Em 1976, o psiquiatra e professor da Columbia University, Jerrold S. Maxmen, publicou a obra “The Post-Physician Era: Medicine in the 21st Century”. Falecido em 1992, Maxmen não conseguiu ver sua profecia realizada: “em 50 anos [2026], o modelo tradicional de assistência médica centrado no médico será substituído por um novo sistema, que dependerá menos de médicos individuais e mais de computadores e tecnologia clínica”. Para ele, a informação médica cresceria mais rápido do que a capacidade humana de assimilá-la e isso inviabilizaria a figura do “clínico universal”. O livro antecipou com notável precisão alguns temas que só ganhariam tração décadas depois, como prontuários eletrônicos, telemedicina, diagnósticos por IA e a crise de burnout médico causada pela sobrecarga de informação. Ele projetou um determinismo tecnológico que desconsiderou fatores culturais, legais e a importância da empatia na relação médico-paciente.

Às barbas de 2026, e com pouco mais de 3 anos do advento das Inteligências Artificiais notáveis (GenAI), a cadeira médica sofre um incontestável desafio: o que o futuro reserva à profissão médica? É certo que ela não vai desaparecer, mas qual será a sua função medular em tempos de Pós-medicina, em tempos de automação inteligente nas práticas médicas?

Pós-medicina não deve ser confundido com neomedicina, ou Xmedicina, ou outras careticesoportunistas. Ela continua a cuidar dos pacientes como nos tempos de Hipócrates. Mas agora ela vai além, excede o ato de diagnosticar e prospectar doenças, amplificando o cuidado médico para além do paciente isoladamente. Seus limites tendem a ultrapassar o conhecimento latente e tácito. O pós-médico, acima de tudo, será um pesquisador incansável, um observador capaz de perceber em eventos pontuais séries temporais que produzam valor para milhares ou milhões de pacientes. O foco do médico salta do indivíduo apartado para o coletivo análogo, onde a prática clínica enxerga, mas nem sempre alcança. O pós-médico será um animal investigador, um “olheiro”, capaz de transformar cada batimento (humano ou de máquina) em um registro factual que interesse a muitos e não só ao seu paciente.

Não adianta só gerar e acumular dados para que ‘compiladores inteligentes’ os transformem em massa crítica. O pós-médico é quem deve ser o crítico, o analítico, o avaliador das informações clínicas coletadas. As máquinas cognitivas artificiais vão ajudá-lo, quiçá até superá-lo, mas não devem acomodar o médico a ser um simples ventríloquo de IA. A melhor forma de obter esse perfil aglutinador é desenvolvendo continuamente pesquisas que oportunizem o seu conhecimento acumulado. Médico deve ser cartógrafo e não sismógrafo, este sim, um elemento instrumental inerente à cognição artificial. Pesquisar, publicar e integrar conhecimentos clínicos fragmentados deve estar na linha de frente da função pós-médica.

O prefixo pós” aqui não denota mera posterioridade, não aponta só para aquilo que vem após algo concluído. Ele sinaliza transcendência, um ir além, algo que adquire sentido ampliado quando se abre um conjunto inédito de realidades. Nosso “pós” nasce da ‘perfectibilité’ de Rousseau (1712-1778): “É a faculdade de aperfeiçoar-se que distingue o homem dos animais, impelindo-o a evoluir sem cessar, tanto no domínio de suas próprias habilidades quanto na criação de novos saberes” (Discurso sobre a Origem da Desigualdade, 1755).

O pós-médico já é, por natureza, um pré-cientista, um observador nato da conjunção entre morbidade e recuperação. Um artista capaz de pavimentar estradas abandonadas dentro da medicina preventiva, curativa e proativa. A maioria não percebe isso, ou se percebe, não encontra tempo ou espaço para pesquisar e publicar suas impressões. O Brasil se arrasta na pesquisa clínica, principalmente naquela que está embarcada no ambiente hospitalar. O país está entre as 10 principais nações em quantidade de empresas farmacêuticas instaladas (quase 1.500 corporações). Possui também o 9º maior mercado farmacêutico do mundo, estimado em US$ 33,2 bilhões. Por outro lado, em 2024 tivemos uma média de 254 estudos publicados, quando a média global no mesmo ano foi de 13.776, segundo dados do relatório “Panorama da Pesquisa Clínica no Brasil e no Mundo”, publicado em 2025 pela Interfarma.

