“Éramos dez irmãos, morávamos no seringal próximo a Sena Madureira [Acre], meu irmão de 23 anos faleceu todo amarelo, barriga grande, agitação, devido ao vírus Delta. Outros parentes já tinham morrido com esse quadro e vomitando sangue. Eu tinha 13 anos, na época. Então, foi feito o exame em toda a família, sendo positivo para o VHD em mais de cinco dos irmãos, dentre eles, eu, aí começou a luta…”. A fala de Rosimeire da Costa Vieira pode ser confundida com a de milhões de pessoas infectadas pelo vírus Delta – em geral pobres, moradoras de países subdesenvolvidos.

A prevenção e o controle da doença será um dos destaques do Congresso Brasileiro de Hepatologia, evento organizado pela Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH) que acontece entre os dias 2 e 5 de outubro no Centro de Convenções SulAmérica, no Rio de Janeiro.

“Os problemas enfrentados pelos portadores da doença, que é endêmica na região da Amazônia, vão da falta de acesso à informação e à assistência, principalmente pelas condições geográficas, passando pela inexistência de medicamentos específicos para tratar o mal”, alerta a professora-doutora da Universidade Federal do Acre, Cirley Lobato. Médica do Serviço de Assistência Especializada/Hospital Dia da Secretária de Saúde do Estado do Acre, ela possui uma das maiores experiências no acompanhamento e tratamento da doença no país.

Registro da doença fora da área endêmica alarma especialistas

Outra autoridade no assunto, o médico Raymundo Paraná explica que o vírus Delta deve ser tratado de forma peculiar. Atuando como um parasita, ele não existe sem a presença do vírus B da hepatite. “Em todo o mundo, cerca de 15 milhões de pessoas são acometidas pelo mal. A estimativa brasileira é que existam entre 100 e 300 mil infectados. Dados alarmantes evidenciam que boa parte dos casos se prolifera em uma faixa endêmica localizada na Amazônia Ocidental brasileira, justamente uma das áreas mais pobres do país”, informa o médico, chefe do Serviço do Gastro-Hepatologia do Hospital Universitário da Universidade Federal da Bahia e professor da UFBA.

Os motivos que levam a essa prevalência na Amazônia Ocidental não são totalmente conhecidos. Algumas hipóteses apontam para a possibilidade do vírus ter chagado a Amazônia com a ocupação do continente há 10 mil anos. Posteriormente se disseminou durante o ciclo migratório para esta região a partir do século 19, principalmente do nordeste do país, Europa Ocidental e Oriente Médio, em especial para o estado do Acre, durante o primeiro e segundo Ciclo da Borracha. Outra tese muito debatida tem a ver com o emprego em massa da vacina contra a febre amarela. Além de a vacina ser derivada de plasma humano, as seringas não eram descartáveis e podem ter ajudado na proliferação. Por último, o uso de lancetas não descartáveis para fins de punção digital no diagnóstico da malária, também pode ter contribuído para o surto da doença.

“Na Amazônia, tudo indica que o compartilhamento de escovas de dente e estiletes para tratar feridas nos pés possa transmitir a doença, mas ainda sabemos pouco sobre o motivo desta hepatite atingir tantas crianças antes do inicio da vida sexual”, informa Paraná. A disseminação intrafamiliar com o compartilhamento de escova de dente também é evidenciada por Cirley Lobato, em sua tese de mestrado.

Quanto à área de ocorrência da hepatite Delta, estudos recentes colocam os especialistas ainda mais em estado de alerta, devido ao registro de casos em Mato Grosso e Maranhão.

Sintomas

Raymundo Paraná explica que as manifestações são diversas, sendo frequentes o clássico olhos amarelos e urina escura. Um percentual de 2 a 5% dos infectados desenvolvem a forma grave, chamada de hepatite fulminante, com elevada mortalidade.

Tratamento – apenas 15% de cura após um ano

Tratar a doença não é fácil. É necessário descobrir qual dos dois vírus está em atividade e, a partir daí, definir a terapêutica. As opções de medicamentos são o interferon, entercavir e tenofovir. “Porém, somente o interferon age sobre o vírus Delta. O tempo de tratamento pode variar de 48 a 96 semanas, dependendo do caso”, esclarece Cirley.

São vários os entraves à assistência. Os pacientes normalmente vivem no interior de estados pouco desenvolvidos economicamente, com difícil acesso para chegar até os grandes centros. Muitas das localidades não oferecem energia elétrica, o que compromete a conservação do medicamento. Outro agravante, segundo Cirley, é o tempo de tratamento, o que dificulta a adesão principalmente de indígenas, que precisam ser adaptar à vida fora da aldeia.

De acordo com Raymundo Paraná, os estudos recentes mostram que um ano de tratamento oferece apenas 15% de chance de cura. “Há racionalidade para pensar que o tratamento prolongado mantém o vírus reprimido e ajuda o sistema imunológico do hospedeiro a combatê-lo”, afirma. Cirley tem experiência com pacientes com vírus Delta que trataram por até nove anos, com negativação de ambos vírus, porém ainda é um grande desafio.

Prevenção

A prevenção é feita por meio da vacina da Hepatite B, já que sem o vírus B o Delta não sobrevive, contudo, a taxa de portadores crônicos do VHB na região Amazônica é uma das mais altas (entre 3 a 20%), atingindo crianças e adultos jovens. Para os infectados são necessários alguns cuidados como: não compartilhar objetos de uso pessoal e não fazer sexo sem preservativo.

Congresso Brasileiro de Hepatologia

Além da Hepatite Delta e das novas drogas que têm possibilitado avanços no tratamento das doenças hepáticas, a pauta do evento conta com temas como a cirrose hepática, a esteatohepatite não alcoólica e os tumores do fígado. Doenças menos frequentes – mas de grande interesse para os hepatologistas –, como as enfermidades vasculares do fígado, a hipertensão portal de difícil diagnóstico, as colestases na infância e nos adultos e as hepatopatias autoimunes, também serão discutidas. Os temas serão apresentados por especialistas brasileiros e por mais de 30 convidados estrangeiros.

“Cursos avançados explorando a interação da hepatologia com a clínica médica, infectologia, radiologia diagnóstica e intervencionista, cirurgia hepática e dos transplantes serão oferecidos como importante opção no programa”, conta Henrique Sérgio Moraes Coelho, presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia e do congresso. Ele diz ainda que essa é uma excelente oportunidade para aqueles que desejam buscar um conhecimento mais profundo no diagnóstico e tratamento das doenças hepáticas.

São esperados aproximadamente 1500 congressistas de todos os países. As inscrições devem ser efetuadas diretamente no local do evento. Para mais informações, acesse o site: www.hepato2013.com.br.

SERVIÇO

Congresso Brasileiro de Hepatologia

Data: 2 a 5 de outubro de 2013

Local: Centro de Convenções SulAmérica – Rio de Janeiro / RJ

Site: www.hepato2013.com.br