A complexidade e os desafios únicos do setor de saúde, marcada pelo alto consumo de recursos e pela geração de resíduos, exigem ações para que seus impactos à sociedade sejam mitigados. Conectar o ESG à estretégia da instituição, de modo a conciliar o cuidado com pacientes e a responsabilidade ambiental, é essencial.
Nos últimos anos, iniciativas como redução de gases de efeito estufa, reuso de água, energia renovável e gestão de resíduos têm mostrado que a sustentabilidade não é apenas uma exigência regulatória, mas uma estratégia de gestão capaz de gerar resultados financeiros e operacionais mensuráveis.
Sustentabilidade e gestão caminham juntas
Com iniciativas que combinam eficiência operacional, inovação e compromisso com a neutralidade de carbono, o Hospital Sírio-Libanês vem fortalecendo sua estratégia ambiental. Nos últimos 12 meses, três projetos de destaque reduziram custos, emissões e consumo de recursos naturais, mostrando que a sustentabilidade, além de ética e regulatória, é também uma questão de gestão inteligente.
O projeto de descontinuidade do óxido nitroso (N₂O) — gás anestésico com alto potencial de efeito estufa —, implantado no centro cirúrgico da unidade Itaim, eliminou o uso do N₂O nos protocolos anestésicos, reduzindo diretamente as emissões e os custos associados à locação e consumo do gás.
“O resultado foi expressivo: economia anual de R$ 26 mil, considerando o valor dos cilindros, o consumo evitado e o crédito de carbono que antes compensava o uso. Mais importante, o projeto não demandou investimento financeiro, mas sim um alinhamento de processos e mudança de cultura junto ao corpo clínico”, conta Vitor Kenzo, gerente de Sustentabilidade Ambiental do Sírio-Libanês.
O maior desafio, segundo o especialista, não foi técnico, e sim cultural. “Foi preciso revisar protocolos e engajar os anestesistas na substituição do gás, sem comprometer a segurança do paciente.”
Os indicadores acompanhados incluíram quilogramas de óxido nitroso evitados, toneladas de CO₂ equivalente e custos associados ao consumo do gás. O passo seguinte será expandir a descontinuidade para outras unidades do hospital, gerando redução das emissões de gases de efeito estufa e, com perspectiva futura, a neutralidade de carbono.
Outra iniciativa é o reaproveitamento da água proveniente do processo de vácuo das autoclaves da Central de Materiais Esterilizados (CME), implantada em outubro de 2024. O sistema permite que essa água, antes descartada, seja reutilizada nas torres de resfriamento dos chillers do sistema de ar-condicionado.
Com investimento de R$ 3 mil — relativo à aquisição de conexões e pequenos trechos de tubulação — o projeto alcançou payback em menos de um mês. Em 12 meses, gerou reaproveitamento de mais de 50 milhões de litros de água, o que representa uma economia estimada de R$ 1,2 milhão em despesas operacionais.
“Foi um projeto de baixo custo, mas de alto impacto. Aproveitamos uma infraestrutura já existente e aumentamos de forma expressiva o volume de reuso destinado à climatização”, explica Kenzo.
Os indicadores monitorados mensalmente incluem consumo total de água potável (m³), volume reaproveitado (m³) e taxa de reaproveitamento (%).
Segundo Kenzo, o principal desafio técnico foi garantir que o reuso se limitasse a aplicações seguras, como o sistema de resfriamento. Para usos sanitários ou de consumo humano, seriam necessários tratamentos adicionais, o que elevaria custos e tornaria o projeto mais complexo.
No campo da eficiência energética, o Sírio-Libanês implantou uma lógica de controle para otimização das placas solares utilizadas no aquecimento de água. O sistema ajusta automaticamente a programação das placas, garantindo maior aproveitamento térmico e menor consumo elétrico.
“O projeto não exigiu investimento adicional e gerou, em seis meses, uma economia de R$ 16 mil. Os técnicos monitoram a eficiência térmica, convertendo a produção de calor (em joules) para quilowatts e comparando-a com a energia elétrica utilizada para acionar o sistema”, detalha o executivo.
A principal barreira, neste projeto, foi identificar o ponto ideal de eficiência, para que a automação realmente gerasse benefício operacional. “A tecnologia está pronta; o segredo está na calibração fina para extrair o máximo da energia solar disponível.”
