Uma das características do registro de casos do dengue nos últimos anos no Brasil é a repetição de surtos epidêmicos no período de janeiro a maio. Entre as dificuldades enfrentadas pelas autoridades para impedir a transmissão da doença nesse período, está a alta capacidade de reprodução dos mosquitos transmissores (o mais comum é o Aedes aegypti) em resposta a mudanças ambientais, informa a assessoria de imprensa da Fiocruz. O Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM), unidade da Fiocruz em Pernambuco, deu início no final do mês passado a uma pesquisa que visa a desenvolver uma metodologia para o monitoramento da densidade populacional e do controle dos mosquitos vetores do dengue. O objetivo é reunir informações que levem a compreensão das situações que precedem aos surtos de transmissão, utilizando um modelo estatístico com capacidade de previsão de aumentos significativos da população do mosquito.

Durante dois anos, um grupo multidisciplinar de pesquisadores fará coletas contínuas de ovos do Aedes aegypti e do Aedes albopictus (outra espécie de mosquito que também pode estar transmitindo o dengue) em 600 pontos fixos distribuídos em cinco bairros do Recife (Brasília Teimosa, Engenho do Meio, Dois Irmãos, Casa Forte/Parnamirim, Morro da Conceição/Alto José do Pinho) e um no bairro de Nossa Senhora de Fátima, no município de Moreno. Em cada ponto, será colocada uma ovitrampa (armadilha para coleta de ovos) com larvicida biológico. A contagem de ovos será feita semanalmente em um sistema de rodízio. O modelo estatístico será alimentado, a cada semana, com dados sobre o numero médio de ovos e condições climáticas. A cada quatro meses será feita identificação das espécies a partir das larvas originadas dos ovos coletados.
As localidades foram selecionadas por critérios que buscam contemplar diferentes fisionomias urbanas, da ocupação do espaço, das características ambientais e socioeconômicas da população e do risco de ocorrência de doenças transmissíveis. O intuito é estimar a densidade populacional dos vetores em ambientes urbanos e associar às condições ambientais que propiciam o aumento da população dos mosquitos durante os meses que antecedem as epidemias (temperatura, umidade relativa do ar, precipitação pluviométrica). “Com base em metodologias de estimação de densidade populacional e taxas de infecção vetorial, montaremos um banco de dados que funcionará como um sistema de alarme. O sistema dotará as autoridades de poder de antecipação e intensificação de medidas de controle do mosquito e, conseqüentemente, de reduzir o risco de epidemias”, explica a pesquisadora do Departamento de Entomologia do CPqAM e coordenadora do estudo, Leda Régis.
De acordo com a pesquisadora, as estratégias de controle devem considerar características da biologia de populações dos vetores, que, em muitos casos, já estão resistentes aos inseticidas sintéticos usados para combater o mosquito. “Se identificarmos o período crítico de crescimento populacional dos vetores, poderemos aplicar uma estratégia de controle mais eficaz”, comentou.
A pesquisa desenvolvida pelo CPqAM também vai comparar ações implantadas nas áreas escolhidas para o desenvolvimento do projeto. Um sistema intensivo de controle será implementado em duas das seis localidades escolhidas para o desenvolvimento do projeto do CPqAM com a participação do Centro de Vigilância Ambiental (CVA) da Secretaria de Saúde do Recife. Ele consiste na integração do uso de biolarvicida a intervalos regulares com a coleta massiva de ovos.
Em uma das áreas, o sistema será implementado ao longo do ano e, na segunda, de outubro deste ano a maio de 2005, tendo início três meses antes do período no qual geralmente ocorrem surtos do dengue no país. “Uma estratégia de controle contínua e intensa, que não permita espaço temporal para recuperação, é capaz de reduzir o tamanho da população”, enfatizou Leda. Ela contou que a regularidade do tratamento com larvicida será assegurada em ação conjunta com as secretarias de Saúde do Recife e de Moreno.
A equipe de pesquisadores reúne especialistas em entomologia, controle de vetores, epidemiologia, análises espaciais, estatística, sistemas de informação geográfica e virologia. O estudo tem conexão com o Sistema de Apoio Unificado para Detecção e Acompanhamento em Vigilância Epidemiológica (Saudável), projeto financiado conjuntamente pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e coordenado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que tem como objetivo desenvolver instrumentos de tecnologia da informação (métodos, algoritimos e softwares) para dotar os sistemas de vigilância epidemiológica e de controle de endemias de capacidade de monitoramento e antecipação.
A pesquisa, que conta ainda com a participação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), do Laboratório Central de Pernambuco (Lacen-PE) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e tem financiamento do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), deve apresentar os primeiros resultados em fevereiro de 2005.