em tecnologias avançadas de análise de dados, o monitoramento constante de padrões de utilização e a colaboração estreita com profissionais de saúde são medidas essenciais para a detecção precoce de anomalias.
A judicialização da fraude é outro aspecto crítico, com a propositura de ações baseadas em premissas para lá de suspeitas e documentos forjados, inclusive procurações. A revisão e fortalecimento da legislação são imperativos, exigindo a criminalização específica dessas práticas e estabelecendo penalidades mais severas. Além disso, é vital aprimorar os mecanismos de verificação de documentos em processos judiciais relacionados à saúde suplementar.
Nesse cenário, a atuação dos juízes é de importância crucial. A análise crítica dos processos, a avaliação cuidadosa das provas apresentadas e a identificação de possíveis fraudes processuais são aspectos fundamentais. A falta de tipificação específica para fraudes em planos de saúde coloca um ônus ainda maior sobre o judiciário, destacando a necessidade de uma postura firme diante desse tipo de prática.
Juízes devem ser capacitados e orientados sobre as peculiaridades dos casos relacionados à saúde suplementar. A identificação de documentos falsos, pedidos enganosos e outros artifícios fraudulentos requerem uma abordagem diligente. A colaboração entre o sistema judiciário, operadoras de saúde e órgãos reguladores é fundamental para a efetividade na prevenção e punição dessas práticas.
A ausência de uma legislação específica não deve ser um obstáculo para a atuação firme dos juízes. Pelo contrário, essa lacuna ressalta a necessidade de uma interpretação judiciária criteriosa e a aplicação de penas proporcionais às práticas fraudulentas. A jurisprudência consolidada pode desempenhar um papel crucial na criação de precedentes sólidos, que desencorajem atividades ilícitas no âmbito dos planos de saúde, garantindo a integridade das ações judiciais, a confiança do público no sistema judiciário e a prevenção de abusos.
Por isso, o enfrentamento das fraudes em planos de saúde e a promoção do uso responsável dos recursos exigem uma abordagem holística. A conscientização dos beneficiários, a atuação firme das autoridades reguladoras, o combate efetivo à fraude por parte das operadoras e uma postura decidida do judiciário são elementos interconectados que compõem essa complexa equação.
A colaboração entre todos os atores envolvidos, incluindo operadoras, profissionais de saúde, beneficiários, autoridades reguladoras e o sistema judiciário, é crucial para garantir a eficiência e a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar no Brasil. A revisão legislativa para tipificar e criminalizar especificamente as fraudes em planos de saúde, juntamente com uma abordagem mais robusta do judiciário na identificação e punição de práticas fraudulentas, é essencial para fortalecer a base legal e inibir práticas prejudiciais ao sistema. A atuação firme dos juízes desempenha um papel fundamental nesse contexto, assegurando a justiça e a integridade do sistema de saúde suplementar.
Lucas Miglioli, sócio-fundador do M3BS advogados e membro das Comissões Especiais de Estudos de Compliance da OAB/SP