Programas que unem cuidado, inclusão e economia circular
Em sintonia com sua estratégia ASG (Ambiental, Social e Governança) e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), a Hapvida consolidou, nos últimos 12 meses, uma série de iniciativas que transformam resíduos e recursos em soluções de valor social e ambiental.
Uma delas, o “Vida que Recicla”, é um programa de compostagem presente em 17 hospitais da rede que transformou, em 2024, 1.272 toneladas de resíduos orgânicos em adubo, reduzindo o envio a aterros sanitários. ”O volume equivale a mais de 120 caminhões de lixo que deixaram de ser destinados a aterros — uma contribuição direta à economia circular”, conta Rafael Sobral – diretor de ASG e Atuária.
No mesmo período, 1.309 toneladas de papel, plástico e metal foram encaminhadas à reciclagem, o que representou mais de 130 caminhões de resíduos que deixaram de ser enviados a aterros e incineradores.
A Hapvida tem ainda uma iniciativa denominada “Guardiões do Meio Ambiente”, voltada à educação ambiental e engajamento interno. “O programa capacitou mais de 2.300 colaboradores em 2024, que atuam como multiplicadores nas unidades, promovendo o uso consciente de recursos naturais e o descarte correto de resíduos”, destaca Sobral.
Existe ainda uma parceria firmada entre a Hapvida e a FIT Energia, que permite que clientes Hapvida que optarem pelo uso de energia limpa e renovável recebam descontos nas contas de luz, além de contribuir para a redução de emissões de carbono. “Essa é uma iniciativa que estimula a transição energética também fora das operações da companhia”, comenta Sobral.
O executivo explica que os investimentos ambientais da Hapvida estão integrados ao plano de eficiência operacional e descarbonização, com foco em otimização de recursos, automação de processos e mitigação de impactos.
Em 2024, os aportes se concentraram em três frentes principais:
- Migração ao mercado livre de energia, ampliando o uso de fontes renováveis;
- Automação da gestão ambiental, com digitalização e rastreabilidade dos dados;
- Expansão do sistema de compostagem, fortalecendo a economia circular.
Essas iniciativas resultaram em redução de custos operacionais, especialmente nas despesas com energia e destinação de resíduos, com payback estimado entre dois e três anos, conforme o porte e a localidade das unidades.
“Além disso, o modelo de autoprodução de energia renovável reforça a previsibilidade financeira e contribui para uma matriz energética mais limpa e resiliente”, avalia o executivo.
A Hapvida mantém um Sistema de Gestão Ambiental padronizado em todas as unidades que assegura monitoramento contínuo de indicadores como consumo de energia, água e destinação de resíduos. Duas plataformas integradas que garantem rastreabilidade e transparência dos dados, conectando as informações ambientais aos relatórios corporativos de ESG.
“A integração entre plataformas permite à Hapvida avaliar o desempenho ambiental com precisão, medir a eficácia das ações de eficiência e embasar decisões estratégicas baseadas em dados”, explica Sobral.
As ações ambientais também se traduzem em resultados econômicos tangíveis. A migração para o mercado livre de energia e o uso de fontes renováveis reduziram a dependência de matrizes poluentes e trouxeram maior estabilidade financeira.
A gestão digital de resíduos e efluentes, por sua vez, otimizou contratos logísticos e de destinação, eliminou redundâncias e melhorou o controle de custos operacionais em toda a rede.
Mas anda existem desafios e barreiras a serem superados. Por exemplo, a diversidade de legislações municipais sobre resíduos hospitalares e efluentes exige acompanhamento jurídico e técnico especializado.
Outro desafio é a padronização de práticas ambientais e a capacitação contínua das equipes locais, além da integração tecnológica de dados em tempo real — superada com a implementação das plataformas digitais que hoje garantem transparência e rastreabilidade total.
Alinhada à sua Política de Combate às Mudanças Climáticas e aos ODS 12 e 13 da ONU, a Hapvida estabeleceu metas de médio e longo prazo para consolidar sua transição para uma operação de baixo carbono e alta eficiência. São elas:
- Reduzir o consumo energético por unidade operacional até 2030;
- Expandir o uso de energia renovável para 100% das unidades até 2030;
- Ampliar os projetos de reciclagem e compostagem até 2026;
- Atingir neutralidade de carbono operacional até 2040, com foco em eficiência energética, logística sustentável e compensação certificada.
