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"It's Longevity, stupid!" - AgeTechs perseguem o terceiro PIB do mundo

Article-"It's Longevity, stupid!" - AgeTechs perseguem o terceiro PIB do mundo

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A fantástica fábrica de oportunidades do mercado 60+

Talvez você leve 10 minutos para ler este texto, tempo necessário para que 70 pessoas cheguem aos 65 anos só nos EUA. Em outras palavras, “10 mil indivíduos completam 65 anos a cada dia na America do Norte”. Essa é uma realidade inequívoca: o mundo não será dominado por extraterrestres, mas por “intraterrestres@65+”, povos que habitam a terra e que crescem em todas as direções e perfis sociais. Em 2022, perto de 8 bilhões de pessoas estão vivas, respirando e esperando o dia seguinte; representam 6,8% de todas as pessoas que já nasceram desde os primórdios da humanidade (117 bilhões de humanos no total). Faça as contas: de janeiro a agosto de 2022 nasceram perto de 100 milhões de bebês e morreram 40 milhões de pessoas, sendo que essa diferença só aumenta. Não precisa ser um gênio para perceber que o número de pessoas com 60+ cresce de maneira vertiginosa, com projeção de serem 1/5 da população do planeta até 2050. Só no Brasil o número de idosos ultrapassará o total de crianças até 2030 (em números absolutos: de 2012 a 2021 a parcela de pessoas com 60+ no país cresceu 39,8%).

Ou seja, pela primeira vez o mundo tem mais avós do que netos, com 705 milhões de 65+ contra 680 milhões entre 0 e 4 anos (fonte: ONU). E eles avançam. Alguns os chamam carinhosamente de velhinhos, outros mais sociáveis de idosos e um pequeno grupo de neologistas de longevos. Não importa a denominação: eles estão ‘invadindo a Terra’ e serão o centro da personal-innovation” nos próximos cinquenta anos. Todavia, ainda estamos muito atrasados. O mundo precisa de muito mais “inovação para longevos” do que dispõem hoje. Tudo o que existe de AgeTechs (empresas, startups, produtos e serviços para benefício da boa longevidade humana), também chamadas de ElderTechs ou GenoTechs, é uma fração residual do que a civilização precisa para suportar o enorme crescimento do “envelhecimento populacional”. Não se trata só de inovação digital, mas acima de tudo de soluções figitais (físicas+digitais-sociais) que agreguem apoio ao crescimento da expectativa de vida nesta primeira metade do século. Em 2018, por exemplo, os investidores colocaram mais capital privado em empresas que cuidam de “animais de estimação” do que em empresas que cuidam de “pessoas idosas”.

Como escreve a Dra. Josefa Ros Velasco, madrilenha e autora do lírico “A Cultura do Tédio”: “Todos nós estamos exigindo incessantemente um novo sentido para a vida. É por isso que estamos sempre gestando e explorando novos projetos, reinventando o caminho, avançando, recuando, mudando de rumo no meio da vela, desviando de ideias antípodas, nos reinventando e renascendo todos os dias”. Ocorre que as demandas do mercado de idosos ainda tem pouco respaldo no mercado da inovação, principalmente de seus investidores. Lideranças tendem a não juntar as expressões "inovação digital” com "longevidade figital”, muitas vezes introjetando o seu idadismo (preconceito com relação a idade). A idade é uma das primeiras coisas que percebemos nas outras pessoas e o idadismo surge quando as categorizamos, criando um ‘apartheid mental’ que gera prejuízo, desvantagens e injustiças. Relatório mundial sobre o tema, publicado em 2021 pela OMS (“Global Report on Ageism”), descreve claramente o problema: “O idadismo refere-se a estereótipos (como pensamos), preconceitos (como nos sentimos) e discriminação (como agimos), direcionado às pessoas com base na idade delas. Ele começa na infância e é reforçado com o passar do tempo”. Healthtechs, Fintechs e EdTechs lideradas por mentes acanhadas tendem a discriminar os intraterrestres@65+, fazendo emergir a velha realidade: “quem tem a mente pequena ataca tudo o que não cabe nela". Azar delas: deixam o campo aberto para AgeTechs escalar esse gigantesco mercado.  