Além das novas realidades geradas pela locomotiva digital e pela Cognição Artificial Multimodal (Cognware), existe outra realidade que alcança o Brasil: a nova legislação de incentivo à Pesquisa Clínica. Um domínio novo que faz parte da rampa que médicos e hospitais precisam saltar daqui para frente. Não é só mais uma questão de dedicação, altruísmo ou incremento de titularidade. Agora, acima de tudo, é uma nova fonte de receita para médicos-pesquisadores e hospitais vocacionados à curadoria clínico-investigativa.

A Lei 14.874/2024, sancionada em 28 de maio de 2024, é o novo marco que muda o “jogo-rápido” da pesquisa clínica no Brasil. Junto com as plataformas de Inteligência Artificial e seus mecanismos agênticos, capazes de prover até 70% do trabalho operacional de qualquer pesquisa, o país tem uma chance de carimbar seu passaporte para a pós-medicina. Seria difícil asseverar que “muda tudo”, mas certamente muda muito no conjunto de opções que o setor tem para monetizar a pesquisa médica. Temos, finalmente (10 anos de tramitação), uma legislação maiúscula (embora ainda não perfeita). Sua governança é enxuta: os antigos CEP (Comitê de Ética em Pesquisa) e CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) se transformam no Sistema Nacional de Ética em Pesquisa (SINEP), com o INEP (Instância Nacional de Ética em Pesquisa) atuando como junta recursal/normativa, enquanto os CEPs locais emitem o parecer final (evitando dupla revisão e cortando camadas tecnocráticas).

A letargia na aprovação científica também ganha reducionismo: o CEP tem 30 dias úteis para dar parecer; a ANVISA, 90 dias úteis para liberar o dossiê e, se a agência ficar em silêncio, o estudo pode iniciar com as aprovações éticas em mãos (aprovação tácita). Além disso, todo protocolo vale para todos os centros brasileiros, dispensando submissões repetidas.

A nova lei impõe também uma revisão proporcional ao risco: vias expressas encurtam ainda mais os projetos de baixo risco ou estratégicos para o SUS (parecer em até 15 dias úteis). As novas regras de responsabilidade ficam mais claras: o patrocinador segue pagando todos os custos do estudo e deve manter o fornecimento gratuito do medicamento investigado sempre que este continuar a ser a melhor opção terapêutica, ou apresentar relação risco-benefício mais favorável. Os patrocinadores respondem, ainda, civilmente apenas por danos ligados ao ensaio.

No quesito proteção de dados (LGPD), o armazenamento mínimo é de 5 anos (ou 10 anos para terapias avançadas) e a lei explicita que os patrocinadores podem ser controladores de dados pessoais, conforme definido no protocolo. Foram criadas também sanções inéditas: multas, suspensão de licença e outras penalidades para violações éticas ou sanitárias.

Assim, o lado monetizável (ou financeiro, chame como quiser) pode transformar aprovações que antes levavam 12 a 18 meses em processos de 1 a 3 meses. A lei “acelera a chegada do dinheiro” (estrangeiro ou nacional), que paga: (1) “reembolso por paciente”; (2) overhead institucional; e (3) bônus de performance; as três fontes de renda mais visíveis para médicos e hospitais. Some-se à previsibilidade contratual (prazos-teto e aprovação tácita), que facilita negociar honorários maiores atrelados à velocidade de conclusão.

Também se espera que, com o capital dos patrocinadores ficando mais barato, cresça o leque de estudos que agora ‘valem a pena’ ser conduzidos no Brasil, multiplicando o fluxo de site-fees e overheads institucionais. Em suma, a 14.874/2024 cria um ambiente mais rápido, seguro e transparente, pré-condições básicas para que os benefícios comerciais (honorários, consultorias, spin-offs, margem hospitalar) se materializem em escala nunca antes vista no país.

Por outro lado, as IAs movimentam um arsenal de instrumentos voltados ao trabalho de pesquisa, análise, colaboração entre pares e publicação. O trabalho burocracial da pesquisa clínica será severamente atenuado pelas IAs. Vejamos como elas podem suportar o faseamento de um estudo clínico do início até a publicação:

  • Radiografia de lacunas: o pós-médico descreve uma pergunta clínica; a IA vasculha 138 milhões de artigos e trials, criando um mapa de evidências que destaca onde falta conhecimento (ferramentas de IA, como Elicit, fazem busca semântica, filtragem e extraem tabelas em minutos, gerando até 80% em economia de tempo);
  • Co-criação de hipóteses: o LLM sugere variáveis, desenha esboços de ensaios (coorte, RCT, N-of-1) e propõe endpoints mensuráveis; o médico aceita, rejeita ou refina (modelos como GPT-4o permitem “prompt-to-protocol”, explicando premissas e estatísticas passo a passo);
  • Validação clínica contextual: antes de ir adiante, o médico confronta o desenho proposto com sua prática diária: protocolos adotados, perfil de pacientes, recursos diagnósticos e terapêuticos disponíveis. A GenAI resume guidelines locais, extrai estatísticas dos próprios registros médicos (EHR) e destaca divergências ou lacunas. Os explainability-dashboards marcam onde as premissas se alinham (ou não) à realidade da pesquisa;
  • Redação estruturada do protocolo: o esboço vira documento IMRaD completo, incluindo Termo de Consentimento e trilha de versões (plataformas de “protocol builder” preenchem templates e checam automaticamente a consistência metodológica);
  • Cálculo de poder & dados sintéticos: a IA estima tamanho de amostra, roda “simulações de Monte Carlo” (experimentos numéricos que recorrem a sorteios repetidos para imitar, na tela, o “jogo de incertezas” que acontece no mundo real) e gera dados sintéticos para testar o pipeline analítico quando o desfecho é raro. Utilização de módulos estatísticos integrados aos LLMs.
  • Conformidade ética e regulatória: LLMs na geração de checklist GCP (boas práticas) e FDA ou Anvisa, desenvolvem plano de mitigação de risco e formulários IRB (Institutional Review Board – Comitê de Ética em Pesquisa sediado nos EUA) e CEP (Comitê de Ética em Pesquisa, Brasil; equivalente nacional ao IRB), vinculado à CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa). Qualquer Chatbot (IA) especializado em compliance automatiza o preenchimento, apontando riscos.
  • Triagem e recrutamento assistido: algoritmos varrem prontuários e classificam elegibilidade; painéis mostram quantos pacientes cabem por Pesquisa (IA Multimodal, ou de Linguagem Natural, identifica critérios diretamente nas notas clínicas).
  • Coleta de dados em tempo real: wearables, apps e dispositivos conectados alimentam automaticamente CRFs (Formulário de Registro de Caso), o caderno padronizado (hoje quase sempre eletrônico) onde o pesquisador anota todas as informações exigidas pelo protocolo. Agentes multimodais (texto-áudio-imagem) orquestram a ingestão contínua.
  • Análise e descoberta: GenAI executa pipelines, gera explicações em linguagem natural, testa hipóteses alternativas e cria visualizações interativas.Aqui, modelos generativos multivariados (ex. Delphi-2M) rodam análises instantaneamente.
  • Manuscrito & gráficos: a IA redige o primeiro rascunho, formata figuras vetoriais e checa CONSORT/PRISMA; sugerindo ainda as revistas-alvo e cartas-cobertura.
  • Artigo vivo & atualização contínua: após a publicação, LLMs automatizam alertas, incorporando continuamente novos dados ao estudo, com painéis mantendo a evidência “viva”.

O exemplo sequencial acima mostra que a operação trabalhosa do pesquisador (e de seus colaboradores) será repassada aos LLMs, que são motores da automatização investigativa, redutores do ciclo P&D do pesquisador. Da revisão sistemática relâmpago ao rascunho do manuscrito, da simulação estatística às cartas-cobertura formatadas, tudo deve estar circunscrito às plataformas de IA Agênticas, desenvolvidas unicamente para essa função. Já existe uma centena delas oferecidas no mercado.

Ao integrar texto, imagem, vídeo, som e sinais biométricos num só espaço vetorial, os modelos multimodais libertam a pesquisa das barreiras entre o que é lido num artigo, visto no microscópio ou captado por um sensor clínico. Esse contínuo sensório-semântico transforma pixels, espectros e fonemas em hipóteses testáveis quase em tempo real. É daí que nasce a sensação de aceleração: a pesquisa clínica com IA deixa de ser apenas “estatística em planilhas” e passa a ver e escutar o experimento à medida que ele acontece.

Nesse contexto, o pós-médico deixa de carregar pilhas de formulários e passa a dedicar sua energia cognitiva onde a máquina ainda não alcança plenitude: inspirar hipóteses originais, contextualizar achados à luz da prática clínica e exercer o desprendimento crítico capaz de separar o sinal do ruído. Em outras palavras, enquanto a IA lida com o lastro logístico e computacional, cabe ao profissional humano ser a faísca intelectual que orienta, interpreta e publica a ciência que emerge dos sistemas generativos artificiais. O pós-médico será um investigador das causas clínicas, um explorador de contexto capaz de conectar circunstâncias isoladas ao letramento clínico-assistencial. É nesse trabalho, nessa base de dados experimental e documental, que a cognição humana (biológica e natural) e a cognição artificial, juntas, buscam drivers para sugerir respostas a milhões de profissionais de saúde.