Riscos de não ter políticas ambientais estruturadas
Seja em menor ou maior escala, as instituições de saúde têm feito movimentos em prol da adoção de práticas ambientais mais sustentáveis, mas há ainda aquelas que não conseguiram iniciar seus projetos. Para essas, diz Ione Anderson, sócia especialista em Clima e Ciência da EY Brasil, os riscos são múltiplos e se entrelaçam.
“O primeiro é operacional: a vulnerabilidade das instituições frente a eventos climáticos extremos que podem interromper serviços essenciais, afetar cadeias de suprimentos e comprometer vidas. O segundo é reputacional: em um setor que lida com o bem-estar humano, qualquer percepção de omissão ambiental ou social fragiliza a confiança. E há ainda o risco financeiro e regulatório, já que novas exigências de transparência e rastreabilidade estão se tornando padrão para financiamentos, seguros e parcerias público-privadas.”
Em outras palavras, a ausência de uma política ESG estruturada deixa a instituição de saúde mais exposta, menos competitiva e, sobretudo, desalinhada com a nova lógica de valor que define o setor: cuidar de pessoas implica, necessariamente, cuidar do planeta.
Ione comenta que, no curto prazo, o custo energético ainda é o impacto mais imediato, especialmente em um setor intensivo em consumo e dependente de climatização, refrigeração e operação contínua. Mas a perda de reputação é, sem dúvida, o risco mais caro e duradouro.
“Instituições de saúde são de confiança pública. Quando elas ignoram sua responsabilidade ambiental, não se trata apenas de eficiência operacional, mas de coerência com seu propósito, o de promover saúde. As multas e penalidades ambientais tendem a crescer, mas a erosão da credibilidade institucional é o que mais compromete a sustentabilidade de longo prazo.”
Ione observa que, nos últimos anos, o setor começou a compreender que sua própria operação impacta o clima e, consequentemente, a saúde pública. O relatório ESG nos Hospitais Anahp 2024: O Impacto das Emergências Climáticas na Saúde, desenvolvido pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) reforça esse ponto ao mostrar que, se o setor de saúde fosse um país, seria o quinto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo.
“Esse dado muda completamente a narrativa: os hospitais deixam de ser apenas vítimas da crise climática e passam a ser atores de mitigação e transformação. Isso exige incorporar práticas sustentáveis à governança, à operação e à cultura institucional com a mesma seriedade com que se trata a qualidade assistencial.”
Entre as práticas que trazem retorno financeiro mais rápido e poderiam ser replicadas, Ione destaca:
• Gestão de resíduos e insumos: revisão de processos de esterilização, redução de plásticos de uso único e reprocessamento seguro de materiais têm reduzido custos operacionais e riscos regulatórios;
• Compras sustentáveis e gestão da cadeia de suprimentos: considerando que cerca de 71% das emissões do setor vêm da cadeia produtiva, adotar critérios ambientais e sociais nas aquisições gera ganhos rápidos em eficiência e reputação;
• Engajamento de colaboradores: programas internos de conscientização e cultura ESG reduzem desperdícios, fortalecem o senso de propósito e melhoram indicadores de clima organizacional.
“Essas são práticas de retorno financeiro e intangível de curto prazo, que demonstram que sustentabilidade não é custo, é gestão inteligente de riscos e ativos. Mais do que uma tendência, representam uma nova racionalidade de gestão em saúde, na qual sustentabilidade e performance caminham juntas.”
Embora a sustentabilidade gere economias de médio prazo, o investimento inicial ainda é a principal barreira. Há também desafios de infraestrutura: muitos hospitais operam em prédios antigos, com limitação de carga elétrica ou cobertura insuficiente para painéis solares. Em outros casos, a burocracia regulatória e a falta de equipes técnicas treinadas atrasam os projetos.
Mas a sustentabilidade na saúde não depende apenas de grandes investimentos, mas de inteligência operacional e engajamento das equipes. O desafio é transformar boas práticas em cultura organizacional.