Se as pessoas hoje vivem 20 anos a mais do que viviam a 50 anos atrás, e se esse crescimento não dá indicadores de redução até a metade deste século, é sinal de que boa parte das pessoas que estão lendo este paper vão “morar” no parque temático dos idosos, sendo ele bom ou ruim. Será o nosso habitat, para bem ou para mal. A boa notícia é que a “Economia da Longevidade” é um dos portais mais interessantes para investimento em inovação. De cada US$ 1 gasto com bens e serviços nos EUA, US$ 0,56 são gastos por alguém com mais de 50 anos, sendo que até o final de 2022 esse valor já terá subido. Um setor com PIB anual de US$ 9 trilhões, só perdendo para EUA e China. Cuidar de indivíduos mais idosos é uma oportunidade de US$ 131 bilhões só nos EUA (equivalente ao mercado mundial de games), sendo as pessoas com 65+ o “grupo consumidor que mais cresce no mundo”. A AARP (American Association of Retired Persons), organização que cuida dos interesses de aposentados nos EUA, mas que vem se especializando no universo dos 50+, observa que eles contribuirão com US$ 28 trilhões para a economia mundial até 2050. O mercado 50+ no Brasil já movimenta 56 milhões de indivíduos, podendo chegar a 90 milhões em 2045, dispara o estudo do Instituto Locomotiva (“O mercado da longevidade no Brasil”), sendo que essa galera já movimenta hoje R$ 1,6 trilhão no país.

Desenvolver soluções orientadas a longevidade não é algo simples. Quase sempre o retorno vem em longo prazo, as demandas possuem graus diferentes de perfil social e o design tecnológico costuma ser desafiador (grande heterogeneidade em diferentes requisitos). Além disso, existem questões culturais, espirituais, econômicas e conceituais delicadas. Embora a maioria esteja interessada em estender a ‘expectativa de saúde’, nem todos estão interessados em estender a ‘expectativa de vida’ (atrasar a morte). Alguns pensam que a vida só tem sentido porque é finita; outros, que vivem em penúria ou em condições críticas de saúde, podem ser mais cautelosos em estender a longevidade. A maioria espera bovinamente a “idade avançada”. Mas isso está mudando.

AgeTechs têm mercado ascendente até o “juízo final”. Mais ainda porque ‘dilatar o tempo de vida’ não é o grande mercado, mas sim aquele focado em produtos e serviços que beneficiam o (1) cotidiano de idosos e das (2) pessoas que cuidam deles. Ambos são mercados enormes e mal atendidos, mas prontos para a inovação. Exemplos de demandas pujantes:  (1) Apoio ao Cuidador (profissional ou familiar); (2) Coordenação de Cuidados, no Brasil uma vertical quase nula, pois envolve soluções transversais que abordem nosso fragmentado Sistema de Saúde, principalmente para idosos com múltiplas condições de saúde (inclui transição de cuidados, colaboração clínica, gerenciamento de medicamentos, prestação de cuidados remotos, navegação de cuidados, etc.); (3) Envelhecimento Residencial, que engloba um arsenal de práticas e tecnologias que facilitam a permanência dos idosos em suas casas (elderly-devices, robótica assistida, prevenção de quedas, vigilância domiciliar emergencial, acessibilidade digital, home-elderly-catering; etc.); (4) Bem-estar e resiliência financeira, uma descomunal planície de oportunidades aguardando soluções de autonomia e segurança-financeira para longevos; (5) Saúde Preventiva (tanto física quanto cognitiva), apoio estrutural, tecnológico e mental para apoiar condicionamento físico, nutrição, bem-estar, mudança de comportamento, fisioterapia, gestão de patologias crônicas, etc.; (6) Engajamento Social, no Brasil uma das verticais mais despossuídas de apoio, carecendo de soluções que abordem (a) o propósito, (b) a realização e (c) o envolvimento comunitário, incluindo conexão social, determinantes sociais da saúde e superação do isolamento e solidão.

O valor econômico da desaceleração na taxa de envelhecimento biológico, que melhora a saúde e leva a um “aumento de 1 ano na expectativa de vida”, vale US$ 37 trilhões (fonte: “The economic value of targeting aging” – Nature). Muito inspirador, mas não é essa a principal trilha da Economia da Longevidade, que vem revelando novas realidades que agitam as AgeTechs, principalmente quanto a oferta de produtos e serviços tecnológicos para self-care. Adultos mais velhos ainda têm a capacidade de aprender coisas novas, criar memórias e ampliar seu desempenho em uma variedade de habilidades. O estudo “The Impact of Sustained Engagement on Cognitive Function in Older Adults: The Synapse Project”, publicado em 2014, foi um importante marco sobre os caminhos que a indústria da longevidade persegue: engajamento produtivo de idosos apoia a longevidade cognitiva. “Há evidências claras de que a função da memória é melhorada pelo envolvimento em tarefas diárias exigentes, tendo o engajamento produtivo o potencial de reforçar e propagar o aprendizado contínuo e o estímulo intelectual. Nossos resultados fornecem as primeiras evidências experimentais de que aprender coisas novas e manter a mente engajada pode ser uma chave importante para o envelhecimento cognitivo bem-sucedido, assim como a sabedoria popular e nossas próprias intuições sugerem”, concluiu o estudo. Bingo! Idosos que ficam em casa vendo televisão, sem tarefas pragmáticas e sem produção de valor real se decompõe mais rapidamente. O mais interessante é que o estado de atividade mental, centrado na produção cognitiva, normalmente é alcançado em nossa consciência bem antes de nos tornarmos “idosos de carteirinha”. Alguém com 25 anos, cujo projeto de vida é se aposentar e usufruir do “fazer-nada”, já está condenado ao envelhecimento precoce. Esse é um dos grandes desafios da Gerontecnologia: alocar novamente os longevos dentro das cadeias de produção.

