Temos um grave problema de saúde pública por um mal que assola de forma crônica 350 milhões de pessoas no mundo, dois milhões de brasileiros segundo a Organização Mundial de Saúde: a Hepatite B. A doença já virou epidemia e se alastra com uma rapidez impressionante, sendo considerada atualmente uma das maiores viremias crônicas da humanidade. Seus números se tornaram tão expressivos quanto o desconhecimento em relação à doença, pois a maioria das pessoas nem sabe que está infectada.
Assim como o HIV/AIDS, a Hepatite B é uma doença sexualmente transmissível, entretanto, seu vírus chega a ser cem vezes mais infeccioso do que o da AIDS e o número de infectados no mundo oito vezes maior em relação à AIDS. A falta de conhecimento sobre a Hepatite B e o aparente desinteresse das autoridades em relação à doença resultam em dados alarmantes: apenas um em cada 800 infectados recebe tratamento no Brasil pelo SUS, enquanto a relação para o HIV é de um em cada três infectados.
Por isso, todos os anos, pessoas morrem em função do comprometimento do fígado causado pelo vírus da Hepatite B, essa doença silenciosa que pode levar a quadros crônicos, ao desenvolvimento de cirrose ou câncer. A doença é definida como uma inflamação do fígado causada pela infecção com Vírus da Hepatite B (HBV), cujo material genético é constituído por DNA.
A boa notícia é que os avanços da medicina e das pesquisas científicas têm proporcionado um verdadeiro arsenal de medicamentos aprovados no Brasil pela ANVISA para o tratamento da Hepatite B, possibilitando o controle efetivo dos pacientes e evitando a progressão da doença a um custo relativamente baixo, menor que o tratamento da AIDS. No entanto, inexplicavelmente, esses medicamentos não são fornecidos pelo SUS para tratamento dos pacientes que dependem do sistema público.
O protocolo que regula o tratamento da Hepatite B no SUS é do ano 2002, portanto baseado em estudos até 2001 e defasado de todas as últimas inovações científicas. Em novembro, o protocolo completou seis anos com a utilização dos medicamentos disponíveis naquela época, ou seja, no final do século passado. Desde o último protocolo, novos medicamentos revolucionaram a resposta terapêutica para a doença, apresentando excelentes resultados, infelizmente indisponíveis na rede pública, que ainda conta basicamente com a Lamivudina, um medicamento mais antigo, que gera resistência viral em 70% dos pacientes, de acordo com os mais recentes estudos científicos.
Tal como na AIDS, o vírus da Hepatite B é mutante, apresentando a característica de criar resistência aos medicamentos. A detecção desta mutação só é possível por meio do controle trimestral de carga viral. O crescimento desta carga significa que o vírus está criando resistência, sendo fundamental a mudança imediata para outra opção terapêutica. Do contrário, a transmissão da Hepatite B torna-se ainda mais grave, por conta de ser um vírus diferenciado e resistente a diversos medicamentos.
O Brasil passa então à condição de criador de cepas do vírus, ou seja, de disseminador de vírus resistentes às mais recentes opções de medicamentos. Isso significa que o País poderá, num futuro bem próximo, desenvolver e disseminar um tipo de Hepatite B que nenhum medicamento conseguirá controlar. É desalentador observar que a vontade política existente para a epidemia da AIDS não seja a mesma em relação à Hepatite B.
Em comparação com a AIDS, a Hepatite B possui formas de prevenção e tratamento muito mais efetivos. Além da iminente necessidade de alteração do protocolo e disponibilização dos mais modernos medicamentos para a Hepatite B, que conseguem um excelente controle da doença, é preciso que o governo dê mais atenção à disseminação de informações sobre a Hepatite e campanhas de vacinação.
A vacina para evitar a contaminação com a Hepatite B é altamente eficaz e fabricada no Brasil nos laboratórios oficiais a um custo bastante viável, podendo ser encontrada gratuitamente em todos os postos de saúde para pessoas até 19 anos de idade. Entretanto, a cobertura vacinal é muito deficiente devido à inexistência de campanhas nacionais. Percebemos que não há por parte do Ministério da Saúde esforços em divulgar a disponibilidade da vacina, uma situação que não encontra explicação entre os especialistas.
É incompreensível que os programas nacionais ligados à AIDS e à Hepatite B não estejam de alguma maneira conectados, já que as formas de contágio são as mesmas e que o infectologista que trata HIV/AIDS está capacitado a tratar a Hepatite B, motivo pelo qual as duas doenças deveriam estar juntas no mesmo programa de prevenção e tratamento.
Desde a sua criação, em fevereiro de 2002, o Programa Nacional de Hepatites Virais, que é ligado ao Ministério da Saúde, tem por objetivo estabelecer diretrizes no SUS para identificar as hepatites virais. Entre as prioridades deste programa deveria estar a atualização desta lista de medicamentos aos pacientes atendidos pelo SUS. Esta atualização deve contemplar os medicamentos já aprovados pela Anvisa e comercializados no Brasil nos últimos seis anos.
Pior ainda, na página do Ministério da Saúde, na relação de doenças sexualmente transmissíveis do Programa DST/AIDS, são fornecidas informações sobre 15 DSTs, mas a Hepatite B nem sequer é citada. Por que censurar informações sobre a doença à população? Assim como a falta de conhecimento e de vontade política, a epidemia se alastra de forma avassaladora, ganhando o triste status de epidemia do futuro.
* Carlos Varaldo é presidente do Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite e Vice-diretor da World Hepatitis Alliance
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