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Como genômica, IA e análise de dados estão transformando os cuidados de saúde?

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A integração de tecnologias tem contribuído para uma medicina cada vez mais personalizada, com melhores resultados e promessas de redução de custos no sistema de saúde

Nos últimos anos, os dados gerados a partir da utilização de registros eletrônicos de saúde, testes genéticos e análise de big data trouxeram avanços à saúde, permitindo previsões mais assertivas em relação à eficácia de estratégias de tratamento e prevenção.  

No entanto, um dos principais desafios para os players do setor está na quantidade de dados disponíveis e na integração dessas informações com as informações clínicas de estilo de vida, que são fundamentais para a criação de insights significativos que contribuam, na ponta, para o melhor tratamento.  

“Os profissionais de saúde precisam de insights orientados por dados para tomar decisões assertivas. Uma pesquisa da Harvard Business Review Analytic Services apontou que 95% dos líderes em saúde acreditam que gerenciar dados em ambientes de cuidados de saúde é muito importante para o futuro, mas apenas 19% afirmam que sua organização é muito bem-sucedida nisso hoje”, destaca Vanessa Freitas, diretora de Soluções Integradas da Roche Diagnóstica. 

Experiências na área diagnóstica 

A Dasa faz uso, desde 2017, da inteligência artificial (IA) em seus processos. “O objetivo é transformar a experiência dos usuários, garantindo uma jornada mais fluida e melhores desfechos. Para isso, investimos com consistência na criação, sustentação e escalabilidade de um data lake de saúde, com mais de 7 bilhões de dados, 70% deles interoperáveis. Com ele, identificamos milhares de usuários todos os meses com gaps de cuidados que nos possibilitam ações coordenadas de cuidado, buscando melhor desfecho clínico”, explica Leonardo Vedolin, diretor da Área Médica e Cuidados Integrados da Dasa. 

Já para acompanhar os avanços na área da genômica, diz ele, a empresa investe em tecnologia e na formação de um corpo clinico diferenciado, capaz de identificar o momento e uso correto destas ferramentas, garantindo diagnóstico preciso e tratamento adequado. 

Recentemente, a Dasa incluiu em seu portfólio um exame que utiliza inteligência artificial para analisar o genoma e identificar cerca de 90 doenças raras, auxiliando na definição do diagnóstico e na escolha terapêutica mais eficaz. 

Outro destaque apontado por Vedolin é o teste pré-natal não invasivo (NIPT), que, além de detectar alterações cromossômicas no feto, aponta uma eventual necessidade de medidas a serem tomadas pelo médico e pela família.  

Há outros exemplos de como a inteligência artificial pode trazer ganhos de eficiência, como a implantação de uma ferramenta, em parceria com a startup NoHarm, que previne intercorrências, efeitos colaterais e interações medicamentosas na administração de remédios a pacientes. A tecnologia usa algoritmos que cruzam o histórico médico e os exames dos usuários com informações do medicamento no momento da sua administração.  

A Dasa conta ainda com uma ferramenta de inteligência artificial generativa, o DasaBERT, para leitura de laudos com maior complexidade. Ela funciona como um ChatGPT exclusivo da companhia, que contribui para a eficiência operacional, reduzindo custos e eliminando o risco de quebra de privacidade de dados dos pacientes.  

Outro produto desenvolvido em parceria com uma startup é o Kardia, um serviço de eletrocardiogramas realizados nos hospitais da Dasa. Os laudos dos exames ficam armazenados em nuvem e são filtrados por algoritmos de inteligência artificial. Os que apresentam alterações no traçado são priorizados para o médico fazer o laudo, diminuindo o tempo de entrega de laudos para menos de cinco minutos. 

No Grupo Fleury, a inteligência artificial tem contribuído com diagnósticos mais precisos ao cruzar dados como sexo, idade e tipo especifico de um tumor (no caso do câncer), e buscar na literatura médica as evidências que são relevantes para o caso. “Essa curadoria feita pela IA passa por um board para que as informações mais relevantes sejam enviadas, por áudio, para o médico que está tratando o paciente”, conta Edgar Gil Rizzatti, presidente de Unidades de Negócios Médico, Técnico, de Hospitais e Novos Elos do Grupo. 