Em muitas sociedades, principalmente ocidentais, envelhecer é um fardo. Grande parte dos idosos são deixados para morrer em condições deprimentes, em asilos, esquecidos em hospitais, ou fora de uma estrutura de apoio do Estado. São abandonados pelos filhos, não conseguem pagar cuidadores, não dispõem de uma previdência digna e não poucas vezes flertam com o suicídio. Mas o surto de Covid-19 deu um impulso repentino à digitalização, com iniciativas intensificando o uso de tecnologias digitais em todas as áreas: trabalho, atendimento, bancos e compras, interação social, ensino e aprendizagem, etc. Envelhecer num mundo digital pode ser valioso ou devastador, sendo que cada vez mais a inclusão tardia pode ser uma sentença de isolamento aos idosos. Não precisamos tanto de pílulas ou biotecnologia que adicionem mais anos a vida humana, mas sim de soluções tecnológicas que reduzam as incapacidades visuais, auditivas, motoras e cognitivas, sem falar na redução do sentimento de inutilidade (familiar e social), na perda da vitalidade e do isolamento persecutório (a solidão aumenta a probabilidade de mortalidade em 26%). Idosos não querem viver mais, mas melhor. É prematuro afirmar, mas é provável que o ‘uso de smartphones por idosos’ tenha reduzido consistentemente o seu isolamento e a sua perspectiva de uma solidão miserável.  

No fundo, o que o setor de AgeTechs precisa mesmo são de boas ideias. Um exemplo são as “quedas de idosos”. Saúde depende de movimentação, mas não é cair que apavora os idosos, mas sim o medo de cair. Um em cada três adultos cai rotineiramente a cada ano, mas somente um minúsculo número deles participa de uma “aula de equilíbrio”. A agetech  Nymbl Science, por exemplo, descobriu que a maioria dos longevos não quer sair de casa para “treinar equilíbrio” e não quer que lhes digam “o que devem fazer”. A empresa desenvolveu uma solução atraente para utilização residencial: um programa de equilíbrio, baseado em app, que treina o cérebro e o corpo para trabalharem juntos, sendo o método conhecido como dual-tasking. O programa aguça a sensação e o reflexo de equilíbrio para que “antes de tropeçar, o idoso se movimente na direção de um passo seguro”. O treinamento é um mix de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional, sendo controlado por um dispositivo inteligente. Os usuários do app começam respondendo a um questionário que identifica o risco de queda, utilizado para personalizar o programa. Uma sessão de treinamento completa (usando o app) leva cerca de 10 minutos e inclui vários exercícios residenciais, cada um com duração de 30 a 90 segundos, incluindo um desafio cognitivo. “Ao avaliar o risco das pessoas, podemos inseri-las numa atitude mais adequada, progredindo com base no desempenho”, diz Nathan Estrada, vice-presidente clínico da empresa. O Nymbl já possui 60 mil usuários, sendo que a média de idade é de 72 anos. Estudo de prevenção de quedas, envolvendo 15 mil participantes na Nova Zelândia, descobriu que idosos que realizaram 12 sessões de balance-training tiveram uma redução de sinistros por quedas de 35%.

