O doutor W. E. Deming, lendário estatístico e consultor de gestão americano, conhecido como pioneiro da melhoria contínua e principal difusor do ciclo PDSA, vive rondando minha cabeça. Entender seu pensamento é, para mim, a melhor forma de compreender o mundo corporativo e o sistema de saúde.
O título deste artigo é uma frase adaptada do teorema nº 1 de Deming: “ninguém dá a mínima para os lucros”. O que significa realmente se importar com alguma coisa? Como podemos agir de forma relevante no nosso dia a dia? O que está, de fato, ao nosso alcance?
Estamos a poucos meses da COP30, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Conferência das Partes), que ocorrerá entre 10 e 21 de novembro de 2025, em Belém do Pará. Muito tem se falado sobre o evento. No entanto, sobram contradições, perspectivas complexas e opiniões midiáticas, com poucas intervenções realmente relevantes.
Não sou especialista em clima, muito menos em mudanças climáticas, mas é fácil perceber que, com alguns cálculos e a eliminação de desperdícios, podemos gerar impactos significativos sobre o clima.
A própria cidade-sede da COP30 é um grande desafio. Serão gastos 750 milhões de reais apenas em atividades temporárias, em uma cidade que quase não possui sistema de tratamento de esgoto. Apenas 2,4% são tratados, e somente 44% do lixo tem destino apropriado — sem qualquer reciclagem.
Sabemos que esgoto e resíduos sólidos lançados in natura são grandes emissores de metano, um dos gases do efeito estufa, de 25 a 84 vezes mais potente que o CO₂ na retenção de calor na atmosfera. Esses resíduos respondem por cerca de 20% das emissões globais de metano, sendo a terceira maior fonte. Estações de esgoto e aterros sanitários modernos podem capturar metano e utilizá-lo como biogás, gerando energia elétrica.
Os 750 milhões de reais poderiam representar algo entre 750 e 2.500 km de redes de esgoto e estações de tratamento — dependendo da topografia e da densidade demográfica. Em uma cidade do porte de Belém, com 1,4 milhão de habitantes, seriam necessários cerca de 3.000 a 5.000 km de redes de esgoto para atender praticamente toda a população. Sendo conservador, metade da cidade poderia ser contemplada com esse investimento. No entanto, como disse Ronaldo, na Copa do Mundo de 2014, “não se faz Copa do Mundo com hospital” — ou, adaptando, “não se faz COP30 com saneamento básico”.
Saúde e escolhas de valor
Confúcio dizia que estudar sem refletir é estudar em vão, mas refletir sem estudar é perigoso. Muitos de nós tomamos decisões com base em reflexões pouco fundamentadas. Uma das mais controversas decisões recentes da indústria automobilística vem da própria Toyota, que optou por não produzir carros 100% elétricos (EVs) ou híbridos plug-in (PHEVs), por considerar que seu impacto ambiental é maior do que o dos veículos híbridos (HVs), levando em conta toda a pegada de carbono.
A Toyota postula uma regra chamada 1:6:90. Essencialmente, ela diz que, com a matéria-prima necessária para fabricar a bateria de um único carro elétrico, é possível produzir seis PHEVs ou 90 HVs. A redução total da pegada de carbono desses 90 híbridos ao longo da vida útil é 37 vezes maior que a de um EV.
Migrando para o sistema de saúde, há inúmeros procedimentos que poderiam ter seu uso reduzido de forma drástica, considerando sua relevância clínica. Na prática, porém, continuam sendo realizados com frequência crescente. Ressonâncias magnéticas ou tomografias para dor lombar com até seis semanas sem sinais de alerta (febre, histórico de câncer, trauma ou déficit neurológico) têm pouca ou nenhuma utilidade. O mesmo vale para pacientes com sinusite aguda.
Eletrocardiogramas e rastreamentos cardiológicos em pacientes de baixo risco e assintomáticos também são inúteis, apesar de existir uma grande indústria da saúde promovendo check-ups para executivos e outros profissionais. A lista é longa e abrange situações diversas, como antibióticos para infecções virais, benzodiazepínicos para idosos e uso prolongado de inibidores de bomba de prótons (como o pantoprazol) para gastrite ou “acidez”.