Outro exemplo do uso de IA, citado por Vanessa, da Roche, está na patologia digital, caracterizada pelo escaneamento das amostras de tecidos em lâminas, que são enviadas digitalmente para que os patologistas. Em qualquer lugar, podem interpretar as características anatomopatológicas de acordo com suas especialidades e compor o laudo com os resultados observados.  

Em 2023, a empresa investiu 3 bilhões de francos suíços na área de digital e tecnologia de dados em saúde. Atualmente, as soluções em desenvolvimento estão focadas em três áreas: oncologia, cardiologia e neurologia.  

“Na oncologia, temos soluções dedicadas a cânceres específicos, como o navify cancer screening, focado em câncer de colo de útero, que ajuda a organizar o trabalho de atendimento às pacientes. É um software que apoia a estruturação do fluxo de trabalho clínico, ajudando os médicos a definir quem deve realizar o exame e com que frequência, e otimiza a tomada de decisão para revisões de casos de pacientes oncológicos em reuniões de equipes multidisciplinares”, explica Vanessa.  

Mais precisão nos tratamentos 

Por meio de algoritmos de inteligência artificial e dados de genoma, fenoma (conjunto de todos os fenótipos de um determinado genótipo), exposoma e suas interconexões, é possível identificar padrões, diagnosticar e personalizar tratamentos de maneira mais precisa e aprimorada.  

Ailton Brandão, CIO do Hospital Sírio-Libanês, conta que a instituição tem participado ativamente de pesquisas científicas neste contexto. O foco estratégico para os próximos anos, segundo ele, é participar da construção de um arcabouço necessário para a tradução deste conhecimento científico em intervenções clínicas efetivas no cuidado dos pacientes. Os investimentos previstos em tecnologia e inovação, entre os anos de 2022 e 2030, giram em torno de R$ 200 milhões.  

Em 2023, o Hospital Sírio-Libanês firmou parceria com a AWS que resultou no primeiro data lake de integridade e análise de dados em saúde privada na América Latina. Batizado de HealthLake, a iniciativa promete melhor análise das tendências em saúde populacional, amplia oportunidades em intervenções de saúde e potencializa o Open Health.  

A operação faz parte da Alma Sírio-Libanês, marca criada para atuar nas frentes de saúde digital conectando hubs, ecossistemas e startups para pensar nas melhores soluções para o mercado. 

“Atualmente, temos somente dados dos nossos pacientes, mas já estamos preparados para receber dados de outras pessoas quando o Open Health for regulamentado. Como resultados práticos, conseguimos observar uma redução significativa no tempo e no esforço para conectar novos parceiros de negócio com a utilização da técnica plug and play do projeto, que facilita a interoperabilidade para troca de dados. Uma integração com uma nova operadora de saúde antes levava 12 semanas. A última integração levou apenas três semanas”, explica Brandão.  

Seja por meio de desenvolvimento interno ou inovação aberta, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz endereça, pela convergência tecnológica, a jornada do paciente passando por projetos com o processamento de linguagem natural para estratificação de pesquisas de satisfação e criação de timeline do tratamento oncológico; analytics para transição do cuidado entre diferentes setores da instituição e estabelecimento de protocolos custo-eficientes; dados genéticos para desenho de projetos de compartilhamento de risco e inteligência artificial para estratificação de perfis de pacientes. 

“A medicina de precisão e a farmacogenômica são áreas que vêm em um crescimento vertiginoso, inclusive com o incentivo do Programa Nacional de Genômica e Saúde de Precisão, o Genomas Brasil”, conta José Marcelo de Oliveira, diretor-presidente do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.  

Com a genômica, já é possível oferecer terapia-alvo ou imunoterapia para 2/3 dos pacientes, destaca Oliveira. “Selecionando os pacientes, o resultado e a qualidade de vida são melhores, e os custos relacionados aos eventos adversos caem. Por isso, praticamente todas as novas pesquisas clínicas nesta área definem uma população com algum biomarcador.” 

Segundo o diretor-presidente, o teste genético também ganhou grande importância na última diretriz europeia de manejo de taquicardia a ventriculares e prevenção de morte súbita.  

Além da operação hospitalar, o hospital também tem foco voltado para pesquisa. “Por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (PROADI-SUS), temos utilizado a genômica para executar o maior estudo brasileiro, o CV-Genes, para o mapeamento dos fatores de riscos genéticos para doenças cardiovasculares, incluindo mais de 3.600 pacientes nas cinco regiões do país. O estudo, realizado em parceria com o Grupo Fleury, viabilizará a escalada do conhecimento científico e o desenvolvimento de tecnologias na área que levem em conta a variabilidade genética da população brasileira", explica Oliveira. Esse será o primeiro estudo a calcular um fator de risco poligênico 100% nacional e ajudará a explicar o porquê das pessoas adoecerem. 