Com 5G, cresce também a indústria de ‘sensores para controle de atividades de longevos’. A solução da PeoplePower, por exemplo, utiliza sensorização-doméstica (passiva), semelhante às encontradas em sistemas de segurança, que não requerem câmeras ou dispositivos vestíveis. Por meio de aprendizado de máquina, os sensores aprendem padrões de estilo de cada casa. A plataforma pode capturar e unir qualquer tipo de séries temporais em uma visão completa de 360° do mundo físico. Os dados são codificados e transformados em “assistentes residenciais personalizados”. Já a Labrador Systems utiliza localização e mapeamento visual 3D, combinado com sensores de profundidade (“para-choques”) para navegação no ambiente doméstico, gerenciando espaços apertados, transições de piso e condições de baixa iluminação. O VirtuSense também utiliza inteligência artificial, acelerando ‘insights preditivos’ que permitem aos cuidadores e família serem proativos. Seus sensores detectam movimentos e anomalias com base em milhões de horas de dados normativos, que alertam os cuidadores 30 a 65 segundos antes de ocorrer, por exemplo, a saída de uma idosa da cama ou de uma cadeira. Sem falar na família dos sensores ambientais, como o CareAlert, que monitora movimento, temperatura, umidade, qualidade do ar, luz e som. Seu aplicativo trabalha com uma plataforma de machine learning que aprende comportamentos continuamente. Com isso ele se torna mais “inteligente” ao longo do tempo, podendo detectar crises, verificar medicamentos e medir níveis de recuperação, tornando-se até uma ferramenta assistencial para portadores de Alzheimer.

Outro movimento que cresceu vertiginosamente depois da Covid-19 foi o “Aging in Place/AgeTech”. Com 9 em cada 10 idosos relatando preferir permanecer em suas casas nos próximos anos, o momento é de transição. A nova “casa conectada” precisará identificar quando um idoso está em declínio e intervir antes que suas condições sejam urgentes. Além de ser seu eixo protetivo, a digital-home precisará fornecer cada vez mais “insights que distanciem o idoso das reinternações”. Esse é um dos maiores desafios nos próximos anos para a indústria de AgeTechs. “Envelhecer no local [aging in place] é o ‘santo graal’ das AgeTechs”, explica Keren Etkin, autora da obra “The AgeTech Revolution”. Seu mainstream é de uma obviedade espantosa, mas poucos agetechs o identificam com clareza: “Há uma percepção equivocada, parte dela enraizada no preconceito da idade, de que os idosos devem ser tratados como pacientes. De muitas maneiras, AgeTech é um termo que deve abranger qualquer tecnologia que permita o ‘aging in place’. Precisamos abolir essa noção de que uma sociedade segregada por idade é boa, porque não é. Acho que estamos tendo algum progresso, mas precisamos de muito mais. O conceito de aposentadoria, por exemplo, está quase obsoleto. Há muitas pessoas que não podem se aposentar porque não têm o suficiente para fazê-lo. Mas mesmo as pessoas que podem se aposentar não necessariamente querem. Ok, você pode não querer continuar trabalhando em tempo integral e passar 14 horas por dia em um escritório sob luzes de neon. Mas, se gosta do que faz, ainda pode continuar trabalhando de uma maneira que funcione para você. Nesse sentido, o foco das AgeTechs deve ser desenvolver produtos e serviços que suportem o trabalho produtivo do idoso em casa, e não só a preocupação com sua saúde”, explica Etkin.

Outro equívoco comum é de que os idosos não usam tecnologia. Na realidade, os longevos vêm adotando tecnologias digitais em taxas cada vez maiores nos últimos anos. Estudo da Pew Research Center mostra que nos EUA a adoção de tecnologias-chave por faixas etárias mais idosas cresce acentuadamente há uma década, sendo que a diferença de uso entre os adultos-mais-velhos e mais-jovens vem diminuindo. Cerca de 96% das pessoas com idades entre 18 e 29 anos possuem um smartphone, em comparação com 61% das pessoas com 65+ (diferença de 35%). No entanto, essa diferença diminuiu em 53% desde 2012. Por exemplo: perto de 61% dos norte-americanos possuíam um tablet em 2021. São os jovens que mais usam?  Não. Aproximadamente 46% dos usuários têm entre 18 e 29 anos; com 53% deles entre 50 e 64 anos e 44% possuindo 65+. Não adianta querer contextualizar que idosos rejeitam ferramentas digitais. Os que rejeitam são aqueles que não tiveram oportunidade de serem treinados dentro de sua própria velocidade e de seu próprio ambiente.

O pensamento econômico global vai dar uma guinada gigantesca nos próximos anos com relação a longevidade. Veremos fintechs investindo no apoio as pessoas com 80+ para produzir valor no campo de suas competências, e o farão no modelo Aging in Place. Nos meses de “insulamento pandêmico”, ninguém tinha mais experiência em isolamento residencial do que os 80+. Se hoje eles passam os dias vendo TV, em curto espaço de tempo serão mais uma força de trabalho gerando valor em campos de atuação que os mais novos derrapam, ou em prestação de serviços de alta utilidade tecnológica (em menos de 4 meses um idoso com 70+ é capaz de aprender a codificar e ter remuneração garantida superior a médicos recém-formados). Cerca de 25% das universidades norte-americanas já contam com cursos de codificação (programação informática) para idosos acima de 70 anos. 