Cada prontuário não minerado é um experimento evaporado. Em cada pixel-clínico ignorado, uma tese de doutorado se perde no lixo dos backups. Seja no delineamento de ensaios oncológicos de fase III, na triagem in silico de candidatos a fármacos, ou na modelagem do impacto econômico na saúde, os LLMs já sustentam hoje, virtualmente, cada etapa do método científico aplicado: vasculham bancos de dados globais em segundos, sugerem estruturas experimentais, geram códigos de análise reproduzível, detectam vieses latentes, produzem visualizações interativas e adaptam o texto final aos guias CONSORT, PRISMA ou CHEERS antes mesmo do pesquisador abrir o editor. Essa ubiquidade não diminui o rigor, ao contrário, eleva o piso mínimo de qualidade, deslocando o diferencial humano para a curadoria conceitual.

Nesse sentido, é notável perceber como o fenômeno da pleiotropia (um único gene controla diversas características do fenótipo, que em alguns casos não estão relacionadas), também conhecido como off-target benefit, cresceu sobremaneira nos últimos dois anos, grande parte devido ao uso dos LLMs na prática científico-investigativa. Um exemplo são as Vacinas mRNA em conjunto com elementos imunoterápicos: o grupo MD Anderson/UF analisou mais de 1.000 casos de câncer avançado (NSCLC e melanoma) tratados com inibidores de checkpoint imune. Pacientes que receberam uma vacina mRNA da Covid-19 até 100 dias após iniciar o ICI viveram 37,3 meses (mediana), contra cerca de 20 meses daqueles que não foram vacinados; e 56% estavam vivos em 3 anos (vs. 31%). É o varejo da biologia translacional: “teste um e leve 4”.

Outro exemplo pleiotrópico recente é Semaglutida, caminhando para além da redução de peso. Ensaios (SELECT/STEP), ou seja, estudos do “mundo real” e metanálises realizados em 2024-25 mostraram que o agonista GLP-1 reduz eventos cardiovasculares maiores, mesmo quando a perda de peso é modesta. Mostra também efeitos benéficos sobre rim, fígado gorduroso, inflamação sistêmica e até alcoolismo. Por que agora? Por que cresce a velocidade na identificação de fármacos com múltiplos benefícios à Saúde?

Vários são os motivos, incluindo a observação científica devido à larga utilização dessas drogas. Mas um dos fatores é a utilização de IA em algumas frentes: (1) Descoberta (repurpose): modelos generativos ajudam a prever epítopos de mRNA, melhoram a otimização de LNPs e vasculham registros eletrônicos para obter “sinais” (ex.: sobrevida maior pós-vacina), como mostra o estudo “Artificial intelligence in anti-obesity drug discovery: unlocking next-generation therapeutics” (ScienceDirect, Elsevier, abril de 2025); (2) Ensaios sintéticos: gêmeos digitais e análise do mundo real aceleram hipóteses; (3) Machine-learning clínico: algoritmos identificam quem mais se beneficia de GLP-1 (elegibilidade, dose ótima, etc.), apresentado no estudo “Artificial Intelligence-Driven Prediction of Glucagon-Like-Peptide-1 Receptor Agonist Eligibility in Obesity” (Mary Ann Liebert, setembro de 2025).

É comum ver fármacos “acertarem” alvos fora do roteiro, mas não de forma tão rápida. As IAs exponenciaram a velocidade de detecção e passaram a ser uma “lente cognitiva”, que não cria os fenômenos biológicos, mas os revela mais cedo, conectando sinais díspares (EHR, ómicas, literatura) e propondo explicações que humanos refinam. Não é uma coincidência: a interseção de plataformas biotecnológicas maleáveis, o mapeamento sistêmico do organismo e o poder computacional (turbinado por IA) estão fazendo as descobertas pleiotrópicas “explodirem”, quase em sincronia. Essa ‘incandescência investigativa’ não está só nos Centros Tradicionais de Pesquisa e Desenvolvimento, mas está também em cada hospital, nas garagens das startups, nos blocos de anotações de médicos atentos e, principalmente, no olhar vigilante dos Fundos de Investimentos, ávidos por monetizar descobertas biológicas.

