O Congresso Anual da Sociedade Europeia de Medicina Oncológica (ESMO) 2024, realizado de 13 a 17 de setembro em Barcelona, apresentou avanços promissores no tratamento do câncer, com foco no uso de imunoterapia e conjugados anticorpo-droga (ADCs). 

Segundo Carlos Gil Ferreira, diretor médico da Oncoclínicas e presidente do Instituto Oncoclínicas, os resultados de novas combinações terapêuticas foram um dos principais destaques. “O uso de terapias combinadas foi um dos temas centrais do evento. Os dados indicam melhorias significativas para os pacientes. Esses medicamentos inovadores, ao atuarem de forma sinérgica, estão redefinindo o tratamento de tumores anteriormente difíceis de controlar, com destaque para a imunoterapia, que continua a mostrar grande potencial, especialmente em casos complexos, como o câncer de bexiga”, afirma. 

Ferreira também destaca que as descobertas apresentadas no ESMO 2024 devem acelerar a adoção de novos protocolos clínicos, proporcionando alternativas mais eficazes e personalizadas. “O congresso trouxe uma perspectiva otimista para o futuro da oncologia, ampliando as opções terapêuticas e melhorando a qualidade de vida dos pacientes. Desde o uso de IA no desenvolvimento de tratamentos personalizados até a segurança da amamentação para sobreviventes do câncer de mama, as discussões desta edição podem transformar o futuro da oncologia, acelerando a implementação de novas modalidades ao nosso arsenal terapêutico.” 

Abordagens inovadoras e desafios persistentes 

Com um foco em pesquisas promissoras, a ESMO 2024 trouxe perspectivas otimistas para o futuro do tratamento oncológico. As inovações apresentadas oferecem novas esperanças a pacientes com tumores de difícil tratamento e avançados, marcando um importante avanço para a oncologia global. 

“A ciência está avançando rapidamente no desenvolvimento de terapias inovadoras. Esses progressos, somados à pesquisa sobre resistência ao tratamento e soluções para doenças raramente estudadas, indicam um futuro em que a medicina personalizada e de precisão serão o padrão”, resume Carlos Gil Ferreira. 

Dentro dessa temática, Carlos Gil destacou o estudo PECATI, que apresentou uma nova abordagem para o tratamento do câncer de timo avançado. Os resultados da fase 2 desse estudo mostraram a eficácia da combinação dos imunoterápicos lenvatinibe e pembrolizumabe em pacientes com carcinoma tímico B3, que não haviam respondido aos tratamentos anteriores. Esses achados representam um avanço significativo no tratamento de cânceres com prognósticos mais complexos, oferecendo alternativas que podem melhorar de forma expressiva a qualidade de vida dos pacientes em estágios avançados da doença. 

O impacto da amamentação no câncer de mama: novos estudos tranquilizam sobreviventes 

Entre as inovações que podem transformar a vida de muitas mulheres, a ESMO 2024 apresentou dois estudos independentes que investigam a segurança da amamentação após o tratamento de câncer de mama. Ambos os ensaios indicaram que o aleitamento não está associado a um aumento no risco de recorrência da doença, oferecendo tranquilidade para mulheres em idade fértil que desejam ser mães. 

Um dos estudos, focado em mulheres portadoras da mutação BRCA, acompanhou mais de 5 mil sobreviventes de câncer de mama ao longo de sete anos. Os resultados mostraram que não houve diferença significativa nas taxas de recorrência entre as mulheres que amamentaram e as que não amamentaram. O segundo estudo, envolvendo mulheres com câncer de mama precoce receptor hormonal positivo, também confirmou a segurança da amamentação, sem aumento do risco de novos tumores. Essas descobertas são fundamentais para oferecer segurança e ampliar as opções de vida das sobreviventes que desejam ter filhos após o tratamento. 

Além disso, novas pesquisas sobre os efeitos a longo prazo da imunoterapia em outros subtipos de câncer de mama, como o triplo negativo, trouxeram novas esperanças de tratamentos mais eficazes e duradouros. 

ADCs e a transformação do tratamento oncológico 

Uma das abordagens mais inovadoras destacadas na ESMO 2024 foi o uso dos conjugados anticorpo-droga (ADCs), que têm como alvo moléculas específicas em tumores sólidos. O ADC trastuzumabe deruxtecano (T-DXd) apresentou resultados impressionantes no controle de metástases cerebrais em pacientes com câncer de mama HER2 positivo, um dos maiores desafios da oncologia. O estudo DESTINY-Breast12 mostrou que, após 12 meses de tratamento, 61,6% das pacientes mantiveram-se livres da progressão do câncer, representando um avanço significativo na intervenção de metástases no sistema nervoso central. 

Elisa Cançado Porto Mascarenhas, oncologista da Oncoclínicas, ressaltou a importância desses dados, destacando que os ADCs trazem esperança para pacientes com metástases cerebrais, permitindo tratamentos menos invasivos e com menos efeitos colaterais. Além disso, outro ADC, o patritumabe deruxtecano, foi apresentado como uma alternativa promissora para pacientes com câncer de mama avançado HR+/HER2-, ampliando as opções terapêuticas para casos anteriormente limitados. 

Outro estudo que merece destaque, de acordo com o diretor médico da Oncoclínicas, Carlos Gil Ferreira, é o ABIGAIL, que investiga a combinação de abemaciclibe com terapia endócrina, com ou sem paclitaxel de indução, para câncer de mama HR+/HER2- avançado. “Esse subtipo de câncer de mama depende de hormônios para se desenvolver. Nessa combinação, o abemaciclibe, que bloqueia o crescimento das células cancerígenas, é utilizado junto a uma terapia que reduz ou bloqueia esses hormônios que alimentam o tumor. O estudo avaliou a eficácia da inclusão de um quimioterápico, sugerindo que essa combinação pode potencializar a redução do tumor. É uma abordagem inovadora para um tipo de câncer de mama agressivo, oferecendo benefícios significativos para essa parcela de pacientes”, explica Carlos Gil. 

