* Dr. Arthur Guerra de Andrade
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os padrões de consumo de álcool mais nocivos, como o “beber para embriagar-se” e o beber pesado episódico (também chamado de heavy episodic drinking, correspondente ao consumo de 4/5 ou mais doses** em uma ocasião), estão fortemente associados aos comportamentos de risco (dirigir alcoolizado, violência, sexo desprotegido, entre outros) e são padrões de consumo frequentes entre os adolescentes e adultos jovens, o que merece atenção especial, sobretudo devido às funções que estes deverão exercer à sociedade e ao desenvolvimento do País.
Visando melhor compreender o comportamento do jovem brasileiro com relação ao uso de bebidas alcoólicas, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), em parceria com o Programa do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (GREA-FMUSP), realizou o I Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras. Na pesquisa é apresentado o perfil dos jovens frente ao consumo de álcool e outras drogas, as implicações do uso destas substâncias na saúde e no desempenho acadêmico, bem como os comportamentos de risco a ele associados.
Entre os principais resultados, verifica-se que o álcool é a substância mais utilizada entre os universitários, com aproximadamente 90% tendo relatado o consumo na vida. Nota-se que grande parte relatou o consumo no último ano (72%) e 60,5% beberam no mês que antecedeu a entrevista o que mostra que o consumo do álcool é um comportamento frequente e repetido entre a maioria dos estudantes. Em relação ao uso de álcool na vida e o gênero, constatou-se que praticamente não houve diferença entre os gêneros.
Outra informação interessante é que, embora a legislação brasileira proíba a venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos de idade, 79% dos jovens com idade abaixo de 18 anos relataram ter consumido bebidas alcoólicas. Verifica-se ainda que o uso entre os universitários se inicia precocemente, com metade dos jovens (54%) tendo experimentado antes dos 16 anos (20% antes dos 14 anos, 34% antes dos 15 anos, 54% antes dos 16 anos e 49% entre 14 e 16 anos). Este último dado deve ser observado com cautela, visto que a amostra estudada é de jovens e uma parcela pode ainda não ter tido contato com o álcool, além disso, um viés de recordação pode ter ocorrido entre os indivíduos mais velhos que referiram o uso na vida.
Ao analisar o consumo de risco para problemas relacionados ao álcool, verificou-se que 25% dos universitários relataram pelo menos uma ocasião de consumo pesado episódico (heavy episodic drinking) no mês anterior à entrevista, ou seja, um em cada quatro estudantes está frequentemente exposto a comportamentos de risco, como acidentes de trânsito, atos violentos, sexo desprotegido, entre outros. Ademais, 19% apresentaram consumo do álcool de risco moderado para o desenvolvimento de dependência e 3% de alto risco.
Em relação aos comportamentos de risco decorrentes do uso de bebidas alcoólicas, constatou-se que a chance do estudante dirigir embriagado foi quatro vezes maior entre aqueles que beberam em níveis moderados (3-4 doses) quando comparados aos que haviam consumido apenas 1 dose. Com o aumento do consumo, verificou-se também o aumento do risco de problemas: aqueles que beberam 5 ou mais doses estavam quase cinco vezes mais propensos a se envolver em um acidente de trânsito. Mesmo que pouco significativo, o aumento do consumo também esteve associado ao aumento do risco, principalmente, entre os homens, de dirigir automóveis sem o cinto de segurança, em alta velocidade, ser advertido ou brigar no trânsito. Quanto a pegar carona com um motorista alcoolizado, o risco de engajar-se nesse comportamento foi quase quatro vezes maior entre estudantes que ingeriram até 2 doses de álcool do que entre aqueles que não bebiam. A probabilidade desse comportamento ocorrer foi proporcional ao número de doses consumidas: os indivíduos apresentaram 6, 9 e até 15 vezes mais chances de engajarem-se nesse comportamento após consumir, respectivamente, 3, 4 e 5 ou mais doses de bebidas alcoólicas. Isso demonstra que, mesmo em pequenas quantidades, o uso do álcool está associado a comportamentos de risco no trânsito.
De maneira geral, a entrada na universidade inaugura um período de maior autonomia e possibilita novas experiências aos jovens; para alguns, constitui-se um momento de maior vulnerabilidade e, portanto, maior suscetibilidade ao uso de substâncias, bem como aos prejuízos decorrentes do mesmo.
Dados como os citados acima nos possibilitam compreender o perfil do universitário brasileiro e demonstram a grande exposição dos jovens ao álcool, especialmente entre as mulheres. Desta forma, cabem aos profissionais da área da saúde, academia, pais, educadores, governantes e à sociedade como um todo atentar para este público oferecendo informações de qualidade sobre os prejuízos decorrentes do uso precoce e prejudicial do álcool. Verifica-se, ainda, a necessidade de programas de prevenção com o intuito de, não apenas postergar o início do uso, mas principalmente olhar para os jovens que já consomem álcool, a fim de que o uso não evolua para um consumo de risco, e para aqueles que o fazem, oferecer apoio para que não desenvolvam problemas mais graves, como a dependência.
* Dr. Arthur Guerra de Andrade é médico psiquiatra e presidente-executivo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA)
**Dose-padrão: Uma dose equivale de 8 a 13 g de álcool puro e corresponde a 285 ml de cerveja ou chopp, 120 ml de vinho e 30 ml de destilados.
Fonte:
Andrade AG, Duarte PCAV, Oliveira LG. I Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras, 2010. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Gonçalves PD, Cunha PJ, Malbergier A, do Amaral RA, de Oliveira LG, Yang JJ, Andrade AG. The association between low alcohol use and traffic risk behaviors among Brazilian college students. Alcohol. 2012 Nov; 46(7):673-9.