A terapia celular CAR-T representa uma das mais promissoras inovações no tratamento de cânceres hematológicos. No entanto, sua implementação no sistema de saúde suplementar brasileiro ainda enfrenta diversos obstáculos. Esta conclusão emerge da pesquisa “Panorama Atual das Indicações de CAR-T em Beneficiários das Autogestões”, realizada pela UNIDAS entre junho e julho de 2025.

O estudo contou com a participação de 24 operadoras de planos de saúde. Juntas, estas empresas representam cerca de 700 mil beneficiários. Assim, o levantamento oferece uma visão inédita sobre o uso desta tecnologia no Brasil e identifica as principais barreiras para sua incorporação sustentável.

Demanda crescente e alto impacto financeiro

De acordo com a pesquisa, 38% das operadoras já receberam pedidos para uso da terapia CAR-T. Ao todo, foram analisados 18 casos. Portanto, ao projetar estes números para os 4 milhões de beneficiários das autogestões filiadas à UNIDAS, estima-se uma demanda anual entre 120 e 160 casos.

O custo médio por tratamento chega a R$ 3 milhões. Consequentemente, o impacto financeiro potencial poderia alcançar R$ 480 milhões nas despesas assistenciais. Este valor representa quase 2% do total de despesas registrado pela ANS em 2024.

Dos 18 casos identificados, 13 foram autorizados. Contudo, 85% destes só foram aprovados após decisões judiciais em caráter liminar. As negativas ocorreram principalmente pela ausência de previsão na cobertura obrigatória da ANS. Além disso, alguns casos apresentaram inadequação da indicação clínica.

Judicialização como principal via de acesso

O estudo identificou padrões recorrentes nos pedidos judiciais. Primeiramente, 86% apresentam laudos indicando o CAR-T como única opção viável. Em seguida, 71% solicitam urgência com pedido de liminar. Por fim, 57% comprovam falha de terapias anteriores. Entretanto, apenas 14% dos processos apresentaram evidências científicas conforme exigido pela Lei 14.454/2022.

“Não podemos permitir que uma inovação tão transformadora seja privilégio de poucos por falta de planejamento e regulação adequada”, alerta o médico João Paulo dos Reis Neto, diretor técnico da UNIDAS.

Gargalos operacionais e estruturais

Dois em cada três casos relatados enfrentaram dificuldades na negociação com prestadores. Além disso, a limitação de centros especializados com estrutura adequada foi identificada como um dos principais obstáculos.

No aspecto financeiro, 95% dos gestores apontaram o alto custo como o maior desafio. Por um lado, a produção nacional do CAR-T surge como solução promissora para redução de preços. Por outro lado, metade dos entrevistados acredita que o impacto dessa iniciativa seria limitado.

Resultados clínicos ainda inconclusivos

A percepção sobre o impacto do CAR-T na qualidade de vida dos pacientes permanece dividida. Inicialmente, 40% consideram o benefício moderado. Em seguida, 35% avaliam como baixo. Por último, apenas 25% acreditam em alto impacto.

Os dados clínicos revelam que 38% dos pacientes tratados evoluíram para óbito. Paralelamente, outros 38% ainda estavam em acompanhamento durante a pesquisa. Ademais, cerca de 24% apresentaram progressão da doença mesmo após o tratamento.

Caminhos para viabilizar o acesso

Para melhorar o acesso à terapia, 80% dos gestores defendem a produção nacional. Adicionalmente, 40% sugerem a ampliação de centros capacitados. Todos os participantes indicaram o alto custo como principal barreira. Em seguida, apontaram a escassez de centros especializados (58%) e a falta de evidências robustas (54%).

Quanto aos modelos de pagamento, 71% preferem o compartilhamento de risco. Além disso, 52% defendem remuneração baseada em resultados. Finalmente, o parcelamento do pagamento foi considerado “extremamente importante” por 90% das operadoras.

Equilíbrio entre inovação e sustentabilidade

A pesquisa da UNIDAS aponta caminhos essenciais para o futuro da terapia. Primeiramente, a definição de protocolos clínicos. Em segundo lugar, o fortalecimento de centros de referência. Por último, a discussão de novos modelos de remuneração.

Judicialização não pode ser a principal via de acesso a uma terapia tão complexa”, reforça o coordenador do estudo.

Os gestores reconhecem o potencial transformador da CAR-T. Todavia, alertam que sua adoção sem critérios claros pode comprometer a sustentabilidade do setor. Persistem preocupações quanto à segurança, especialmente nos primeiros 90 dias após a infusão.

“A CAR-T é uma revolução que bate à porta, mas ainda construímos a casa para recebê-la. Seu futuro no Brasil dependerá da nossa capacidade de equilibrar acesso com sustentabilidade”, conclui o diretor técnico da UNIDAS.