Mudança de protocolo para tumores de bexiga 

Os tumores geniturinários foram um dos principais focos do congresso, com novos estudos trazendo abordagens promissoras para tratar casos que antes apresentavam poucas alternativas e altas taxas de mortalidade. 

Entre os destaques, um dos mais celebrados pela comunidade médica e científica foi o avanço no tratamento do câncer de bexiga músculo-invasivo. O estudo NIAGARA demonstrou que a combinação de durvalumabe, uma imunoterapia, com quimioterapia reduziu em 25% o risco de morte em comparação ao uso exclusivo da quimioterapia. “Este resultado oferece novas esperanças para pacientes em estágios avançados da doença, ampliando as opções de tratamento com imunoterapia”, afirma Pedro Abreu, oncologista da Oncoclínicas. 

Imunoterapia se consolida no combate ao câncer de rim 

No cenário de tumores renais, o LITESPERK-005 trouxe uma perspectiva atual com o uso do belzutifan, um medicamento que impede o crescimento de novos vasos sanguíneos que alimentam o tumor. A análise mostrou que a droga foi mais eficaz em controlar o câncer do que o everolimus, uma terapia que bloqueia proteínas dentro das células cancerígenas, inibindo o crescimento do tumor. A maior parte dos pacientes tratados com belzutifan teve sua doença estabilizada, o que sugere que essa pode ser uma opção promissora para aqueles que já passaram por outros tratamentos sem sucesso. “O belzutifan oferece uma nova esperança para pacientes em estágios avançados, quando as opções começam a se esgotar” diz Abreu. 

Outro estudo importante, o SUNNIFORECAST, avaliou a combinação de ipilimumabe e nivolumabe – duas imunoterapias que estimulam o sistema imunológico a atacar o câncer. Essa combinação foi aplicada em pacientes com um tipo específico de câncer de rim, o carcinoma de células renais não claras, mostrando que eles viveram mais tempo em comparação aos que receberam os tratamentos tradicionais, que geralmente incluem drogas que atacam diretamente as células tumorais.  

“Esses resultados reforçam o papel da imunoterapia no tratamento de alguns tipos de câncer de rim, especialmente em pacientes com perfis de risco mais altos”, explica o especialista. 

Câncer de próstata: terapias combinadas promovem maior controle da doença  

O estudo PEACE-3 trouxe boas notícias para homens com tumor de próstata resistente à castração metastático – uma forma de câncer que não responde mais aos tratamentos hormonais tradicionais e se espalhou para outras partes do corpo. O ensaio avaliou a combinação de enzalutamida, uma droga que bloqueia os efeitos dos hormônios masculinos que alimentam o câncer, com o Ra223, um radiofármaco que libera pequenas doses de radiação para combater o câncer nos ossos, onde a doença costuma se espalhar. 

Os resultados mostraram mais eficácia do que o uso isolado da enzalutamida. Aqueles que receberam ambos viveram mais tempo sem que o câncer avançasse e tiveram uma sobrevida global maior, sendo classificada pelos especialistas como uma abordagem importante para melhorar a qualidade de vida dos pacientes, especialmente em casos onde o câncer já está nos ossos. 

IA: um novo horizonte no tratamento oncológico 

Reunindo especialistas de todo o mundo, o congresso apresentou ainda uma série de estudos voltadas à tecnologia e aos cuidados integrativos, com foco na melhora da qualidade de vida dos pacientes. Não à toa, o uso da inteligência artificial (IA) aplicada ao diagnóstico molecular e à terapêutica foi amplamente discutido no evento.  

Financiado pela União Europeia, o projeto I3LUNG, que visa personalizar o tratamento de pacientes com carcinoma pulmonar não microcítico, mereceu destaque. O programa, com participação da MedSir, empresa de pesquisa clínica independente que faz parte da Oncoclínicas&Co, utiliza IA para integrar dados clínicos e biológicos, melhorando a precisão no tratamento e os desfechos dos pacientes. 

Carlos Gil destaca que o I3LUNG é um exemplo de como a tecnologia pode potencializar a medicina personalizada, superando as limitações dos biomarcadores atuais e contribuindo para decisões terapêuticas mais assertivas. “Essa combinação entre IA e oncologia promete revolucionar o campo, oferecendo tratamentos mais precisos e eficazes para cânceres complexos, como o de pulmão”, aponta. 

Participação brasileira na ESMO 2024 

A Oncoclínicas, um dos maiores grupos de oncologia da América Latina, esteve fortemente representada na ESMO 2024, levando 12 estudos para o congresso – oito em formato pôster e outros quatro desenvolvidos em parceria com a Medsir. Entre os destaques esteve ainda uma sessão educacional liderada por Cristiane Bergerot, líder nacional de especialidade equipe multidisciplinar da Oncoclínicas, que abordou os impactos do câncer na vida sexual dos pacientes – ainda um tabu em muitos contextos médicos, mas um aspecto crucial para a qualidade de vida de mulheres e homens. 

“A presença da Oncoclínicas em um evento de tamanha relevância global não apenas reforça a posição do Brasil no cenário da oncologia mundial, mas também destaca o nosso compromisso com a inovação e a melhoria contínua do cuidado oncológico. A participação em eventos como a ESMO é fundamental para que os avanços científicos discutidos se transformem em práticas que beneficiem diretamente os pacientes no Brasil e no mundo”, resume Carlos Gil Ferreira.