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A evidência e a esperança na saúde

Article-A evidência e a esperança na saúde

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No sistema de saúde, o uso do conhecimento disponível ampara-se no que chamamos de evidência...

No sistema de saúde, o uso do conhecimento disponível ampara-se no que chamamos de evidência, mas, ao cuidar da vida do ser humano, lidamos com um intangível, a esperança. No embate entre evidência e esperança, a esperança normalmente vence.  Para a saúde, precisamos de uma visão de longo prazo e de políticas de Estado (duradouras, mas revisadas periodicamente), não de governo. John Maynard Keynes pode nos auxiliar a refletir sobre esse embate e sobre o papel do Estado ao lidar com alguns dos dilemas que a sociedade moderna enfrenta.

O sistema de saúde está estruturado no modelo de mutualismo, ou seja, todos pagam pelo direito de uso do mesmo, mas a sua utilização não é uniforme em termos de intensidade e momento.

Apresenta pelo menos cinco participantes com responsabilidades e interesses distintos: o usuário (paciente e cidadão saudável), o prestador de serviços, o gerador e difusor de conhecimento (via educação e pesquisa), o fornecedor de insumos e o gestor do recurso.

Em que pese o objetivo fundamental de atender o cidadão, os interesses desses participantes nem sempre estão alinhados.

É um sistema dinâmico, pois a cada dia é impactado pela geração de novos conhecimentos, na percepção e reconhecimento da necessidade em saúde e na mudança nas expectativas (interesses) da sociedade e suas partes. O cidadão paga (por impostos ou prêmios) para ter direito ao uso do sistema de saúde (público ou suplementar), mas quem define a compra de produtos ou serviços é o médico, e quem sofre as consequências das decisões é o paciente. A soberania do consumidor é violada, pois o paciente, por não ter conhecimentos técnicos mínimos, elege o médico como agente de compra. No processo, nem sempre preferências e valores de médicos correspondem aos de pacientes. O sistema de saúde lida com fenômenos biológicos, nos quais a incerteza está sempre presente. A cura ou o alívio do sofrimento não podem ser garantidos.

A evolução da ciência e a geração do conhecimento procura reconhecer e minimizar tais incertezas e a probabilidade de ocorrência de um desfecho desfavorável à saúde. Esse dinamismo faz com que tenhamos, em saúde, verdades (evidências) que são transitórias.

A prática da assistência à saúde fundamenta-se no tripé experiência do médico, uso da melhor evidência disponível para "produção de saúde" e respeito às preferências e valores individuais dos cidadãos (pacientes). O respeito às individualidades e preferências do paciente é crítico para o alcance da confiança e do esperado sucesso de qualquer intervenção.

Nesse contexto, o sistema de saúde "vende" esperança, mas o argumento da esperança não pode ser usado como justificativa para privilegiar interesses de participantes específicos. Por ser um sistema com recursos públicos escassos e finitos, em que há o embate lícito e reconhecido entre a evidência e a esperança, é crítico que exista um arcabouço regulamentar, regulador, controlador e fiscalizador que seja endossado pela sociedade.

O Estado deve assumir o seu papel. Ao mesmo tempo, devido à limitação de recursos, é necessário priorizar, fazer escolhas e dizer alguns "nãos" em saúde; dessa forma, quanto mais claros, explícitos e aceitos pela sociedade forem os limites impostos pelos recursos e conhecimentos disponíveis, com mais eficiência, justiça e igualdade estaremos tratando os brasileiros.

A saúde do cidadão depende do uso da evidência, mas ampara-se na esperança. O papel do Estado é apoiar-se na evidência sem desrespeitar a esperança do cidadão.