Os caminhos para uma medicina cada vez mais personalizada, no Oswaldo Cruz, passam pela construção, em 2023, do Consórcio de Inovação em Saúde, em parceria com o InovaHC (Núcleo de Inovação do Hospital das Clínicas) e o Insper. Para 2024, está previsto um projeto que faz uso de vestíveis para algumas linhas de cuidado.  

“Por fim, outro exemplo é o lançamento do Centro de Ciências para a Longevidade, que utiliza o estudo PURE (Population Urban and Rural Epidemiology), maior estudo observacional mundial, que traça o mapa da longevidade, como balizador de novas pesquisas e desenvolvimentos tecnológicos na temática do envelhecimento da população.” 

O investimento em pessoas, tecnologia, educação e pesquisa científica, além de infraestrutura, deve atingir a casa dos R$ 55 milhões em 2024 no Hospital Oswaldo Cruz.  

Diagnóstico e tratamento do autismo

Healthtech que busca trazer mais saúde e qualidade de vida para a pessoa com autismo e sua família, a Tismoo.me usa inteligência artificial, deep learning e análise de dados para traçar uma jornada personalizada em busca de bem-estar e saúde. 

“Criamos um programa de Gestão de Saúde Populacional (GSP) especializado em autismo. A motivação surgiu a partir de estudos científicos robustos,cujas evidencias indicam que pessoas autistas têm maior vulnerabilidade na saúde. Para isso, temos treinado nossa inteligência artificial para ser especialista em autismo, síndromes e neurodesenvolvimento”, explica Francisco Paiva Jr., cofundador e CEO da empresa. 

O serviço de gestão de saúde faz um monitoramento de diversas informações da pessoa com autismo, como síndromes relacionadas ou outras condições do neurodesenvolvimento, a fim de predizer e prevenir doenças e condições de saúde para um uso mais inteligente do sistema de saúde. 

“Fazemos um plano individualizado para cada pessoa, priorizando os maiores riscos de saúde analisados pela inteligência artificial, treinada a partir de estudos científicos e informações genéticas. Isso tudo só é possível, com mineração e análise de dados aliados à deep learning e à inteligência artificial, para identificar padrões nos dados clínicos, sociais e comportamentais. E assim oferecer soluções mais eficazes para todos os cenários de forma ultrapersonalizada”, destaca Paiva Jr.  

Desafios éticos e regulatórios 

Privacidade na medicina personalizada é fundamental. Para Vedolin, não há dúvida que o uso de novas tecnologias tem potencial para geração exponencial de valor em saúde. “No entanto, neste contexto, a proteção integral dos dados e o respeito aos princípios éticos e morais da gestão de saúde são necessários.” 

Na Roche, Vanessa destaca, em relação à proteção de dados, que o principal desafio em relação ao tema é garantir que todas as divisões e as mais de 100 afiliadas sigam todos os protocolos. “Para isso, existe, em cada uma das divisões, um responsável DPO (Data Protection Officer). Em todo o processo, é estritamente observada a GDPD (General Data Protection Regulation), assim como posteriormente os países observam as regulamentações locais, como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) no Brasil.” 

Transparência e aplicabilidade, uso responsável, anonimização e gestão do consentimento são alguns dos desafios vivenciados pelo Hospital Sírio-Libanês. “Temos desenvolvido políticas internas, treinamentos e uma avaliação contínua das iniciativas e dos parceiros para garantir alinhamento às melhores práticas”, comenta Brandão.  

Na opinião de Oliveira, em um contexto geral, essas tecnologias possuem alguns desafios inerentes a sua própria concepção, como o viés algorítmico que pode perpetuar vieses sociais dentro dos modelos, além da questão da privacidade e acesso aos dados.  

“Já no ambiente macro regulatório, há um debate nesse momento sobre a falta de regulamentação específica para inteligência artificial em muitos locais e a clara definição de papéis e responsabilidades dos atores do ecossistema. No Brasil, há um projeto de lei em tramitação que estabelece pontos norteadores para o uso dessas tecnologias.”