O relatório Elsevier’s global survey of 3,000 researchers”, publicado em novembro de 2025, mostra que 58% dos 3.200 pesquisadores ouvidos usam IA no trabalho (eram 37% em 2024). Da mesma forma, a pesquisa da OECD, “The Adoption of Artificial Intelligence in Firms” (2025), mostra que entre 840 empresas que financiam pesquisas (G7+Brasil), a IA é a plataforma mais frequente e consistente em qualquer pipeline científico-tecnológico.

Mas onde pode estar o benefício econômico para o médico-pesquisador? E para o hospital, como ele pode adicionar receita com a pesquisa clínica?

Para o médico-pesquisador, novas portas remunerativas podem se abrir, como a expansão do modelo de “Honorários Por Paciente”, onde cada paciente-randomizado gera um site fee que, após cobrir custos do Centro de Pesquisa, deixa margem líquida (5 a 20%) para o pesquisador principal. Ou o modelo de “Bônus por Performance”, com contratos que preveem pagamentos extras (ou antecipação de parcelas) se bater metas de recrutamento/qualidade antes do prazo (LLMs que filtram prontuários por critérios de elegibilidade tornam essa meta mais alcançável). Sem falar no tradicional contrato de “Consultoria & Advisory Boards”, com hora-técnica remunerada para discutir protocolos, resultados preliminares ou participar de vetores educacionais. No Brasil, médicos com forte produção científica chegam a faturar entre R$ 800,00 e R$ 2.000,00 por hora nessa modalidade. Outra forma remunerativa é a “Participação Societária em Spin-offs”, quando o médico-pesquisador entra com know-how e recebe participação acionária (Exits ou rodadas de investimento podem multiplicar o ganho inicial). A nova lei abre espaço para inúmeras outras formas de remuneração para o pós-médico, sempre que a pesquisa metodológica esteja em sua agenda funcional.

Não será diferente para os hospitais que se engajarem na pesquisa clínica causal. Formas de monetização específicas para Centros de Pesquisa (hospital-embedded) avançam, impulsionadas pela nova legislação e pelo efeito operacional do uso de cognware na bancada de testes. O modelo “Overhead Institucional”, com contratos que preveem percentual-extra sobre cada item orçado (pessoal, exames, farmácia), é um deles. Muitos desses Centros de Pesquisa já adotamde 20 a 40% de “indirect costs”, valor pago além dos custos diretos. Ou seja, cada milhão faturado em despesas diretas se transforma em R$ 200 a 400 mil de margem bruta para o hospital, livre para investir em tecnologia, expansão ou caixa.

Da mesma forma, os contratos de “Site-fees por Paciente”(incluindo serviços de apoio) devem crescer no mercado nacional. O “reembolso por participante” cobre consultas, enfermagem, coleta, imagem, patologia, farmácia e hotelaria-dia (serviços faturados com preço cheio da tabela privada). Em estudos oncológicos, por exemplo, contratos de R$ 15 a 25 mil por paciente (incluindo markups) não são incomuns. Um Centro que inclua 40 pacientes num clinical-trial, pode receber perto de R$ 800 mil em 24 meses.

Também devem crescer os contratos de “Infraestrutura Bancada pelo Patrocinador”, ou de “Licenciamento de Dados em Algoritmos”, onde bases anonimizadas (wearables, prontuário, imagem) podem ser licenciadas ao patrocinador (em geral, o setor farmacêutico ou healthtechs que treinam IA sob LGPD), mediante contrato de uso responsável. Nesse caso, o paciente também pode entrar no modelo de remuneração, como já acontece em vários países. O “Fomento Não-reembolsável & Incentivos Fiscais” e os contratos de “Posicionamento de Mercado & Spin-offs” também devem expandir sobremaneira as receitas hospitalares a partir de agora. Todos os modelos e contratos citados acima podem ter nomenclaturas diferentes, assim como formatos de participação variados em função das especificidades do projeto.

É um mundo novo, uma era “pós-medicina” repleta de desafios e oportunidades. Os fingidores gostam de nos enganar, divertem-se em nos assustar, como a Cognição Artificial, que adora se passar por bolha. Fingem ter “finais dolorosos”, mas são apenas “novos começos”. Médicos e hospitais não devem ter medo de embarcar. Em sua obra sublime, “Demian”, Hesse explicou: “O pássaro rompe a casca, que é seu mundo. Quem deseja nascer, precisa romper com algum mundo”. Para muitos, a pesquisa clínica será a sua nova casca…

Guilherme S. Hummel
Head Mentor – EMI (eHealth Mentor Institute)