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Viviane Mosé: mudança acontece com um pé na idade média e outro no futuro

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Viviane Mosé - Marcelo Vieira
Ao discutir as relações humanas no contexto digital, a filósofa escancara que, apesar de toda a tecnologia, a sociedade continua intolerante

De expressão intensa e raciocínio rápido, Viviane Mosé, filosofa e escritora, descreve o caos de uma sociedade em transição, que passa de uma era industrial para a digital reproduzindo incoerências a partir de valores completamente distintos de um período para o outro. 


Temos o Bluetooth, a fibra ótica, a democratização do conteúdo e a multiplicidade midiática, mas também assistimos o espancamento de uma menina por colegas incomodadas por ela ser “a mais bonita”, presenciamos atos racistas nos estádios de futebol, assim como mais da metade da população toma remédios psiquiátricos e o Brasil subindo no índice de suicídios.

O conjunto de uma alta capacidade tecnológica e a presença, ainda forte, de uma mentalidade medieval, como caracteriza Viviane, produz um senso de “não fragilidade” e a “perda da noção de humanidade”. “Somos incapazes hoje de lidar com a frustração e o sofrimento. Queremos transformar tudo em tecnologia”, diz.

A transição está no rompimento de valores e modelos antigos de se relacionar – fenômeno este impulsionado pela ampla disseminação de conteúdo, semelhante ao que ocorreu na época renascentista, com a circulação de livros após a criação da prensa por Gutenberg. 


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Viviane, que também é poeta e psicanalista, enxerga o ser humano como um vulcão ambulante, que todo o dia é amarrado para poder conviver. “O que eu faço com minha força? Consigo transformar a minha frustação em arte, em trabalho, em produtividade? Essas intensidades vão sendo controladas, mas não desaparecem. E a mudança de valores desfaz essas amarras e evidencia essas intensidades”.

Hoje, assim como as empresas já não vendem mais produtos e, sim, experiências, a violência também não acontece mais por um par de sapatos ou prato de comida, mas persegue um conceito, algo subjetivo. O avanço tecnológico, segundo Viviane, está acabando com as desigualdades objetivas, promovendo acesso a objetos, coisas, produtos, antes usufruídos apenas pelos ricos.
  
Enquanto a era digital avança, eclode a desigualdade do conhecimento, agravada por um sistema educacional arcaico, que continua ensinando aos jovens de hoje análise sintática e morfológica, obras de Machado de Assis, tabela periódica, sobre a vinda da família real para o Brasil, assuntos facilmente encontrados pelo celular. Enquanto isso, “a gente não discute a vida, o tempo, o ser humano. Não discutimos e nem exercitamos o relacionamento”, ressalta Viviane. “Temos que aproveitar o caos e ampliar nossa capacidade”, afirma a filósofa apontando claramente o relacionamento e a educação como meios para uma sociedade mais coesa.

 
Apesar de acreditar que atravessamos uma crise política-social, ambiental e tecnológica, os humanos, para Viviane, são como ervas daninhas, sempre “dão conta do recado” e alguns exemplos desta era digital já demonstram que “teremos pessoas mais capazes de lidar com sua própria solidão, caso contrário, não teremos sociedade”. 


O mecanicismo da contagem do tempo, dos processos fabris, da rotina operária já cede lugar ao pensamento em rede, à valorização do trabalho colaborativo e a não linearidade de pensamento. As instituições, segundo Viviane, já começam a dar ouvido a todos e a entender que boas ideias podem vir de qualquer um. “Se eu tenho um funcionário com um problema, todos estão com um problema”. 


Aderente a esta não linearidade de pensar, o discurso “jogado” de Viviane, cheio de prós e contras, dramas e piadas, escancarou o tamanho da mudança que nos bate à porta e a dificuldade em lidar com ela. Para a filósofa, por enquanto, “as novas mídias hoje são mais democráticas e mais amplas do que somos como pessoas”.

“Esse povo extremamente criativo que amo tanto precisa de uma coisa para organizar essa bagunça: educação viva e corajosa que nos faça lidar com a vida de uma maneira melhor”.