Há alguns meses   conversei com a médica Maria Goretti Sales Maciel*, presidente da Associação Nacional de Cuidados Paliativos, sobre diversos aspectos dos cuidados paliativos no Brasil e no mundo, como lidamos com isso na esfera pofissional e pessoal. Uma coisa que me marcou muito nessa entrevista foi o que ela chamou de desculpas amarelas: falsas desculpas que contamos para os outros para convencermos a nós mesmos porque não paliamos.

Goretti me explicou os três exemplos abaixo:

A Família não concorda: está no código de ética médica – em situações irreversíveis e terminais que o médico tem que oferecer o melhor cuidado paliativo possível. É muito importante que a família seja preparada ao longo desse processo, bem como o paciente, mas a família aceitar (ou não) o diagnóstico do paciente não deve mudar a conduta médica, um vez que o médico acredite que não há indicação de outras condutas mais radicais ou invasivas para o prolongamento da vida.

Claro que a família não pode ficar desamparada,  precisando receber também  cuidados adequados nessa situação, como apoio psicológico por exemplo, para facilitar a tomada de decisão . Além disso, tanto o paciente quanto a família têm o direito de solicitar uma segunda opinião médica.

Judicialização: O médico que não realizar uma intervenção (RCP, por exemplo) em um paciente pode ser acusado de omissão de socorro? Se a intervenção não evita o evento morte   de um paciente terminal, então não é omissão. Conforme a resolução 1.805/06 do CFM, que respalda o profissional perante a justiça, é permitido ao médico limitar ou suspender os procedimentos ao final da vida em caso de doença grave ou incurável.

Mais uma vez, se o paciente e a família estão cientes do processo de terminalidade, não há surpresas – a morte é algo esperado e o médico não será culpabilizado. É sempre bom lembrar: registe tudo no prontuário do paciente! É importante registrar o diagnóstico e a conduta, e sempre que conversar com o paciente e família sobre o diagnóstico, prognóstico e condutas a serem tomadas.

“Eu não sabia que ele(a) estava em cuidados paliativos”: quem nunca descobriu na troca de plantão que aquele paciente  internado está na UTI depois de  uma mega intervenção  porque o plantonista não sabia que ele estava em cuidados paliativos? Isso acontece porque  temos problemas quanto à qualidade dos registros médicos nos prontuários. É necessário registrar tecnicamente no prontuário, sem nenhum medo ou constrangimento, o diagnóstico e a conduta a ser tomada (se não tem mais indicação de proceder em medidas de suporte de vida, se será feito um tratamento conservador) para que a equipe inteira esteja alinhada e respaldada.

Em muitas situações é possível que até mesmo o médico plantonista consiga identificar que se trata de um paciente terminal que não se beneficiará de uma determinada intervenção.

Fato é: para perdermos o medo e pararmos de inventar desculpas para nós mesmos, precisamos lidar com a morte e com a família e isso, muitas vezes, é frustante para o profissional que está disposto a salvar vidas.

Não adianta chegar na última hora para a família e falar que o paciente está morrendo, e somente então oferecer os cuidados paliativos, e esperar que aceitem bem. É até incoerente, poiso cuidado paliativo não começa no último dia de vida da pessoa (veja esse exemplo do Medicare). E lembre-se que não podemos penalizar o paciente, às vezes é necessário protegê-lo  da própria família. Quanto mais cedo ele for informado sobre suas perspectivas e cuidados, mais autonomia ele terá e mais o profissional estará seguro. Isso é humanização para o paciente, para a família e para os trabalhadores da saúde.

*Paliativista há 15 anos, Goretti é Médica, especialista medicina de família e comunidade e presidente da ANCP – Associação Nacional de Cuidados Paliativos, Membro da Câmara Técnica sobre a Terminalidade da Vida e os Cuidados Paliativos do Conselho Federal de Medicina (CFM); diretora do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE-SP).