Em oncologia, um dos grandes desafios envolve pacientes idosos e exames de rastreamento, como mamografias, colonoscopias e dosagens de PSA. No caso do PSA, há consenso em não recomendar o rastreamento após os 70 anos. Porém, infelizmente, isso ainda ocorre: inúmeros pacientes acima dessa faixa etária seguem realizando acompanhamentos e biópsias sucessivas, sem valor clínico.
O mesmo vale para as mamografias. Apesar de alguma controvérsia, elas deveriam ser indicadas apenas para mulheres com expectativa de vida superior a 10 anos, considerando fatores de risco por meio de ferramentas preditivas. O U.S. Preventive Services Task Force (USPSTF) recomenda que a decisão para mulheres acima de 75 anos seja individualizada. Ainda assim, o Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC) reporta que 54% das mulheres americanas com mais de 75 anos fizeram ao menos uma mamografia em 2019 — aproximadamente 8,5 milhões de procedimentos. Considerando que cada exame envolve ao menos uma consulta médica e um deslocamento para sua realização, isso significa cerca de 16 milhões de visitas.
Eficiência que reduz impacto
Um estudo publicado no Lancet Planetary Health, em 2020, estimou que uma consulta médica presencial emite cerca de 3,6 kg de CO₂ equivalente (CO₂e), apenas com o deslocamento. Ou seja, além de serem clinicamente irrelevantes para a maioria dessas mulheres, tais procedimentos resultaram na emissão de 57 mil toneladas de CO₂e — o equivalente a 12.500 carros rodando por um ano inteiro ou à pegada de carbono do lixo produzido por 10.000 brasileiros em aterros sanitários.
Há alguns anos, tive a oportunidade de participar de um evento de melhoria rápida — que chamávamos de “evento kaizen”, quando ainda trabalhava no Instituto de Oncologia do Vale (IOV) — em um hospital infantil universitário nos EUA, junto com um time de experts da Lean Global Network. Foram dias intensos e de muito aprendizado. Nosso propósito era melhorar o desempenho do serviço de ressonância magnética, que enfrentava superlotação, filas, demora na marcação de exames e, claro, muita insatisfação de todos.
Durante esse período, redesenhamos fluxos de pacientes e padronizamos diversas tarefas e procedimentos. O processo de agendamento, que antes levava três dias — sim, eram necessários três dias para marcar um exame, entre solicitação, avaliação dos profissionais e definição da data — passou a ser imediato, com “slots” criados com base na demanda histórica de cada tipo de exame e nos recursos necessários. Com processos padronizados, o tempo de agendamento passou a ser apenas o da ligação telefônica.
Como a maioria dos pacientes eram crianças, muitas precisavam de anestesia para a realização do exame. No dia do procedimento, a espera variava de 1 a 3 horas por paciente. Com novos padrões de setup do equipamento, utilizando conceitos de troca rápida de ferramenta (prática lean conhecida como SMED – single-minute exchange of die) e instruções de trabalho, o tempo de espera caiu para menos de 20 minutos. O ganho também ampliou a capacidade do serviço em torno de 20% a 25%. Em uma unidade com quatro aparelhos de ressonância em atividade, foi como se um novo equipamento tivesse sido adquirido, mas sem a pegada de carbono adicional — equivalente a 12 carros a gasolina rodando por um ano ou 28 toneladas de CO₂.
Hospitais são grandes vilões do meio ambiente: consomem enormes quantidades de energia e produzem resíduos tóxicos em larga escala. Para cada leito hospitalar, estima-se a emissão de aproximadamente 10 toneladas de CO₂ por ano. Um hospital de 1.000 leitos tem pegada de carbono equivalente à de uma cidade de 20 mil habitantes. Aumentar a eficiência no uso dos leitos e na prestação de serviços tem enorme potencial não apenas na economia real de recursos, mas também na redução do impacto ambiental.
O uso mais eficiente reduz a demanda por mais recursos. Se queremos realmente nos importar com o meio ambiente, precisamos começar arrumando a própria casa. Oportunidades para eliminar desperdícios não nos faltam. Como dizia o psiquiatra suíço Carl G. Jung: “quem olha para dentro desperta”.