Nos últimos anos, o setor de saúde brasileiro passou por um processo intenso de consolidação por meio de fusões e aquisições (M&A), que vinha desacelerando gradativamente após o ápice de 2021. A retomada começou a ganhar força novamente em 2024–2025, embora sob um novo prisma. Ao invés de uma busca centrada unicamente na escala horizontal, o que se observa agora é uma transição para um modelo de verticalização e arranjos estratégicos que integram operadoras, prestadores e tecnologias em plataformas mais coesas.

1. O contexto da retomada

Até 2021, o setor de saúde vinha registrando recordes de M&A. Entre o final de 2021 e início de 2022, foram realizadas cerca de 150 operações relevantes — dentre elas, a aquisição da SulAmérica pela Rede D’Or e a fusão NotreDame/Hapvida, além de IPOs de empresas como Mater Dei, Viveo, Oncoclínicas, Dasa e Kora.

Esses movimentos refletiam a busca por escala, diversificação de serviços e maior presença geográfica — todos necessários num mercado que ainda tinha uma penetração de planos de saúde restrita a cerca de 24–25% da população brasileira.

Mesmo com a desaceleração global de M&A até primeiro trimestre de 2025, o setor de saúde se manteve ativo, respondendo por 8% do volume global e 10,7% dos valores transacionados — o equivalente a cerca de US$ 112 bilhões . No Brasil, entre 2003 e 2023, foram registradas 817 transações no setor, com cerca de 500 delas gerando um faturamento acumulado de quase R$ 90 bilhões e frequência média de uma operação a cada nove dias .

Em 2024, o número total de operações no país aumentou cerca de 5%, passando de 1.505 em 2023 para 1.582 – um movimento que indicava alguma retomada, mesmo sem atingir os níveis recordes de 2021 e 2022. Agora em 2025, o setor volta a aquecer o mercado de M&As, especialmente em um cenário marcado por inovação tecnológica e consolidação estratégica.

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A recente notícia de uma potencial aquisição da rede de laboratórios Fleury pela Rede D’Or causou alvoroço no mercado, havendo inclusive suposições de movimentos ainda mais estratégicos, como a consolidação de um grupo econônimo na saude englobando Bradesco, Sulamérica, Rede D’Or e Fleury. Um verdadeiro gigante na saúde privada do Brasil!

2. Por que as aquisições são necessárias?

A lógica por trás dessa onda retomada de M&A no setor de saúde está ligada aos desafios estruturais do país: envelhecimento populacional, aumento dos custos assistenciais, fragmentação do sistema e ineficiências operacionais crescentes. No setor de saúde suplementar, a consolidação e verticalização podem melhorar a eficiência operacional e ajudar a conter custos, embora a rentabilidade e o retorno sobre o patrimônio (ROE) ainda enfrentem pressão.

Além disso, o apetite por escala e qualidade estimula movimentos de compra de clínicas, hospitais e operadoras com marca consolidada, permitindo o alcance rápido a nichos de mercado sem necessidade de construção interna e mitigando riscos ao aproveitar know-how existente.

Outro impulso vem da governança e tecnologia: empresas com sólida estrutura administrativa, processos digitalizados e visão de longo prazo se destacam. Em momentos de instabilidade essas companhias se tornam alvos atrativos, pois conseguem adquirir ativos a valores potencialmente mais baixos e com alto potencial de valorização futura.

3. Benefícios e geração de valor

Em primeiro lugar, a consolidação permite a exploração de sinergias operacionais expressivas — redução de custos administrativos e logísticos, melhoria do poder de barganha e racionalização de back-offices e infraestrutura. Essas eficiências se traduzem em margens melhores e maior capacidade de investimento.

Em segundo lugar, a verticalização – com prestadores e operadoras integradas — favorece a agilidade na prestação de serviços, uniformidade de protocolos clínicos e jornada mais fluida para o paciente. Estudos mostram que a qualidade do atendimento e a experiência do usuário tendem a melhorar, desde que a fusão seja bem executada.

Em terceiro lugar, empresas consolidadas apresentam maior resiliência financeira, maior capacidade de captação de recursos e estabilidade operacional em cenários voláteis.

4. Riscos e obstáculos

Por mais promissor que seja o efeito da consolidação e verticalização, não faltam desafios. O mais evidente é a concentração de mercado e o risco de práticas anticompetitivas. Autoridades como o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) intensificaram, neste contexto, a revisão de operações verticais (não horizontais). Entre 2012 e 2022, a proporção de M&A verticais analisadas cresceu de 14% para 46%, exigindo cuidados rigorosos para mitigar riscos concorrenciais.