Veremos Operadoras e Seguradoras de Saúde reinventando modelos de proteção, trocando serviços de saúde por “serviços de aconselhamento e cooperação social”. Na Noruega, por exemplo, isso já acontece. O programa público “Leve hele livet” (Viva sua vida inteira) entrevistou moradores entre 80 e 96 anos de várias cidades, que já recebiam serviços domiciliares (caregivers). Em geral, eles responderam que estavam bem atendidos, mas unanimemente responderam que “sentiam falta de alguém com quem conversar” e “algo significativo para fazer durante o dia”. O Parlamento norueguês incentivou o programa, que coordena a organização de modo que pessoas menos idosas saiam e conversem alguns dias da semana com outros idosos de mais idade, sendo remuneradas por isso. A programa referencia os encontros por meio de inteligência artificial, que escolhe e reúne os idosos por meio da melhor vizinhança entre eles.

Veremos países reinventando o contexto de participação coorporativa, com incentivos a que idosos façam parte de Conselhos de Administração de entidades públicas e privadas, cujas áreas eram alvo da competência deles enquanto ativos. Veremos idosos (80+) com capacidade de oratória sendo aproveitados para “contar histórias” em escolas da primeira infância, que possivelmente estarão fartas de telas e redes midiáticas. Veremos de tudo um pouco, mas, acima de qualquer coisa, veremos longevos mais engajados. Não se trata de utopia, nem simpatia ou desejo de realizar ações humanitárias. Os trabalhadores mais velhos são o recurso natural mais subestimado da economia. A longevidade de hoje é historicamente única e não há um plano para o que fazer com mais 20 ou 30 anos de vida. Idosos em todo o mundo estão projetando seus caminhos para novas vidas, e o mundo está acordando para o impacto econômico de sua experiência. O índice Kauffman Index of Startup Activity identificou que a maior taxa de atividade empreendedora nos EUA está entre 55 e 64 anos. Não é de hoje: isso já ocorre há 15 anos e a tendência não mostra sinais de desaceleração. Outro estudo, da Merrill Lynch (“Work in Retirement: Myths and Motivations”), descobriu que as pessoas que evitam a aposentadoria tradicional têm três vezes mais chances de serem empreendedoras e desenvolvedores de pequenas empresas do que os jovens. Estão otimizando sua vida e experiência de trabalho para construir empresas artesanais ou até negócios de alta tecnologia. Sua experiência de saber o que funciona e o que não funciona traz uma enorme vantagem sobre aqueles que gastaram pouco tempo testando novas ideias. Em vez de abordar novos problemas com soluções antigas, sua riqueza de trabalho e experiência de vida ajuda as equipes a descobrir novas maneiras de fazer conexões improváveis ​​entre ideias, insights e design. Nos EUA, por exemplo, cinco anos após a abertura do negócio, 70% dos estabelecidos por empreendedores seniores ainda estão em operação, em comparação com 28% dos empreendedores mais jovens. No Reino Unido, Irlanda e Austrália, pessoas com 50+ lançam mais startups do que qualquer outro grupo.

A longevidade tem suas próprias limitações, como qualquer fase da vida, que, no seu caso, se devem principalmente a questões de saúde. Mas a maioria dessas limitações são autoimpostas e alimentadas pela sociedade, que não aceita "senilidade, perda de força e dependência" como parte natural do ciclo da vida. Assimilamos que velhice é um período de descanso, contemplação, recompensa e passividade. Tudo errado. Esse é um estereótipo completamente falso: quem quer descansar quando você pode fazer uma revolução? Como explica Josefa Ros Velasco: “Só observar o que está acontecendo é incompatível com participar do curso do mundo. Que tipo de gratificação é essa que põe fim às nossas andanças, que mata nossas aventuras, segrega nossos desejos e nos obriga a ser testemunhas distantes do declínio de nossa mente? Por que proibir o ato de ressurreição por meio de novos projetos profissionais?”.  Finalizando este paper, deixo Pascal Bruckner, autor da genial obra “Une brève éternité”, clarificar os novos tempos da longevidade: “Se temos as mesmas emoções, as mesmas tristezas, as mesmas aspirações loucas em todos os tempos da vida, por que em vez de desmantelar proibições e preconceitos, fazemos o máximo para nos encaixar no cânone da beleza e da atitude juvenil? É necessário parar de perseguir a morte da morte e começar a evitar a morte em vida”.

Guilherme S. Hummel

Scientific Coordinator Hospitalar Hub

Head Mentor – EMI (eHealth Mentor Institute)