Outra consequência possível é a redução da escolha por parte do paciente e eventual desestímulo à inovação, caso grandes grupos dominem o mercado e passem a restringir oferta ou aumentar preços.

Há ainda os desafios da integração — alinhamento de cultura, sistemas de informação, governança, gestão de pessoal e infraestrutura clínica. Operações grandes como NotreDame/Hapvida, por exemplo, enfrentaram forte alavancagem financeira e pressão por resultados rápidos, o que gerou tensões internas e externas.

5. O novo modelo: verticalização e arranjos estratégicos além da compra

Aqui, vale dedicar atenção especial — pois esse é o núcleo do novo ciclo. O que se observa hoje é que muitas empresas estão optando por consolidar verticalmente, mas não necessariamente através de fusões completas ou aquisições integrais. Muito tem sido feito via joint ventures, parcerias operacionais ou compartilhamento de redes.

Um exemplo é a joint venture entre Dasa e Amil, criada em 2024 com 25 hospitais e 4.400 leitos, combinando R$ 9,9 bilhões em receita líquida e EBITDA estimado em R$ 777 milhões. A operação foi encarada como uma consolidação vertical, mas com foco em sinergias operacionais e financeiras, e sem necessariamente uma fusão tradicionais de empresas.

Outro exemplo recente e emblemático é a potencial aquisição do Fleury pela Rede D’Or. Mais do que uma compra, essa operação poderia aprofundar um relacionamento que já vem sendo construído no mercado, integrando-se a uma parceria existente entre a Rede D’Or e o Bradesco Saúde. Essa parceria, formalizada por meio da criação da Joint Venture Atlântica, já havia unido a força da maior rede hospitalar do Brasil com uma das maiores operadoras de saúde do país. A entrada do Fleury — segunda maior rede de laboratórios do Brasil — nesse ecossistema criaria um conglomerado inédito no setor: a maior rede de hospitais do país, a segunda maior rede de diagnósticos e duas das maiores operadoras de saúde do Brasil, Bradesco e SulAmérica (esta última adquirida pela Rede D’Or em 2022).

O impacto potencial de uma estrutura assim é enorme. Do ponto de vista de verticalização, ter hospitais, laboratórios e operadoras sob um mesmo guarda-chuva permite controlar toda a jornada assistencial do paciente — da prevenção ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento — com ganhos de eficiência, redução de custos e maior previsibilidade financeira. Além disso, a escala e o escopo resultantes ofereceriam um poder de negociação inédito com fornecedores, profissionais e empresas de tecnologia, além de abrir espaço para investimentos robustos em inovação e digitalização.

Casos como os da SulAmérica com Rede D’Or (2022), a parceria entre Bradesco Saúde e Rede D’Or (2024) e a união Amil-Dasa mostram que, na prática, o setor vem caminhando para soluções híbridas, que unem operadoras e prestadores de forma mais flexível e menos concentrada do que a fusão pura e simples.

Esse ambiente de verticalização estratégica se reforça especialmente quando se observam os movimentos de healthtechs e digitalização: operadoras estabelecidas firmam parcerias ou integraram plataformas, aplicativos e soluções de telemedicina para criar ecossistemas mais abrangentes — e menos dependentes de aquisições bilionárias.

6. Conclusão: um ciclo de M&A redesenhado

A retomada das fusões e aquisições no setor de saúde brasileiro não se resume a uma nova onda de M&A. Trata-se de uma evolução — uma transição para práticas mais sustentáveis e equilibradas, orientadas à verticalização, à integração funcional e à criação de valor de forma menos disruptiva, mas mais eficiente.

Enquanto a fase até 2021 foi marcada pela corrida por escala e expansão via fusões horizontais e IPOs, o novo ciclo — iniciado em 2024–2025 — traz consigo a consolidação inteligente. Operadoras, hospitais, laboratórios e startups estão construindo redes integradas, aderentes às necessidades atuais do cliente, à pressão por governança e à vigilância regulatória.

A mensagem é direta: o setor caminha para uma maturidade que valoriza menos o tamanho absoluto e mais a qualidade da integração. Isso oferece espaço para inovação, competitividade, governança robusta e, sobretudo, uma atenção mais centrada no paciente. No horizonte, os M&A não sumiram — apenas mudaram de forma e propósito.

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